Preço da informalidade

Trabalho informal é ilícito e gera danos morais, decide TRT-SP

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24 de março de 2006, 12h26

A São Paulo Transportes foi condenada a pagar indenização de R$ 50 mil para a família de um Policial Militar, morto a serviço da empresa. A decisão é da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Cabe recurso.

Segundo o processo, quando desempenhava as funções de “motorista de apoio de fiscalização”, sem contrato de trabalho, o policial foi agredido por perueiros que protestavam contra a apreensão de seus veículos. No mesmo dia, ele enfartou e morreu.

A família do PM entrou com ação na 62ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício, além de indenização em virtude da “imensa dor íntima causada pela irreparável e irreversível perda à sua esposa e filhas”.

A primeira instância acolheu os argumentos e condenou a SP Trans a pagar saldo de salário, férias proporcionais, 13º salário proporcional, FGTS acrescido de multa de 40% e reparação pelos danos morais. A empresa recorreu ao TRT-SP. Sustentou que não houve vínculo de emprego e, por isso, não teria de pagar as verbas rescisórias, nem a indenização.

A juíza Catia Lungov, relatora da matéria, considerou que documentos e testemunhas comprovaram que “houve verdadeira terceirização informal, através da qual um grupo de servidores militares, liderados por colegas graduados, atuava como empresa de prestação de serviços à reclamada”.

No entendimento da juíza, o policial “não se encontrava amparado por contrato formal de trabalho, quer como empregado, quer como prestador de serviços, vindo sua família a sofrer as agruras decorrentes do falecimento inopinado e da condição precária em que o falecido se inseria no mercado de trabalho”.

“Assim, embora não se possa reconhecer o falecido como empregado, sem dúvida é trabalhador, cuja morte ocasionou dano aos familiares, que merece reparo a ser suportado pela ré, que praticou ato ilícito ao permitir trabalho informal”, concluiu.

A decisão da 7ª Turma foi unânime. Os juízes negaram o vínculo empregatício, mas condenaram a São Paulo Transportes a pagar indenização de R$ 50,4 mil à família do policial.

RO 01263.2001.062.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT SP 01263.2001.062.02.00-0

RECURSO ORDINÁRIO

ORIGEM: 62ª VT/SÃO PAULO

RECORRENTE: SÃO PAULO TRANSPORTE S/A

RECORRIDO: ESPÓLIO DE JORGE DE OLIVEIRA BORGES

DANOS MORAIS – Indenização – Trabalhador falecido em decorrência de prestação de serviços em caráter informal merece ser indenizado, sobretudo porque mantido alheio ao sistema previdenciário – Competência da Justiça do Trabalho, independentemente da caracterização do vínculo de emprego – EC 45/04 e Súmula do C. TST nº 392.

Recurso ordinário interposto pela reclamada às fls. 123/134 em face da r. sentença de fls. 110/114, integralizada pela decisão em sede de embargos de declaração à fl. 121, sustentando, preliminarmente, nulidade por negativa de prestação jurisdicional e carência de ação por ilegitimidade de parte. No mérito, que entre as partes não houve vínculo de emprego, restando indevidas as verbas pleiteadas na inicial, inclusive dano moral.

Custas e depósito recursal satisfeitos (fls. 135/136).

Contra-razões às fls. 140/150.

Manifestou-se o D. Representante do Ministério Público do Trabalho à fl. 151, pelo prosseguimento.

É o relatório.

VOTO

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço.

NULIDADE – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Assim dispõe o art. 832 da CLT:

“Art. 832. Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.”

O juiz, como se vê, não está compelido a apreciar um a um todos os elementos trazidos pelas partes, sejam fáticos ou jurídicos, senão indicar de modo preciso e claro aqueles que formaram seu convencimento, adotando conclusão razoável e coerente com tais fundamentos, o que ocorreu no presente caso.

Ressalte-se, por oportuno, que o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso evita qualquer prejuízo ao recorrente, razão pela qual também por esse aspecto não se há que dar guarida à preliminar.

No mais, a matéria apresentada a título de preliminar diz respeito ao mérito e como tal será apreciada.

CARÊNCIA DA AÇÃO

Rejeito a preliminar, eis que presentes as condições da ação, pois são legítimas as partes, há interesse processual e fundamento legal para o pedido. A existência, ou não, de vínculo de emprego, constitui mérito e assim deve ser apreciada.

VÍNCULO DE EMPREGO

Relata a inicial que o reclamante foi contratado pela reclamada em 01/03/1999 para desempenhar as funções de motorista de apoio de fiscalização, sem a devida anotação em CTPS.

Ao mesmo tempo, afirma que “estava diretamente subordinado ao Major Luiz Flaviano Furtado. Por outro lado, quem efetuava os pagamentos ao autor, pelos serviços que este prestava á SPTrans, era o Tenente Celso Lucas, subordinado ao Major Luiz Flaviano Furtado” (fl. 04).

A ré, em defesa, nega peremptoriamente qualquer prestação laboral por parte do autor. Nessa conjuntura, sendo do reclamante o ônus de provar o fato constitutivo do direito pleiteado, a teor dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC, dele não se desincumbiu integralmente, de modo a assegurar o reconhecimento do vínculo de emprego e consectários próprios à espécie, malgrado conclusão em contrário do juízo de origem.

De fato, declararam suas testemunhas (fls. 72/73):

“trabalha na reclamada desde 1979… conheceu o reclamante apenas de vista; que viu o reclamante varias vezes trabalhando na operação de fiscalização não pela reclamada; que a reclamada tem varias empresas terceirizadas, podendo citas Egipt, Tejofran, e utras, acreditando que o reclamante trabalhava para a Transurb…; que nunca presenciou o reclamante na reclamada e sim nas operação de campo sem usar crachá ou uniforme da reclamada.” – (sic) primeira testemunha.

“nunca trabalhou para a reclamada; que conheceu o reclamante dentro do ônibus quando se dirigia para o serviço; que as vezes o reclamante deva carona, quase que diariamente, ao depoente razão pela qual sabe que aquele trabalhava na reclamada; …que presta serviços externos e chegou a ver o reclamante passando com a perua da reclamada; que o reclamante não usava uniforme da reclamada nem crachá.” – segunda testemunha.

“que nunca trabalhou para a reclamada , que sabe que o reclamante trabalhou porque saiam de manhã no mesmo horário e pegavam o mesmo itinerário até o ponto de ônibus; que geralmente o reclamante ia de carro próprio; …que nunca viu o reclamante trabalhando para a reclamada; que não se recorda do reclamante usar uniforme ou crachá da reclamada…”. terceira testemunha ouvida como informante.

A documentação juntada aos autos apensados e que serviram de subsídio à condenação, por si só, não induz ao reconhecimento da presença dos pressupostos do art. 3º da CLT, pois o que se extrai do conjunto probatório é que o reclamante participava das atividades de fiscalização da ré, mas não diretamente, não como seu empregado, senão que se subordinava e era remunerado por terceiros que, ostentando patente militar, igualmente não podem ser empregados da recorrente.

Aliás, o que se verifica é que houve verdadeira terceirização informal, através da qual um grupo de servidores militares, liderados por colegas graduados, atuava como empresa de prestação de serviços à reclamada, que procedia como tomadora de serviços, mas sem a necessária formalização da relação jurídica que dava ensejo à consecução de atividade ínsita a seu objeto social.

Foi em decorrência do desempenho de tais funções que o trabalhador veio a falecer, o que resulta não somente em prejuízo pessoal, familiar e social, mas também da Corporação a que pertencia que, agora, ao invés do trabalho do policial, terá pensionistas aos quais terá que prover subsistência.

Nesse contexto, dou provimento ao recurso, eis que o conjunto probatório constante dos autos indica que houve prestação de serviços, mas não houve vínculo de emprego, sendo indevidos os títulos deferidos sob tal embasamento.

DANO MORAL

Inobstante a reforma quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego, em vista do que dispõe o art. 114 da Constituição Federal, após a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, que incluiu expressamente a competência da Justiça do Trabalho para o tema em epígrafe, não mais circunscrevendo sua atuação à relação de emprego, mas a toda relação de trabalho, passo ao exame do tema em epígrafe. Adoto a Súmula C. TST nº 392, a saber:

Nº 392 DANO MORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 327 da SDI-1) – Res. 129/2005 – DJ 20.04.2005

Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho. (ex-OJ nº 327 – DJ 09.12.2003)

É de clareza meridiana e irrefutável, diante da prova oral e documental, que o reclamante prestou serviços em atividade precípua da reclamada, sofreu agressões em função da prestação de serviços e acabou por sofrer um enfarto em razão do trabalho executado, vindo a falecer.

Na ocasião, não se encontrava amparado por contrato formal de trabalho, quer como empregado, quer como prestador de serviços, vindo sua família a sofrer as agruras decorrentes do falecimento inopinado e da condição precária em que o falecido se inseria no mercado de trabalho.

A Constituição Federal no art. 5º, V e X, tratou expressamente da matéria relativa à reparação de danos morais, que já encontrava regulamentação genérica nos artigos 159 e 1518 e seguintes do antigo Código Civil em vigor à época de sua promulgação.

O inciso V garante indenização por dano moral, enquanto o inciso X diz invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, circunscrevendo o dano moral que merece reparação.

Com a edição do novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.1.2002) a legislação infraconstitucional, através dos artigos 186 e 927, passou também a contemplar expressamente o dano moral como passível de reparação.

Assim dispõem:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo.”

São, portanto, requisitos cumulativos para caracterização da obrigação, a prática de ato ilícito (por ação ou omissão, decorrente de dolo ou culpa), a verificação de prejuízo e a presença de nexo causal entre a ação e o dano, que sendo moral se refere à violação da honra ou imagem das pessoas.

O tipo legal que permite a condenação da ré no pagamento da indenização deferida pelo juízo “a quo” se encontra delineado, na medida que a reclamada, ao aceitar o trabalho informal do falecido, atuou de modo imprudente, ao arrepio da legislação pertinente, seja de natureza civil, seja trabalhista, o que veio resultar em uma família desassistida e submetida à assistência pública, senão à penúria.

O falecimento, contínuo a situação limite a que esteve exposto o trabalhador, após agressões sofridas em confronto com “perueiros”, fato amplamente divulgado pela mídia, resultou prejuízo a que concorreu a ré de modo determinante.

Assim, embora não se possa reconhecer o falecido como empregado, sem dúvida é trabalhador, cuja morte ocasionou dano aos familiares, que merece reparo a ser suportado pela ré, que praticou ato ilícito ao permitir trabalho informal.

ISTO POSTO, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para, afastado o reconhecimento do vínculo de emprego e verbas decorrentes, manter a r. sentença no que condenou a recorrente em indenização por danos morais, mantidos o valor da condenação e respectivas custas, nos termos da fundamentação.

CATIA LUNGOV

Juíza Relatora

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