Patrão tem de exigir recibo para comprovar pagamento
30 de março de 2006, 12h28
Todo o pagamento que é feito ao empregado, inclusive doméstico, tem de ser comprovado por meio de recibo. A previsão está no artigo 464 da CLT e foi aplicada no julgamento de um recurso de uma senhora condenada a pagar verbas rescisórias para uma ex-empregada. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Cabe recurso.
A patroa alegou que não fazia o recibo por entender que mantinha uma relação de confiança com a empregada doméstica. Para o relator do caso, juiz Rovirso Aparecido Boldo, “é muito cômodo ao empregador alegar a existência de ‘relação de confiança’ para se eximir da obrigação imposta por lei”.
A doméstica entrou com processo na 79ª Vara do Trabalho de São Paulo. Alegou que não recebeu as verbas da demissão sem justa causa. Para comprovar a quitação das obrigações trabalhistas, a patroa apresentou uma testemunha em audiência. A primeira instância não aceitou o depoimento e acolheu o pedido da trabalhadora.
No recurso ao TRT paulista, a patroa sustentou “cerceamento de defesa”. O relator esclareceu que, qualquer pagamento que se faça ao empregado, inclusive ao doméstico, deve obedecer à lei: “contra recibo, assinado pelo empregado. Em se tratando de analfabeto, mediante sua impressão digital, ou, não sendo esta possível, a seu rogo”.
Por maioria de votos, os juízes da Turma acompanharam o relator, condenando a empregadora a pagar todas as verbas rescisórias à empregada doméstica.
RO 02656.2002.079.02.00-4
Leia a íntegra da decisão
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE: FLORA MARIA BORELLI GONÇALVES
RECORRIDO: REGINA LÚCIA GONÇALVES
ORIGEM: 79ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO
EMENTA
Pagamento de salário de doméstico. Comprovação mediante recibo. Qualquer pagamento que se faça ao empregado, inclusive o doméstico, deve obedecer ao disposto na CLT, art. 464, “caput”. O trabalho doméstico, com muito mais razão, exige a dação do comprovante de pagamento; via de regra, a contratualidade se resume apenas a um empregado, o que dificulta até mesmo a comprovação da relação de emprego, quiçá o pagamento das verbas contratuais e legais. Ainda que haja mais de um empregado doméstico, a exigência do recibo se faz premente com vistas a resguardar o direito do trabalhador em uma eventual ação judicial. É muito cômodo ao empregador alegar a existência de “relação de confiança” para se eximir da obrigação legal imposta por lei. . Não é por certo o objetivo da lei estratificar a sociedade, impondo a determinados laboriosos a pecha de trabalhadores de segunda classe. A vilania não pode contar com a benesse do Estado; é premissa constitucional a preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III).
Contra a r. sentença de fls. 34/37, recorre a reclamada, fls. 56/60; aduz cerceamento de defesa em razão do indeferimento da oitiva de suas testemunhas. Propugna a reforma da decisão no que tange ao pagamento do aviso prévio indenizado, trezenos do período imprescrito e proporcionais, férias acrescidas de 1/3, de todo o período imprescrito e proporcionais, bem como requerer a reabertura da instrução processual para a oitiva de suas testemunhas.
Contra-razões apresentadas às fls. 69/75
Manifestação do Ministério Público do Trabalho à fl. 80.
É o relatório.
V O T O
Conheço do recurso por preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Do cerceamento de defesa
Sustenta a recorrente que, na condição de empregadora doméstica, pagou correta e oportunamente as férias vencidas + 1/3, os 13º salários, assim como as verbas rescisórias. Todavia, em razão da relação de confiança havida com a reclamante, deixou de registrar documentalmente tais pagamentos; pretendia comprovar a quitação das verbas através de prova em audiência, pretensão indeferida pelo MMº Juízo de primeiro grau. Propugna a decretação do cerceamento de defesa.
Qualquer pagamento que se faça ao empregado, inclusive o doméstico, deve obedecer ao disposto na CLT, art. 464, “caput” *1. O trabalho doméstico, com muito mais razão, exige a dação do comprovante de pagamento; via de regra, a contratualidade se resume apenas a um empregado, o que dificulta até mesmo a comprovação da relação de emprego, quiçá o pagamento das verbas contratuais e legais. Ainda que haja mais de um empregado doméstico, a exigência do recibo se faz premente com vistas a resguardar o direito do trabalhador em uma eventual ação judicial. É muito cômodo ao empregador alegar a existência de “relação de confiança” para se eximir da obrigação legal imposta por lei.
Da mesma forma, não subsiste a tese da inaplicabilidade da CLT, art. 477. As verbas resilitórias do doméstico devem ser pagas em observância ao preceito da Consolidação, pois do contrário, abrir-se-ía a possibilidade de o empregador saldar a dívida em período ditado ao seu exclusivo alvedrio. Não é por certo o objetivo da lei estratificar a sociedade, impondo a determinados laboriosos a pecha de trabalhadores de segunda classe. A vilania não pode contar com a benesse do Estado; é premissa constitucional a preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III).
Não há prova do pagamento das verbas contratuais e legais. Ratifica-se a decisão de primeiro grau.
Do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
ROVIRSO A. BOLDO
Juiz Relator
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