Ciúme não é desculpa

Defesa de Pimenta Neves não afasta motivo torpe da acusação

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23 de março de 2006, 10h57

A defesa do jornalista Pimenta Neves não conseguiu afastar da acusação o motivo torpe (por ciúme) para o assassinato de sua ex-namorada, a também jornalista Sandra Gomide. A decisão é do ministro Hélio Quaglia Barbosa, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O Tribunal de Justiça paulista não admitiu que o Recurso Especial da defesa do jornalista fosse para o STJ, por entender que era impossível na instância especial a análise de provas e feitos. Assim, os advogados ingressaram com Agravo de Instrumento.

O ministro Hélio Quaglia Barbosa negou o recurso. Considerou que não poderia ser aceito porque não comprovou a divergência jurisprudencial alegada. O relator citou a decisão do TJ-SP que afirmou haver motivo torpe no crime, independentemente da existência ou não do ciúme.

“Lado outro, as decisões colacionadas aos autos, referentes à comprovação da divergência jurisprudencial, são uníssonas ao afirmarem que o ciúme não é considerado motivo torpe, a fim de qualificar o crime de homicídio”, concluiu o ministro.

Dia de julgamento

Está marcado para o próximo dia 3 de maio, às 8h, o julgamento do jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves. Em 20 de agosto de 2000, ele matou sua ex-namorada e ex-subordinada Sandra Gomide. O homicídio, premeditado, será examinado junto com dois agravantes: motivo torpe e pelo fato de não se ter dado à vítima qualquer chance de defesa. O julgamento acontecerá no Tribunal do Júri de Ibiúna (SP).

Para o presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Recife), Francisco Cavalcanti, o tempo que separa o assassinato de Sandra Gomide do julgamento do réu confesso Pimenta Neves é um exemplo do que ele chama de “excesso do direito de defesa”. Para o desembargador federal, não há nada que justifique uma tal demora. “Seis anos é tempo suficiente para se fazer um curso de medicina no Brasil”, compara.

Ag 702.363

Leia a íntegra da decisão

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 702.363 – SP (2005/0135056-7)

RELATOR: MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA

AGRAVANTE: ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES

ADVOGADO: ILANA MULLER E OUTROS

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO PENAL. CERTIDÃO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL ILEGÍVEL. POSTERIOR JUNTADA DE DOCUMENTO COMPROVANDO A TEMPESTIVIDADE DO RESP. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA TESE. AGRAVO NÃO CONHECIDO.

DECISÃO

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, em face de decisão da Segunda Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou seguimento ao recurso especial, fulcrado no art. 105, III, alínea “c”, da Constituição Federal, aduzindo o Enunciado da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Alega o recorrente divergência jurisprudencial, porque teria o Tribunal a quo mantido as qualificadoras de motivo torpe e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do agravo, eis que o protocolo do recurso especial se encontra ilegível, o que obstaria a verificação de sua tempestividade (fls. 2762/2764).

É o relatório.

Decido.

2. Inicialmente, de se destacar que não foi possível se verificar a tempestividade do recurso especial, uma vez que o protocolo de sua interposição está ilegível (fl. 2.579), conforme bem destacado no parecer ministerial; a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Ag.708.460, na data de hoje, decidiu que é “inviável a juntada de qualquer documento posteriormente, pois não supre a irregularidade decorrente da não-adoção da providência em tempo apropriado”.

Confira-se, a seguir, notícia publicada no site do STJ: “15/03/2006 – Ausência de elemento informativo inviabiliza aferição de tempestividade de recurso Constitui ônus da parte instruir corretamente o agravo de instrumento, fiscalizando sua formação e seu processamento, sendo inviável a juntada de qualquer documento posteriormente, pois não supre a irregularidade decorrente da não-adoção da providência em tempo apropriado. Dessa forma, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, não acolheu o recurso interno interposto pelo Unibanco União de Bancos Brasileiros contra decisão proferida pelo ministro Castro Filho, da Terceira Turma do Tribunal.

No caso, o relator, ministro Castro Filho, não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo Unibanco, por sua intempestividade. Inconformado, o Banco recorreu da decisão com agravo interno sustentando que não houve expediente forense no dia 27 de maio de 2005, por determinação de Portaria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, uma vez que intercalado entre feriado e fim de semana.

Para isso, juntou aos autos a referida portaria, pedindo a reforma da decisão, alegando ser tempestivo o recurso, trazendo diversos precedentes do STJ. A Terceira Turma, entendendo configurada a divergência entre julgados seus, da Primeira, da Segunda e da Quarta Turma, julgou por bem afetar a questão à consideração da Corte Especial.

Na Corte, o relator, ministro Castro Filho lembrou que, na sistemática atual, é fora de dúvida que o agravo há de ser instruído com todas as peças que dele devem constar obrigatoriamente (artigo 544 do Código de Processo Civil), além daquelas essenciais à compreensão da controvérsia, inclusive as necessárias à aferição da tempestividade do recurso interposto.

“No presente caso, cabia à parte, ora agravante, quando da interposição do agravo de instrumento perante o tribunal a quo, não, apenas, afirmar o fato, mas fazer constar do traslado as peças comprobatórias de que não houve expediente forense no tribunal, no último dia do prazo, a fim de demonstrar a tempestividade de seu recurso, sendo irrelevante o silêncio da parte contrária a respeito”, disse o relator.

Para o ministro, após algumas reflexões, não seria conveniente a liberalidade com que outras Turmas já trataram a questão. “Com efeito, a admissão de comprovação futura da tempestividade do recurso poderá redundar em prejuízo à celeridade do julgamento, a par de criar ensanchas ao uso de outros expedientes, quiçá, procrastinatórios. Preferível nesses e em outros casos de ausência de peça imprescindível ou útil à instrução do recurso, negar conhecimento ao agravo, em prestígio ao fenômeno processual da preclusão consumativa”, afirmou.

Assim, de rigor o NÃO CONHECIMENTO do presente agravo.

3. Mesmo que se pudesse aceitar a posterior juntada dos documentos de fls. 2.766/2.769 por parte da agravante, o presente agravo não mereceria provimento, pois ausente a alegada divergência jurisprudencial.

4. Não obstante o Tribunal de Justiça de São Paulo não tenha admitido o especial sob o amparo de Enunciado 7 da Súmula desta Corte de Justiça, verifica-se que, na verdade, não há similitude fática entre o acórdão paradigma e o recorrido, de modo que não restou comprovada a alegada divergência jurisprudencial.

O decisum vergastado pelo recurso especial assim expôs:

“Como forma de estirpar as majorantes, quer o chancelamento do ciúme, que defende o recorrente não compor o motivo torpe. Constitui-se o ciúme, segundo Antonio de Morais Silva, Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, volume 2, Editora Confluência, receio de perder alguma coisa. Em tese, o Desembargador Hélio de Freitas, desta Corte, já disse que não há ciúme nem vingança em situações, como na espécie, porque o que se quer é que a pessoa lhe pertença e não a mais ninguém, donde adviria a torpeza do móvel criminoso (conforme Ap. Crim. nº 265.455-3/0). Em assim sendo, se a qualificadora de motivo é excluída ou não, os jurados dirão. Mas o motivo torpe se faz presente, ainda que em abstrato; e também o recurso que impossibilitou a defesa da vítima, frente à descrição das testemunhas e ao desfechar dos tiros nas costas e no ouvido, especialmente quando a vítima fugia com as mão limpas.” (fl. 2.555 – grifei)

Desse modo, há que reconhecer que o Tribunal de Justiça de São Paulo, infirma a tese requerida pelo recorrente relativa à existência do ciúme como motivo torpe. Ao contrário, é cristalino em expor que não há ciúme, mas torpeza, ainda que de forma abstrata.

Lado outro, as decisões colacionadas aos autos, referentes à comprovação da divergência jurisprudencial, são uníssonas ao afirmarem que o ciúme não é considerado motivo torpe, a fim de qualificar o crime de homicídio.

5. Diante das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único do CPC, c.c. o art. 255 do Regimento Interno do STJ), necessária se faz a comprovação do dissídio através do confronto entre o acórdão recorrido e as decisões divergentes apontadas. Para tanto, não basta a simples transcrição de ementas ou trechos de acórdão sem a correspondente identificação com os casos confrontados, que devem ser assemelhados; é indispensável a demonstração analítica da divergência invocada e a indicação das circunstâncias que identificam como semelhantes os casos confrontados.

Apresenta-se, à colação, o seguinte precedente:

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. 1. Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único, do CPC c/c o art. 255 do RISTJ), de confronto entre o acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados – indispensável inclusive nas hipóteses de divergência notória. Ausente a demonstração analítica do dissenso, incide a censura súmula 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. Agravo regimental improvido.”(AgRg nos EDcl no AG 618.949/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª Turma, DJ 11.04.2005).

6. Por derradeiro, há que se salientar, quanto ao pedido relativo ao afastamento da qualificadora da impossibilidade de defesa da vítima, que o recurso especial não apresentou fundamentação suficiente a possibilitar a cognição deste tema. A mera alusão do dissídio sem particularizar a disparidade de teses não enseja a abertura da estreita via especial.

7. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do presente agravo de instrumento.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 15 de março de 2006.

MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA

Relator

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