Polêmica do imposto

ISS é devido onde o serviço é prestado, decide juiz

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26 de março de 2006, 7h00

Imagine um veículo registrado no estado de Piauí. Ele pode circular livremente no estado do Rio de Janeiro, mas está sujeito à fiscalização e punição pela Polícia fluminense. O mesmo vale para o ISS — Imposto sobre Serviços.

A analogia foi feita pelo juiz Valter Alexandre Mena, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. No último dia 3 de março, ele negou Mandado de Segurança para 11 empresas que têm sua sede fora da capital paulista e pretendiam recolher o ISS no município da sede.

A decisão de Mena entra na disputa entre prefeitura de São Paulo, municípios paulistas e empresários sobre onde deve ser pago o ISS. A polêmica começou com a publicação da Lei paulistana 14.042, que vale desde janeiro deste ano.

A norma estabelece que empresas com sede em outro município que prestam serviços na capital têm de se inscrever num cadastro da prefeitura paulistana, comprovando o local da sede. Caso contrário, o tributo será retido na fonte, na capital.

A interpretação da lei dividiu a Justiça paulista. Para alguns, a lei é inconstitucional. Para outros, ela á válida sim. O juiz Valter Alexandre Mena faz parte desta última corrente. Ele entende que o imposto tem de ser recolhido onde o serviço foi prestado, já que é no local da prestação que se utiliza os bens e utilidades públicas mantidos pelo município.

Ele rejeita o princípio da territorialidade alegado pelos defensores da lei paulistana. “Se é competente para cobrar o ISS o município onde os serviços foram prestados, também é competente para fiscalizar a empresa que prestou o serviço em seu território.”

Leia a íntegra da decisão

Processo nº 1.683/05 (053.05.034490-3)

Mandado de Segurança

Impte: MEZZANET CONSULTORIA E INFORMÁTICA LTDA. e outros.[1]

Adv.: Luiz Fernando Mussolini Júnior.

Impdo: Diretor do Departamento de Rendas Mobiliárias do Município de São Paulo.

ISS – Município ao qual é devido o tributo: (a) o do local da sede cartorial ou virtual do estabelecimento prestador (princípio da territorialidade); ou, (b) o do local da prestação do serviço e também sede efetiva do prestador (princípio da veracidade).


Vistos.

As impetrantes prestam serviços para clientes de diversos municípios e recolhem o ISS no município onde têm sua sede e domicílio fiscal. Sustentam que é inconstitucional, ilegal e arbitrária a exigência prevista na lei municipal nº 14.042, de 30/08/2005, no decreto nº 46.598, de 04/11/2005, e na Portaria SF nº 101/2005, no sentido de que, quando o tomador do serviço for estabelecido nesta Capital, a prestadora, ainda que sediada em outro município, deve inscrever-se no cadastro desta cidade, fornecendo diversos documentos, sob pena de retenção do tributo pelo tomador. É que o ISS, em regra, é devido no local onde tem sede o estabelecimento prestador (Lei Complementar nº 116, de 31/7/2003, artigo 3º) e um município não pode fiscalizar fatos ocorridos em outro, nem criar o sistema de substituição tributária não previsto em lei complementar. Há risco de prejuízo pelo pagamento em duplicidade do tributo. Quer a suspensão da exigência do cadastramento e da retenção pelo tomador.

O pedido de liminar foi adiado para depois das informações.

O impetrado sustenta a legalidade do ato e suscita preliminar de carência, pelo descabimento de mandado de segurança contra lei em tese e falta de interesse de agir pela ausência de direito líquido e certo. Em seguida, junta documentos.

O Ministério Público opinou pela concessão da ordem.

É o relatório.

Decido.

As preliminares se confundem com o mérito.

Denego a segurança.

A repartição de competência tributária é feita pela Constituição Federal, segundo os critérios material e territorial, de sorte que, para Estados, Distrito Federal e Municípios, sua competência se exaure dentro dos respectivos territórios: "A Constituição, nessa questão, traçou limites definidos e definitivos: a descrição, em lei, das hipóteses de incidência dos tributos que foram conferidos à competência desses entes federados só encontra fundamento de validade nos precisos e estritos limites dos territórios dessas mesmas entidades. Fatos ocorridos além desses perímetros não podem ser, a nenhum pretexto, por ela alcançados" (AIRES F. BARRETO, ISS na Constituição e na Lei, Dialética, 2003, pág. 258, grifei).

O que se questiona, aqui, não são fatos ocorridos além do município de São Paulo, mas, pelo contrário, fatos ocorridos dentro do perímetro paulistano. Por isso, aqui tributáveis.


Dispunha o Decreto-Lei nº 406, de 31/12/68:

"Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação."

Dispõe a Lei Complementar nº 116, de 31/07/2003:

Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:

(…)

Art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

O já citado tributarista Aires F. Barreto, um dos maiores especialistas contemporâneos nessa matéria, escrevendo antes da LC 116, já afirmava:

"Deveras, uma vez que o estabelecimento escolhido pela empresa (dentre tantos que eventualmente possua) realize, desenvolva e ultime os atos materiais, providências e medidas necessárias à prestação dos serviços, ter-se-á caracterizado, nesse local, o ´estabelecimento prestador` dos serviços contratados." (…) "É despiciendo que esse estabelecimento é a matriz, ou uma filial, sucursal, ou agência. O que é relevante é que nele sejam materialmente realizadas, ultimadas, concluídas as atuações que consubstanciam o serviço." (ob. cit., pág. 264).

E com abono do C. Supremo Tribunal Federal no RE nº 92.883-9, 1ª T., rel. Min. Rafael Mayer, esse renomado tributarista considera irrelevante o local onde são celebrados os contratos, ou onde são emitidos, escriturados ou contabilizados os documentos fiscais (pág. 266/267).

Assim também a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça (sem grifos no original):

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.


Nega-se provimento ao agravo regimental em face das razões que sustentam a decisão agravada, sendo certo que a Primeira Seção desta Corte já pacificou o entendimento de que, para fins de incidência do ISS, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea "a", do Decreto-Lei nº 406/68. (AGA 336041/MG; Agr Reg. no AI 2000/0103043-4, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO – Primeira Turma , j. 03/04/2001)

TRIBUTÁRIO. ISS. Município Competente para Exigir o Tributo. CTN, art. 127, II. Decreto-Lei 406/68 (art. 12, a).

1. É juridicamente possível as pessoas jurídicas ou firmas individuais possuírem mais de um domicílio tributário.

2. Para o ISS, quanto ao fato gerador, considera-se o local onde se efetivar a prestação do serviço. O estabelecimento prestador pode ser a matriz, como a filial, para os efeitos tributários, competindo o do local da atividade constitutiva do fato gerador.

3. Precedentes jurisprudenciais. 4. Recurso provido.

(RESP 302330/MG; 2001/0010393-6, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA – Primeira Turma, j. 05/04/2001)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FATO GERADOR. PRECEDENTES.

– Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, ou seja, onde foi prestado o serviço, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário. – Agravo regimental improvido.

(AGRESP 299.838/MG; Agr Regimental no RESP 2001/0004229-5, Relator Min. FRANCISCO FALCÃO – Primeira Turma, j. 05/06/2001)

TRIBUTÁRIO – ISS – SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA – MUNICÍPIO COMPETENTE PARA EXIGIR – LOCAL DA REALIZAÇÃO DO FATO GERADOR – INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI 406/68 – PRECEDENTES.

– Consoante iterativa jurisprudência desta eg. Corte, o Município competente para a cobrança do ISS é aquele em cujo território se realizou o fato gerador, em atendimento ao princípio constitucional implícito que atribui àquele Município, o poder de tributar os serviços ocorridos em seu território.

– Executados os serviços de composição gráfica em estabelecimentos localizados em outros municípios, não tem a Municipalidade de Curitiba competência para exigir ISS referente a esses fatos geradores. – Recurso especial não conhecido.

(RESP 252.114/PR; 2000/0026431-8, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS – Segunda Turma – J. 17/10/2002)

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. COMPETÊNCIA DA COBRANÇA. FATO GERADOR. PRECEDENTES.

1. O Município competente para cobrar o ISS é o da ocorrência do fato gerador do tributo, ou seja, o local onde os serviços foram prestados. Acórdão discordante com a orientação jurisprudencial do STJ. 2. Recurso especial conhecido e provido.

(RESP 399249/RS; 2001/0187833-7, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS – Segunda Turma, j. 17/10/2002)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FATO GERADOR. PRECEDENTES. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

I – Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, ou seja, onde foi prestado o serviço, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário.

II – Realizada a prestação jurisdicional invocada, não há que se falar em omissão do julgado, por mera discordância do agravado com o que foi nele decidido. III – Agravo regimental improvido. (AGEDAG 468839/DF; AgrReg nos Emb. de Decl. no Ag 2002/0106138-4, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO- Primeira Turma J. 11/03/2003)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ISS. FATO GERADOR. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RECURSO ESPECIAL TEMPESTIVO. SÚMULA Nº 07/STJ. INAPLICABILIDADE.

I – A Primeira Seção desta Corte já pacificou o entendimento de que, para fins de incidência do ISS, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea "a", do Decreto-Lei nº 406/68.


II – Sendo o acórdão recorrido publicado no dia 30 de junho, tem-se como tempestivo o recurso especial interposto no dia 15 de agosto, a teor do artigo 184, § 2º, do CPC. III – Inocorre o óbice contido na súmula nº 7 desta corte, quando para dirimir o recurso especial se dispensa a análise dos fatos contidos nos autos. IV – Precedentes. V – Agravo regimental improvido. (AGRESP 334188/RJ; Agr Reg no RESP 2001/0088748-0 – Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, j. 15/04/2003)

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO DO LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ENTENDIMENTO PACIFICADO NESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

A egrégia Primeira Seção desta colenda Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento de que o Município competente para realizar a cobrança do ISS é o do local da prestação dos serviços, onde se deu a ocorrência do fato gerador do imposto. "De acordo com a Constituição, este imposto só pode alcançar os serviços de qualquer natureza (exceto os referidos no art. 155, II, da CF) prestados no território do Município tributante. Por quê? Porque nosso Estatuto Magno adotou um critério territorial de repartição das competências impositivas que exige que a única lei tributária aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu’ (Roque Antonio Carrazza, in “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 18ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, p. 844). Recurso especial provido.

(RESP 525067/ES; 2003/0034074-5 – Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, j. 19/08/2003)

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. 1. Para fins de incidência do ISS, importa o local onde foi concretizado o fato gerador. 2. Agravo improvido.

(AGA 464961/DF; Agr Reg no AI 2002/0095848-7 Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, j. 02/12/2003)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ISS. COBRANÇA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.

1. "O Município competente para cobrar o ISS é o da ocorrência do fato gerador do tributo, ou seja, o local onde os serviços foram prestados". (RESP 399249/RS)

2. Adentrar à questão do local no qual foi prestado o serviço, ensejaria reexame de matéria fático-probatória, impondo a aplicação da Súmula nº 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".

3. Precedentes. 4. Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. 5. Agravo regimental desprovido.

(AGA 516.637/MG; Agr Reg. no AI 2003/0066796-1, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, j. 05/02/2004, DJ 01.03.2004 p. 134)

A conclusão, portanto, é no sentido de que, sendo competente para cobrar o ISS o município onde ocorre o fato gerador do tributo, ou seja, o local onde os serviços foram prestados, também competente será esse município para fiscalizar a empresa que prestou o serviço em seu território.

Aliás, não há novidade alguma nessa conclusão. Tanto a antiga Lei de Falências, Decreto-Lei nº 7.661/45, artigo 7º, como a nova Lei de Recuperação e de Falência do Empresário, Lei nº 11.101, de 09/02/2005, artigo 3º, referem-se ao juízo do local do "principal estabelecimento" do devedor como competente para o processo.[2]

A doutrina mais antiga (Waldemar Ferreira) sustentava que principal estabelecimento correspondia ao constante da Junta Comercial, o que significa que o próprio devedor escolheria o Juízo de sua preferência. A doutrina intermediária (Miranda Valverde, Pontes de Miranda, Rubens Requião, Carvalho de Mendonça) identificava-o com o "estabelecimento matriz", tal onde situada a administração geral, o centro diretivo. Oscar Barreto Filho, Silvio Marcondes, Nelson Abrão perfilham a tese dominante: principal estabelecimento não é conceito jurídico definido, mas conceito econômico: é o lugar onde está o maior volume de bens da empresa (Cláudio Ferraz Alvarenga, Anotações de Aulas de Direito Comercial, 1986, inédito).


Manoel Justino Bezerra Filho, observando que a competência territorial é absoluta, alerta para inúmeras tentativas de chicanas jurídicas e medidas protelatórias do empresário que prepara futura falência fraudulenta: "abre diversos estabelecimentos e em todos eles exerce atividades determinantes e de peso, de tal forma que, não importa em qual juízo seja requerida sua falência, sempre argumentará que seu principal estabelecimento não é aquele e sim, outro"; ou fixa sede contratual em local de difícil acesso a seus credores (Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada, RT, 2005, pág. 54).

Não se está a afirmar (como também não se está a negar), com a comparação, a intenção fraudulenta do contribuinte, mas apenas reafirmar que totalmente equivocado o apego à tese da sede escritural como caracterizadora do local do estabelecimento.

Mal comparando: o veículo registrado no Estado do Piauí pode circular livremente no Rio de Janeiro, mas não estará imune de ser fiscalizado e até punido pela polícia estadual carioca ao trafegar (praticar fato) nesse território.

II – A causa determinante da controvérsia é a existência da chamada "guerra fiscal" entre municípios, ou melhor, entre aqueles que não têm renda da espécie porque não dispõem de prestadores de serviços em seus territórios e por isso fixam alíquotas baixas, e aqueles onde existem prestadores de serviços, mas exigem alíquotas mais elevadas.

Para reduzir custos, as prestadoras abrem sedes ou escritórios fantasmas ou "virtuais"[3] nos municípios mais benevolentes, mero endereço geográfico ou cartorial desprovido de profissionais, equipamentos, máquinas, instrumentos necessários à execução dos serviços.

Com efeito, os documentos de fls. 202/235 revelam que, pesquisados alguns dos locais indicados como sedes das impetrantes, nenhum deles efetivamente ostenta tal característica, ou seja, não são utilizados para prestação de nenhum serviço. São mera fachada.

Diz-se que perdeu eficácia o disposto no artigo 88 do ADCT, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 37, de 12/06/2002[4], em face da superveniência da L.C. nº 116/2003. Parece, entretanto, que assim não é: a LC não disciplinou a matéria; logo, nessa parte, continua prevalecendo o disposto na EC 37.

De qualquer forma, não é isso que se discute, a partir da conclusão alcançada no item anterior: a capacidade tributária é do município onde prestado o serviço, porque em seu território é que, de fato, são consumidos os bens e utilidades públicas mantidos pelo município do tomador do serviço.


A verdadeira motivação desse subterfúgio empresarial está confessada na notícia estampada pela Revista Consultor Jurídico de 03/09/2005, que reproduz afirmação atribuída ao advogado Raul Haidar:

“A alíquota de 5% do ISS, que foi imposta em 1967, era suportável naquele tempo em que não existiam a Cofins de 3%, o PIS de 0,65%, a CSSL de 1%, a CPMF e tantos outros tributos que a mediocridade dos nossos burocratas, a insensatez de nossos políticos e a voracidade dos que vivem à custa do Erário criaram desde então”.

Ora, se é correto o reclamo, que justifica a enorme distância entre a lucratividade do setor industrial/comercial que cria riqueza e a do setor financeiro que dela se aproveita, é, porém, incorreto pretender a redução da receita municipal em decorrência do aumento da receita federal. Questiona-se a alíquota de 1,2% do IPTU, mas cala-se diante da alíquota de 4% do IPVA, de 18% do ICMS e de 27% do Imposto de Renda. Parece que ninguém se dá conta de que é no município que as pessoas moram, trabalham, estudam, cuidam da saúde, e se utilizam dos transportes públicos ou das vias públicas para seu transporte individual.

Pertinente a lição de Ives Gandra Martins: "A imposição tributária, como decorrência das necessidades do Estado em gerar recursos para sua manutenção e a dos governos que o administram, é um fenômeno que surge no campo da Economia, sendo reavaliado na área de Finanças Públicas e normatizado pela Ciência do Direito. Impossível se faz o estudo da imposição tributária, em sua plenitude, se aquele que tiver que estudá-la não dominar os princípios fundamentais que regem a Economia (fato), as Finanças Públicas (valor) e o Direito (norma), posto que pretende conhecer bem uma das ciências, desconhecendo as demais, é correr o risco de um exame distorcido, insuficiente e de resultado, o mais das vezes, incorreto." (Sistema Tributário na Constituição de 1988, Saraiva, 3ª ed., 1991, pág. 2).

Observe-se o paradoxo: empresa de informática sediada nesta Capital quer recolher o ISS em Belo Horizonte, onde sediada a tomadora e onde o serviço é prestado, afirmando: “o critério espacial para a incidência do tributo não poderá ser outro senão o local da prestação de serviço, uma vez que este é o território onde efetivamente ocorre o fato imponível que dá margem a obrigação tributária” (Revista Consultor Jurídico, 11 de fevereiro de 2006, noticiando processo da 12ª Vara da Fazenda, em que deferida a liminar).

Este Juízo, em 15 de fevereiro de 2006, julgou procedente ação proposta por empresa estabelecida nesta Capital, para declarar inexigível o ISS sobre serviços por ela efetivamente prestados a tomadores situados fora da Capital (processo nº 715/05).

III – Substituição tributária.

Diz-se também que a lei municipal não pode criar a figura da substituição tributária. Na verdade, o artigo 6º da L.C. 116 expressamente prevê a possibilidade de vincular o tomador do serviço ao recolhimento ou retenção do tributo:

Art. 6º Os Municípios e o DF, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.


§ 1º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.

§ 2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1o deste artigo, são responsáveis: I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País;

II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.

IV – Exigências extravagantes do decreto e da Portaria.

O disposto no artigo 3º do decreto nº 46.598/2005 ("Art. 3º A Secretaria Municipal de Finanças poderá firmar convênio com as Delegacias de Polícia da Divisão de Investigações Sobre Crimes Contra a Fazenda – DECAP, a fim de comprovar a veracidade das informações prestadas") é mera figura de retórica, sem maiores conseqüências práticas para o contribuinte.

Norma de caráter administrativo interno, somente apreciável pelo Judiciário na hipótese de lesão ou efetiva ameaça de lesão a direito. Os documentos exigidos pela Portaria não são de custo elevado nem de difícil obtenção; eventual impossibilidade de fornecê-los será devidamente justificada. Não aceita, injustamente, a justificativa, aí, sim, poderá intervir o Judiciário.

Isto posto, denego a segurança. Custas pela impetrante. Sem honorários advocatícios (Súmula 105 – STJ).

P.R.I.

São Paulo, 03 de março de 2006.

VALTER ALEXANDRE MENA

JUIZ DE DIREITO


[1] Outros impetrantes: CARLOS FABRÍCIO SILVEIRA FERNANDES & CIA. LTDA.; GUSTAVO FALCÃO ZAMBERLAN & CIA. LTDA.; MEC INFOSOLUTIONS INFORMÁTICA LTDA.; DBM CONSULTORIA EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO LTDA.; PETRONE & FUSCO ENGENHARIA E CONSULTORIA LTDA.; MEROTTO 7 BUENO INFORMÁTICA LTDA.; RIBEIRO TONON LTDA.; MARCELE APARECIDA RAMOS DA SILVA LTDA.; INKEY TECNOLOGIA E CONSULTORIA EM SISTEMAS LTDA. e EUCLIDES DO BRASIL INFORMÁTICA LTDA.

[2] D.L. nº 7661/45, Art. 7º É competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil.


Lei nº 11.101/05, Art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

[3] Notícia da Revista Consultor Jurídico de 06/janeiro/2006 informa que ação ajuizada perante a 5ª Vara da Fazenda Pública beneficia empresas filiadas à "Associação Parnaibana de Centros de Negócios e Escritórios Virtuais". Eufemismo para "fantasmas" ou "fictícios"?

[4] CF, Art. 156….

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste art., cabe à lei complementar:

I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; …….

III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. ………. (NR) (red. da EC 37)

ADCT, Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo:

I – terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968;

II – não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. (artigo acrescido pela EC 37)

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