Crime de manteiga

Mulher que furtou pote de manteiga de R$ 3,20 ganha liberdade

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23 de março de 2006, 20h42

A doméstica Angélica Aparecida de Souza Teodoro, presa desde novembro do ano passado pelo roubo de um pote de manteiga de R$ 3,20 em um mercado na capital paulista, deverá ser posta imediatamente em liberdade. A liminar foi concedida pelo ministro Paulo Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça que garantiu a sua soltura pelo menos até que os demais ministros da 6ª Turma apreciem o mérito do Habeas Corpus.

O relator explica que a prisão cautelar, com exceção ao princípio da presunção de inocência, está sempre ligada à demonstração de sua necessidade. No caso da jovem acusada do roubo do pote manteiga, foram apontados como motivos para a manutenção da prisão a gravidade do delito e a intranqüilidade causada na sociedade paulistana com a reiteração de práticas assemelhadas.

Para o ministro Gallotti, é necessário reconhecer que a gravidade da infração por si só não autoriza a prisão antecipada. “Além disso, certamente não são comportamentos como o atribuído à paciente que intranqüilizam São Paulo, mas sim a prática dos mais variados crimes, quase sempre cometidos com armas de fogo e o emprego de violência”, assevera.

O ministro levou em consideração também ser impossível deixar de ressaltar que se trata do furto de um pote de manteiga avaliado em R$ 3,10 e que a acusada do crime é ré primária, que admite o furto, mas nega as ameaças, “lamentavelmente, vítima de um perverso quadro social que não oferece oportunidades concretas, a ela e a milhões de outros brasileiros, de uma vida digna”.

Também ressaltou que, em princípio, a jurisprudência do Tribunal não admite a análise de Habeas Corpus apresentado contra o indeferimento de liminar em ação idêntica em outro tribunal, já que no caso, a liberdade de Angélica tinha sido negada pela Justiça paulista. Contudo, em hipóteses excepcionais, tem se mostrado possível e impositiva a atuação da Corte nos casos em que o constrangimento ilegal a que alguém esteja submetido for resultado evidente de um exame superficial dos elementos que levaram ao convencimento existentes nos autos, explica.

A decisão do ministro se deu no pedido de Habeas Corpus apresentado por um advogado de São Paulo. O segundo pedido, feito por um estudante de Direito de Brasília, teve seu seguimento negado, diante do fato de se tratar de uma reiteração do que já havia sido pedido no primeiro.

O crime e os pedidos de liberdade

A ação na qual foi proferida a decisão foi apresentada por um advogado paulista contra a decisão do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo que indeferiu pedido semelhante. Como o pedido veio sem peças, o ministro Gallotti, relator do Habeas Corpus no STJ, teve de pedir mais informações na última quarta-feira (22/3).

O juiz titular da 23ª Vara Câmara Criminal de São Paulo, ao responder ao pedido, informou que Angélica foi presa em flagrante, na manhã do dia 16 de novembro do ano passado, depois de ter sido “surpreendida logo após ter subtraído mercadoria do interior de um mercado” situado no Jardim Maia, em São Paulo, SP. Ela, tão logo foi abordada e constatada a subtração, teria feito “grave ameaça contra o proprietário e um funcionário do estabelecimento, a fim de garantir a impunidade do delito”.

Essa ameaça teria sido confirmada pelo proprietário do Mercado Araújo. Segundo ele, por volta das 10h, percebeu que a jovem entrou no estabelecimento, trazendo consigo um boné vermelho em uma das mãos, parecendo estar acompanhada de outra mulher, que adquiriu algumas mercadorias, pagou-as no caixa, e saiu. Logo depois, Angélica teria saído também, dando a impressão de que estava com alguma coisa envolta pelo boné. Nesse momento, ele e o irmão saíram e abordaram a jovem já na calçada da frente do mercado. Quando pegaram o boné, perceberam que ele estava escondendo uma lata de manteiga, marca Aviação, de 200g, subtraída de dentro do estabelecimento, cujo preço é R$ 3,10. Tão logo foi descoberta, ela teria falado em tom ameaçador: “eu já mandei subir um monte de gente e vou mandar subir vocês também, se não me deixarem ir embora”. Sendo o termo uma gíria com o significado de matar, o fato teria deixado o dono do mercado bastante amedrontado.

O auto de prisão em flagrante com pedido de liberdade provisória foi submetido ao juiz em 24 de novembro e a custódia mantida. O juiz entendeu que “o fato descrito nos autos é típico e antijurídico. Caracterizada a situação de flagrância por ocasião da abordagem policial, não se pode falar em ilegalidade da prisão levada a efeito”. A conclusão do juiz foi de que teses referentes à culpabilidade do agente não impedem seja caracterizado o estado de flagrância. “Ademais, quem profere ameaça para assegurar a detenção da coisa ou a impunidade do crime comete roubo impróprio, e não simplesmente furto”.

O juiz considerou, também, que não havia garantias de que ela, colocada em liberdade, não fugiria, prejudicando as investigações. Além disso, com seu comportamento, teria demonstrado personalidade violenta, a justificar a manutenção da custódia a despeito da aparente primariedade. “A manutenção da prisão é, portanto, medida que se impõe, para garantia da instrução processual e da futura aplicação da lei penal”, disse.

A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público em 5 de dezembro, considerando comprovada a autoria e a materialidade do delito de roubo. Em janeiro e fevereiro, novos pedidos de liberdade provisória foram indeferidos. Na última segunda-feira (21/3), mais um pedido da mesma natureza foi recusado, isso após o TJ paulista ter indeferido liminar em Habeas Corpus.

HC 55.909

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