CPI dos Bingos

Supremo decide que Okamotto deve ir à acareação na terça

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31 de março de 2006, 22h27

O presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, deverá comparecer à acareação com o economista Paulo de Tarso Venceslau na CPI dos Bingos marcada para terça-feira (4/4) às 10h30. A decisão é do ministro Sepúlveda Pertence do Supremo Tribunal Federal. Como o ministro relator, Eros Grau, e o ministro substituto imediato, Ricardo Lewandowski, estão fora da cidade, coube ao ministro Pertence decidir.

Okamotto havia entrado com pedido de Mandado de Segurança para que ele não precisasse enfrentar mais um novo depoimento, marcado para o dia 28 de março passado. O relator, ministro Eros Grau, aceitou parcialmente o pedido por entender que seria ilegal pedir um novo depoimento quando o requerimento aprovado era de mera acareação. Na decisão, disse que, no caso de uma notificação para acareação, a CPI deverá colocar Okamotto face a face com a outra pessoa para que se possa atender os princípios do devido processo e do contraditório.

Ao ser chamado pela CPI para a acareação, Okamotto pediu esclarecimentos ao STF quanto à obrigatoriedade dele comparecer. Ele entendeu que não deveria entrar com novo recurso, por isso pediu a reapreciação da liminar. Okamotto alegou que a acareação não tem nenhuma utilidade para a investigação e que a nova convocação continua sem detalhar o objeto da acareação. Para o presidente do Sebrae, essa acareação seria abusiva já que não deseja apurar fatos, mas apenas ver repetidas publicamente as acusações feitas por Paulo de Tarso Venceslau.

Segundo Pertence, a decisão de Eros Grau não desconsiderou a possibilidade de um novo depoimento por falta de fundamentação ou por perda de objeto, mas simplesmente porque não caberia um depoimento se houve um pedido de acareação. “Assim, o relator não vedou a acareação, mas explicitamente a admitiu, desde que atendidas as garantias individuais pertinentes e o devido processo legal,” afirmou Pertence.

Por isso, Okamotto deve comparecer à acareação e deve responder “as perguntas sobre os ‘pontos de divergências’ entre as declarações antecedentes dos acareados acerca de ‘fatos ou circunstâncias relevantes’, considerado o objeto do inquérito parlamentar: fora daí, o silêncio ou a recusa de resposta do impetrante serão penalmente atípicos.”

Leia íntegra da decisão

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 25.908-6 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. EROS GRAU

IMPETRANTE(S): PAULO TARCISO OKAMOTTO

ADVOGADO(A/S): LUÍS JUSTINIANO DE ARANTES FERNANDES E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S): COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI DOS BINGOS

DECISÃO: Paulo Tarciso Okamotto impetrou este mandado de segurança contra ato da “CPI dos Bingos” que o convocara, a teor do ofício do seu nobre Presidente, (f. 111), para “prestar depoimento” em 28 de março corrente.

02. Ao cabo da bem elaborada petição, requereu, f. 17:

“Ante o exposto, nota-se a configuração de ilegalidades e inconstitucionalidades flagrantes, que impõe a atuação do Poder Judiciário, já que (1) a autoridade coatora convocou o impetrante ilegalmente a prestar novo depoimento, quando o requerimento aprovado foi de mera acareação; (2) faltam motivação e utilidade prática para a realização da acareação que, por isso, configura-se desvio de finalidade e mera constrição indevida aos direitos individuais do impetrante; e (3) a acareação está flagrantemente fora do objeto da CPI, ferindo o art. 58, § 3º, da Constituição Federal.

Assim, requer-se:

a) em sede liminar, a suspensão do ato que aprovou o Requerimento nº 038/06, cujo objeto é a acareação entre o impetrante e o cidadão Paulo de Tarso Venceslau;

b) no mérito, a confirmação da medida liminar, com a anulação do ato que aprovou o Requerimento nº 038/06, decisão esta tomada na Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos no último dia 15 de março;”

03. Relator, o em. Ministro Eros Grau decidiu – f. 115,117:

“Ante o exposto, defiro parcialmente a medida liminar, a fim de que o impetrante não seja compelido a prestar depoimento. Sua reconvocação para esse fim foi rejeitada pela CPI. Em caso de superveniente notificação para acareação, a Comissão Parlamentar de Inquérito deverá, na forma da lei, estabelecer os requisitos que permitam seja o impetrante colocado face a face com terceiro de modo que se possa atender, na sua plenitude, aos princípios do devido processo e do contraditório.”

04. Comunicado o deferimento, nesses termos, da liminar, o Sr. Presidente da CPI impetrada comunicou ao impetrante que a “Comissão deliberou, através do Requerimento nº 038/06, de autoria do Senador Antero Paes de Barros, aprovado no último dia 15 de março, convocá-lo para acareação com o Sr. Paulo de Tarso Venceslau, no próximo dia 4 de abril (terça-feira), às 10:30 horas”.

05. Donde, a presente petição, na qual o impetrante aduz que:

““…vem à presença de V. Exa. a fim de requerer a apreciação do requerimento de medida liminar à luz de todos os fundamentos da impetração.

É certo que quando por uma razão o magistrado convence-se da presença, por um dado fundamento, dos requisitos para o deferimento do provimento jurisdicional pretendido, está dispensado de promover a análise dos demais fundamentos. Incensurável, portanto, a decisão liminar no termos em que foi proferida por V. Exa. (a qual sequer desafiaria recurso por parte do impetrante por flagrante falta de interesse processual).

Com a superveniência de nova convocação, porém, os demais fundamentos da impetração passam a ter sua pertinência recolocada, justificando o presente pleito.

Entende o impetrante não ser cabível nova impetração na medida em que o ato coator do presente writ incluía pretensão calcada em vício do ofício que o convocara, mas não se resumia a isso. A impetração tem por objeto a própria aprovação do requerimento de sua acareação (Requerimento 038/06), daí por que a questão da reapreciação da medida liminar diante do fato superveniente há de ser decidida neste mesmo mandado de segurança.

Destacando uma vez mais os excertos doutrinários apontados na impetração, cumpre argumentar que CARVALHO SANTOS assinala que devem ser especificados “os fatos sobre os quais deve ela” – acareação – “recair, bem como as partes dos depoimentos a que ela se refere, isto por que a acareação não é nova inquirição”.

Com esse posicionamento assente MARCELO CINTRA ZARIF, para quem “o objetivo da acareação não é a produção de nova prova, não busca demonstrar outros fatos, mas simplesmente esclarecer divergência ocorrida no relato de um mesmo fato por pessoas diferentes”.

A nova convocação persiste no vício (que, ademais, é vício do requerimento 38/06) de não esclarecer os limites e o temário da acareação, persiste o desrespeito ao devido processo legal, na melhor das hipóteses.

A impetração sustenta também que a acareação não tem nenhuma utilidade para a investigação em curso, faltando motivação ao Requerimento n. 038/06. Com a nova convocação, que continua sem detalhar o objeto da acareação segue a autoridade coatora também sem apontar a utilidade da diligência. Essa inutilidade é a faceta mais clara do abuso e do excesso cometido pela autoridade coatora, que verdadeiramente não deseja apurar fatos, mas apenas de ver repetidas publicamente as acusações já reiteradamente formuladas por Paulo de Tarso Venceslau (e jamais comprovadas) e negadas expressamente pelo impetrante, até mesmo perante a citada CPI.

O novo ato convocatório segue não apontando, ainda, o que seria essencial para se promover uma acareação, ou seja, a relevância dessa acareação (art. 299 do CPP) ou o esclarecimento de como a mesma poderia influir nas conclusões finais da Comissão (art. 418, II, do CPC).

Por fim, no r. despacho liminar V. Exa. não proferiu decisão a respeito da alegação de que os fatos a respeito dos quais divergiram o impetrante e Paulo de Tarso Venceslau não se inserem no objeto da CPI, razão pela qual a diligência deve ser anulada.”

06. Na ausência da cidade do relator, Ministro Eros Grau, e de seu substituto imediato, Ministro Ricardo Lewandowski, (f. 139), foi-me encaminhada a petição (RISTF, art. 38, I), da qual, dada a urgência,

decido:

07. Certo é que, na impetração deste MS 25.908 – além de impugnar o vício formal do ato questionado, que o intimava para prestar depoimento à CPI e não, para ser acareado com terceiro -, o requerente questionou a legalidade da acareação mesma, cujo objeto, alegou, não estaria compreendido no fato determinado ao qual estaria adstrito o objeto do inquérito parlamentar considerado.

08. A decisão do Ministro Eros Grau, entretanto, não desconsiderou, no ponto, a fundamentação e o objeto do pedido: pelo contrário, explicitamente admitiu que (f. 117):

“Em caso de superveniente notificação para acareação, a Comissão Parlamentar de Inquérito deverá, na forma da lei, estabelecer os requisitos que permitam seja o impetrante colocado face a face com terceiro de modo que se possa atender, na sua plenitude, aos princípios do devido processo e do contraditório.”

09. Assim, o Relator não vedou a acareação, antes, explicitamente a admitiu, desde que atendidas as garantias individuais pertinentes e o devido processo legal.

10. Donde, se e quando realizada a audiência de acareação, a necessária observância do C.Pr.Penal, em particular, do seu art. 229:

“Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.”

11. Do preceito resulta, de um lado, que o ato há de limitar-se à inquirição dos acareados sobre as divergências, acaso detectadas entre seus depoimentos anteriores, sobre os “fatos relevantes”, é dizer, no caso, fatos pertinentes ao objeto do inquérito parlamentar.

12. Não cabe presumir, contudo, que a CPI desbordará desses limites, aos quais está rigidamente confinado o seu poder instrutório e o objetivo legal restrito do ato de acareação.

13. Quando inicialmente chamado a prestar depoimento à mesma CPI, o impetrante requereu ao Supremo Tribunal o MS 25.663, objetivando tolher os efeitos da convocação.

14. Relator, o em. Ministro Cezar Peluso – depois de indeferir a liminar (DJ 22.11.05), foi além e, de logo, negou seguimento à impetração; para tanto, aduziu S.Exa., DJ 22.11.05:

“1. Junte-se a petição de reconsideração e aditamento, que recebo como tal.

2. Invoca agora o impetrante, para afetar risco largo e fundado de violação de direito subjetivo líquido e certo, que não estaria obrigado a responder, no depoimento, a perguntas que, a seu juízo, desbordem dos limites do domínio dos fatos objeto das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito, pois outra coisa lhe importaria grave constrangimento pessoal.

A questão de constrangimento pessoal, porque contida na esfera da liberdade de ir e vir, não pode examinada neste sítio, pela razão óbvia de que a via própria é o remédio do habeas corpus, que, aliás, o ora impetrante ajuizou na mesma data de ontem, feriado nacional (cf. HC nº 87.203). Dela não é de se conhecer aqui.

E, no que concerne ao outro âmbito de tutela, não encontro nem descubro nenhum direito subjetivo pessoal do impetrante a furtar-se a responder a perguntas dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, sob pretexto de elevada probabilidade de que incursionem pela área de fatos diversos dos que lhe ditaram a criação.

É verdade que, em princípio, não pode nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito, porque o não permite a Constituição da República (art. 58, § 3º), apurar fatos diversos dos que, certos, lhe justificaram a formação. Mas à transposição caracterizada desse limite constitucional não corresponde ofensa a direito subjetivo de pessoa convocada para depor, senão apenas hipotética invalidez dos resultados da investigação e atipicidade penal de eventual silêncio invocado pelo depoente.

E não corresponde por duas boas e autônomas razões.

A primeira, porque, como já assentou o Plenário desta Corte, não está Comissão Parlamentar de Inquérito impedida de estender seus trabalhos a fatos outros que, no curso das investigações, despontem como irregulares, ilícitos, ou passíveis de interesse ou estima do Parlamento, desde que conexos com a causa determinante da criação da CPI, nem de aditar ao seu objetivo original outros fatos inicialmente imprevistos (HC nº 71.231, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 31.10.1996, e HC nº 71.039, Rel. Min. PAULO BROSSARD, apud JESSÉ CLAUDIO FRANCO DE ALENCAR, “Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil”, RJ, Ed. Renovar, 2005, p. 49 e 50. Cf., ainda, MS nº 23.652 e nº 23.639, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 16.02.2001).

Donde, não está a priori impedida de formular perguntas destinadas a esclarecer fatos conexos com o principal ou outros suscetíveis de serem aditados ao seu programa temático, desde que relevantes para a vida política, econômica ou social do país. Não há aí direito subjetivo capaz de se lhe opor, nesses termos, como limitação a indagações.

E a segunda, é porque, ainda quando, ad argumentandum tantum, fora superado esse obstáculo intransponível, seria, na prática, inviável predefinir limites para perguntas em torno de fato ou fatos certos, porque, como é óbvio, uma pergunta pode, à primeira vista, não ter com o fato relação que só se revelará na seqüência e no desdobramento das respostas e da inquirição. É simplesmente impossível preestabelecer o roteiro e o campo de pertinência das perguntas, sob pena de aniquilar o poder de investigação. É absurdo que escusa argumentos adicionais. Tampouco há, neste passo, direito oponível de antemão à CPI.

3. Daí, revendo a primeira decisão, proferida já ao depois do horário de expediente, quando, por hábito que bem poderia ser abolido pelas partes, se distribuiu a ação em véspera do feriado nacional de ontem, sobre depoimento há muito designado para esta manhã, vejo agora que falta, assim ao pedido, como ao seu aditamento, toda possibilidade ou viabilidade jurídica, cuja deficiência é causa ostensiva de carência da ação de segurança.”

15. Os fundamentos dessa decisão, no MS 25.636, do Ministro Cezar Peluso – que, liminarmente, denegaram ao requerente o pretenso direito de furtar-se à inquirição pela CPI -, estendem-se, mutatis mutandis, por força de compreensão, à pretensão agora veiculada por ele mesmo de subtrair-se à acareação com terceiro acerca do depoimento antes prestado.

16. É curial que, no regime constitucional de separação, independência e harmonia dos poderes, não cabe ao Judiciário atribuir-se a função de corregedor preventivo, em abstrato, dos excessos do Executivo ou do Legislativo, nas áreas que lhes estão reservadas.

17. Incumbe, é verdade, à Justiça – especificamente ao Supremo Tribunal, guarda da Constituição – coarctar a lesão, consumada ou iminente, de direitos subjetivos do cidadão: para isso, contudo, não há de o Tribunal presumir – sem evidência concreta da ameaça – que uma CPI se arrogue ao poder de constrangê-lo a inquirições ou acareações acerca de fatos ou suspeitas de todo excedentes ao objeto inicial de sua investigação ou a ele razoavelmente conexos.

18. Cogitando-se, no caso, de acareação, soma-se a tais restrições ao depoimento já prestado – cuja renovação, aliás, foi indeferida pela CPI mesma – a de que – nos termos do art. 229 do C.Pr.Penal – as reperguntas hão de versar “pontos de divergências” entre as declarações antecedentes dos acareados acerca de “fatos ou circunstâncias relevantes”, considerado o objeto do inquérito parlamentar: fora daí, o silêncio ou a recusa de resposta do impetrante serão penalmente atípicos.

19. Claro, eventual transposição dessas fronteiras de legitimidade da ação da CPI, se ocorrentes, poderão ser reprimidas mediante remédios processuais adequados: o que não cabe é, de antemão, supor que ocorrerão.

20. Nesses termos, conheço da petição como embargos de declaração à decisão liminar do Relator do processo, mas as recebo apenas para aditar-lhe os esclarecimentos agora prestados.

21. Comunique-se, com urgência ao Senador Presidente da CPI impetrada.

Brasília, 31 de março de 2006.

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator

(art. 38, I, do RISTF)

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