Doce veneno

Promotor deve fiscalizar o governo, e não exercer cargo nele

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24 de março de 2006, 18h56

“O Conselho Nacional do Ministério Público decidiu que, em três meses, todos os procuradores em cargos no Executivo devem retornar ao MP ou pedir demissão.” A notícia foi extraída da coluna do jornalista Cláudio Humberto.

Em Mato Grosso, temos dois casos que serão enquadrados — promotores de alto gabarito foram inteligentemente convidados para compor o staff do Executivo. Jogada típica de expert. Por um lado, temos um patrimônio ético e técnico agregado ao governo, nas figuras de promotores probos e eficientes. Por outro, temos um acordo de cavalheiros entre Executivo e Ministério Público, um amistoso cessionário e outro cedente sem constrangimentos.

Agora o Conselho Nacional do Ministério Público pôs fim às amáveis disponibilidades entre duas instituições, remetendo os promotores e procuradores aos cargos para os quais foram preparados e estão sendo pagos. Ao contrário de colocar à disposição seus préstimos a um governo de ocasião, os membros do parquet devem é fiscalizar a administração pública e não guardar com ela o menor traço de engajamento, intimidade ou simpatia.

O Judiciário matogrossense está com a bola, mais uma vez. Em nome próprio, impetrei ação popular a fim de não só afastar os promotores-secretários, como ressarcir o erário de todos os gastos porventura havidos, desde diárias em viagens até combustíveis. Uma vez exonerados, resta saber o que se fará com os recursos percebidos.

Além de todo o rosário constitucional desfiado, juntei Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pelo procurador-geral da República que visa afastar do cargo de secretários promotores de Justiça. Ora, se o chefe da instituição assim entende, não é demais o pedido formulado pelo cidadão no mesmo sentido. Uma pena que o parecer ministerial do MP estadual tenha se desencontrado com o Conselho Nacional do Ministério Público.

Esse seria o caso que, não havendo unanimidade, jamais poderia a elegância de um homem público permitir aceitar o convite do Executivo. Nunca houve consenso nesse tema. Ou seja, docemente constrangidos, restava declinar dessa constrangedora situação. Mas, do senso republicado de antanho, com afetações próprias da formalidade, pouco restou.

Ficamos nós com a profética advertência consignada em ata do procurador Luiz Alberto Esteves Scaloppe: “faço ainda a ressalva de que, ao ingressar em atividade fora da instituição, não deixa de estar no âmbito do Estado, embora vá inquestionavelmente subordinar-se a um governo com linha partidária, ou seja, irá defender uma política partidária de estado, assim, por esta razão, distanciando-se da independência governamental que preside os trabalhos do Ministério Público”.

Acabou-se o que era doce.

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