Privatização da telefonia

Época não terá de indenizar ex-diretor do Banco do Brasil

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22 de março de 2006, 15h08

A revista Época foi absolvida na ação por dano moral e não terá de indenizar o ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira. A decisão é do juiz Clóvis Ricardo de Toledo Junior, da 19ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo. Cabe recurso.

Oliveira ajuizou ação de indenização contra a Editora Globo responsável pela publicação, alegando que a revista divulgou reportagens inverídicas sobre ele.

No dia de 12 de março de 2001, a revista publicou “A história secreta do leilão da Telemar”e “Quem enriqueceu com a privatização da telefonia em 16 Estados”. A notícia ainda tinha a imagem do ex-diretor na capa com a montagem de um fio telefônico no seu pescoço. No corpo do texto também dizia que o “ex-diretor do banco do Brasil está ligado ao dossiê Cayman”, indicando textualmente que Oliveira teria manipulado os fundos de pensão estatais na privatização da Telebrás e ajudado a formar a Telemar.

O ex-diretor do Banco do Brasil alegou que as calúnias sobre ele continuaram na edição seguinte colocando sua foto ao lado da manchete “Propina sob investigação”. Ele afirmou que os jornalistas da revista pinçaram isolaram do contexto trechos do depoimento que ele fez à Procuradoria da República em 11 de dezembro de 1998, induzindo o leitor a acreditar que ele era culpado pela manipulação nos fundos de pensão e réu confesso.

O ex-diretor do banco do Brasil sustentou que participou do processo de privatização da telefonia com a preocupação de defender os interesses não só do banco como também do país. Esta postura resultou na negociação de empréstimos-ponte para os interessados em participar das licitações e na formação de consórcios, pois quanto mais licitantes houvesse melhor seria para os interesses nacionais. Disse que nunca manipulou os fundos de pensão. Diante disso, deveria receber indenização por danos morais pelas notícias publicadas.

O advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, do escritório Camargo Aranha Advogados Associados, responsável pela defesa da Editora Globo alegou que a revistaÉpoca tem o direito de exercer suas atividades com liberdade de informação jornalística.

A editora sustentou que o objetivo de Oliveira ao entrar com a ação é intimidar a revista. Também afirmou que as reportagens são de claro interesse público, já que está em jogo a venda de uma fração de um patrimônio do Estado para grupos privados “no qual funcionários públicos utilizaram recursos do tesouro e métodos no mínimo polêmicos”.

Segundo a editora a reportagem foi baseada em documentos públicos e em versões já conhecidas e divulgadas pelo governo e pelo Congresso Nacional. Também disse que a revista tentou ouvir a versão de Oliveira sobre os fatos, mas ele só aceitou posar para a fotografia na sede de uma de suas empresas por 15 minutos.

Para Época não houve a intenção de caluniar ou de difamar, já que os fatos foram baseados nas informações da Procuradoria da República de que haveria uma montagem de um consórcio privado, com dinheiro público para viabilizar o pagamento dos compradores privados. Segundo a revista, Oliveira não afirmou na ação quais foram os danos morais sofridos por causa da reportagem.

O juiz entendeu que a revista deve ter liberdade de expressão garantida e que não houve provas de dano moral. “A verdade somente poderá imperar onde imperar também a liberdade do pensar. No Estado onde não há liberdade a verdade permanece oculta pelos interesses dos poderosos do momento. Trata-se de uma imperiosa necessidade da Democracia.”

Isso não quer dizer, no entender do juiz, que as notícias da imprensa não tenham que ser questionadas, mas no caso, de como ocorreu de fato o processo de privatização da telefonia, ainda é uma incógnita nos dias de hoje, já que não foi apurado nada de concreto sobre o caso e não houve ainda qualquer desfecho das investigações do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, ou do Congresso Nacional.

O juiz também entendeu que como parte da notícia foi produzida pelo depoimento do senador Antonio Carlos Magalhães que citou o nome de Oliveira, este deve responder pelas informações fornecidas. Por isso, não caberia indenização por dano moral já que a questão envolve fato público e ainda pouco esclarecido. Oliveira foi condenado ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 15 mil.

Leia a íntegra da sentença:

PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO

19ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA CAPITAL

Proc. nº 000.01.037294-6

VISTOS.

RICARDO SÉRGIO DE OLIVEIRA, já qualificado nos autos, propôs ação com pedido condenatório contra EDITORA GLOBO S.A. e outro, também já qualificados nos autos, alegando, em breve síntese, que a co-ré Editora Globo S.A explora um veículo de imprensa denominado Época. Afirma que o referido hebdomadário em seu nº 147, ano III, datado de 12 de março de 2001, apresentou como matéria principal uma reportagem intitulada “A história secreta do leilão da Telemar”, “Quem enriqueceu com a privatização da telefonia em 16 Estados”, tendo a revista estampado uma fotografia do autor na capa, com a inserção gráfica de um fio telefônico em vermelho na altura do pescoço. Afirma que na edição anterior, n° 146, a co-ré colocou a inverídica chamada “Ex-diretor do banco do Brasil está ligado ao dossiê Cayman”, indicando textualmente que o autor teria manipulado os fundos de pensão estatais na privatização da Telebrás e ajudado a formar a Telemar. Afirma que na edição subseqüente, nº 148, a revista continuou na sua trilha caluniadora, estampando sua foto imediatamente ao lado da manchete “Propina sob investigação”. Afirma que os réus pinçaram determinados trechos, e isolaram do contexto do depoimento feito à Procuradoria da República em 11 de dezembro de 1998, levando a induzir o leitor a crer que seja efetivamente culpado e réu confesso. Afirma que não agiu como corretor profissional como dizem os réus. Afirma que, na verdade, é economista, com pós-graduação em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Afirma que agiu com Diretor do Banco do Brasil, no estrito desempenho de suas funções e em consonância com o Presidente e demais Diretores da instituição. Afirma que na função de Diretor do Banco do Brasil, durante o processo de privatização da telefonia, procurou defender os interesses não só do Banco como também do País. Afirma que a defesa do Banco e dos interesses do país traduzia-se na negociação de empréstimos-ponte para os interessados em participar das licitações e no incentivo e ajuda à formação de consórcios, pois quanto mais licitantes houvesse melhor seria para os interesses nacionais, visto que a disputa faria crescer o preço de venda e existiriam ganhos para o erário com a desestatização.


Afirma que seu objetivo na desestatização da Tele Norte Leste era tríplice, ou seja, viabilizar a formação de um consórcio de empresas nacionais com chances de assumir o controle da empresa, aumentar a competição entre os participantes do leilão, o que levaria ao aumento do ágio no preço a ser pago pelo vencedor da disputa. Afirma que o Banco do Brasil atuou diretamente ou por intermédio de suas seguradoras, ingressando como sócio, com participação minoritária em algumas privatizações. Afirma que a Previ – Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil atuou como investidora, e o autor não agiu na posição de mando neste fundo. Afirma que nunca manipulou os fundos de pensão.

Afirma que em determinado momento a Previ alinhou-se com o uma operadora italiana, a Itália Telecom e com o Grupo Opportunity em competição direta com o consórcio Telemar. Afirma que o leilão, contudo, por sua própria mecânica foi vencido pela própria Telemar. Afirma que após a Previ ingressou no consórcio vencedor. Afirma que foram concedidas cartas de fiança também para os concorrentes da Telemar. Afirma que não foi demitido do Banco do Brasil, mas sim pediu demissão. Afirma que sofreu danos morais com a imputação de prática do crime de corrupção passiva, posto que sua honra pessoa e sua imagem foram mostradas em todo o país de forma caluniosa. Requereu, por fim, a procedência do pedido e condenação da ré ao pagamento de danos morais no patamar de R$2.000.000,00(dois milhões de reais).

Com a inicial foram juntados os documentos de fls. 27/53.

Os réus foram devidamente citados (fl. 59).

O réu José Casado apresentou contestação (fls. 83/105), alegando, também em breve síntese, e preliminarmente, a inépcia da inicial, tendo em vista ser pedido incerto e indeterminado. No mérito, afirma que na época das privatizações estavam sendo vendidas 12 empresas, em virtude da cisão da Telebrás, o que colocou fim ao monopólio estatal da telefonia. Afirma que o então Ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, acompanhado do então Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES – André Lara Resende, viajaram por vários países para as dimensões e as regras do sistema de desestatização. Afirma que no leilão realizado em 29 de junho de 1998 chamou a atenção do público o fato da Tele Norte Leste ter sido vendida por um ágio de apenas 1%, o menor de todas as teles. Afirma que de acordo com as explicações do então Ministro das Comunicações no Senado da República isso ocorreu porque a vencedora em uma região não poderia vencer também em outra.

Afirma que como o consórcio Telemar teve dificuldades para quitar suas parcelas da compra, o BNDES foi obrigado a aportar recursos, o que foi objeto de ação civil pública. Afirma que na época dos fatos, logo após o leilão, informou a Revista Veja (agosto de 1998) que o BNDES havia comprado 25% do consórcio Telemar. Afirma que a referida revista dizia que o autor teria sido o artífice e toda a confusão. Afirma que o autor confirmou para a Revista Veja que havia comandado o “consórcio dos rejeitados”. Afirma, ainda, que a Revista Veja mostrou trechos de grampos com conversas gravadas de vários personagens da República, o autor, o Ministro das Comunicações e até mesmo o Presidente da República. Afirma que tais gravações redundaram na saída do Ministro das Comunicações e do Presidente do BNDES do Governo. Afirma que o Senador Antônio Carlos Magalhães fez acusações na Revista Veja que o autor seria a pessoa que agia nas privatizações e teria cobrado propina de 90 milhões na venda das teles. Afirma que o Jornal Folha de São Paulo de 11 de março de 2001 trouxe as mesmas informações. Afirma que sua intenção não era requentar a história, mas contar o que havia acontecido no episódio. Afirma que o depoimento do autor na Procuradoria da República, muito embora público, não era conhecido do público. Afirma que procurou o autor para que falasse sobre o assunto, mas apenas em 09 de março de 2001 ele concordou em posar para fotografias. Afirma que o autor omitiu que era sócio de uma empresa Corretora de Valores. Afirma que não está nas funções de Diretor do Banco do Brasil trabalhar na montagem e um consórcio para participar de uma licitação.

Afirma que vários órgãos de imprensa concorrentes disseram que o autor era influente na Previ. Afirma que há gravação de conversa entre o Presidente da República e o Presidente do BNDES mostrando que o autor era a pessoa chave para que a Previ acertasse com o consórcio formado entre Itália Telecom e o Banco Opportunity. Afirma que muito embora os fundos de pensão não sejam fundos estatais não há dúvidas de que em caso de mau uso do dinheiro teria que ser coberto pelo órgão público. Afirma que sobre a concessão das cartas de fiança não há juízo de valor, mas apenas informação. Afirma que a carta de fiança concedida ao Banco Opportunity foi concedida a pedido do Ministro das Comunicações. Afirma que as acusações foram feitas pelo Senador Antônio Carlos Magalhães. Afirma que ainda não há respostas para as várias questões envolvendo as privatizações e a reportagem tinha o interesse em buscá-las. Afirma que o Banco Opportunity deixou de vencer o leilão mesmo tendo uma proposta de R$1 bilhão maior, mas ressabiado com o comportamento da Previ, optou por dar um lance no Tele Centro Sul. Afirma que não há explicações para o fato do BNDES ter optado por participação societária na empresa ao invés de simplesmente conceder empréstimos. Afirma que apenas está exercendo sua função social. Afirma que procurou o autor durante uma semana inteira, mas o autor preferiu o silêncio.


Afirma que os ocupantes de cargos públicos devem sofrer certas limitações, pois estão sujeitos a críticas, tendo sua imagem exposta. Afirma que os arts. 51 e 52 da Lei de Imprensa não foram revogados pela Constituição Federal. Requereu, assim, a improcedência do pedido condenatório.

Com a contestação foram juntados os documentos de fls. 107/226.

A contestação da co-ré Editora Globo S.A., também já devidamente citada (fl. 59) apresentou contestação, mas foi determinada a sua retirada dos autos, juntando-a por linha (fl. 399).

Com a contestação desentranhada foram juntados os documentos de fls. 261/337.

O autor manifestou-se sobre a contestação e sobre os documentos (fls. 344/350) e juntou outros documentos (fls. 351/396).

O réu José Casado juntou a cópia de sua contestação com a certificação do protocolo (fls. 400/423).

O autor manifestou-se novamente nos autos (fls. 425/427). A ré Editora Globo S.A. noticiou a interposição de recuso de agravo (fls. 429/440) e juntou documentos (fls. 500/613).

Foi juntada a decisão dada no recurso de agravo (fls. 622/631).

O réu manifestou-se sobre os documentos (fls. 633/635).

A contestação da co-ré Editora Globo S.A foi novamente entranhada nos autos (fls. 640/672). Alega a ré, em breve síntese, que é empresa jornalística que tem por objetivos a edição de revistas, jornais, livros, periódicos e quaisquer outras publicações, além de distribuição das revistas que edita, as próprias ou de terceiros, inclusive de fitas de gravação de áudio e vídeo, discos e fitas fonográficas, além de exploração de publicidade. Afirma que tem o direito de exercer sua atividade sem embaraço à plena liberdade de informação jornalística. Afirma que a Lei nº 5.250/67, Lei de Imprensa, submete a contestante à disciplina do direito de resposta, da responsabilidade penal e da responsabilidade civil.

Afirma que o intuito do autor é intimidar a Editora e o jornalista. Afirma que os autos não são o foro apropriado para a apuração da verdade das denúncias feitas contra o autor. Afirma que as reportagens trazem evidente interesse público em virtude da existência de venda de uma fração do patrimônio do Estado para grupos privados, no qual funcionários públicos utilizaram recursos do tesouro e métodos no mínimo polêmicos. Afirma que as matérias mostram a reconstituição de fatos baseando-se em documentos públicos e em versões já anteriormente conhecidas e divulgadas pelo Governo e pelo Congresso Nacional. Afirma que a reportagem mostra entrevista com o Senador Antônio Carlos Magalhães na qual ele diz que o autor teria recebido propina de 90 milhões na venda das teles.

Afirma que a revista tentou saber a versão do autor sobre os fatos, mas ele somente aceitou posar para a fotografia na sede de uma de suas empresa, a Planefin, e por 15 minutos. Afirma que não teve a intenção de caluniar ou de difamar. Afirma que a revista publicou reportagem relatando a suspeição que paira sobre uma transação efetuada com dinheiro público, bem como sobre o papel desempenhado por um agente público. Afirma que ainda permanecem na obscuridade fatos referentes à atuação do autor na transação que deu origem à Telemar.

Afirma que na investigação levada a efeito perante a Procuradoria da República existem elementos sobre a montagem de um consórcio privado, com dinheiro público, mediante engenharia financeira para viabilizar o pagamento dos compradores privados. Afirma que de fato ocorreu a concessão de 30 cartas de fiança para a participação de empresas nas licitações públicas, e existe inquérito na Procuradoria da República do Rio de Janeiro para a apuração dos fatos ocorridos durante a privatização da Telebrás. Enumera várias reportagens que citam o autor. Afirma que a inicial não esclarece quais foram os danos morais sofridos pelo autor. Afirma que a intenção era de narrar e não de ofender. Afirma que no caso de condenação ela não pode ultrapassar os limites de 200 salários mínimos, nos termos dos arts.51, 52 e 53 da Lei nº 5.250/67.

As partes especificaram as provas que pretendiam produzir (fls. 676/677, 682 e 684).

Foi designada audiência de tentativa de conciliação, instrução, debates e julgamento (fl. 685), mas a conciliação resultou infrutífera (fls. 723/724).

Durante a instrução da causa foram ouvidas testemunha arroladas pelas partes (fls. 758/775; fls. 848/850; 880/881; 918/933; 975/978; 1012/1013; e 1046/1047).

Alfim, encerrada a instrução (fl. 1082), as partes apresentaram alegações finais por meio de memoriais (fls. 1087/1121, 1123/1137 e 1144/1147).

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Segundo as provas coligidas durante a instrução da causa, o pedido condenatório contido na inicial deve ser julgado improcedente. Por conta das charges de alguns jornais europeus retratando o profeta Maomé, fundador islamismo, como um terrorista novamente a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa estão na ordem do dia.


Assim, preliminarmente ao julgamento desta causa, como já feito em outras oportunidades em que foram discutidas estas mesmas liberdades, somente depois de fixadas as premissas lógicas da liberdade de pensamento e de imprensa é que serão analisadas as questões acerca da existência ou não de ofensas de índole moral ao autor nos fatos trazidos aos autos.

A liberdade de expressão do pensamento, nas palavras de Konrad Lorenz, ao mencionar o perigo da doutrinação feita pelos demagogos, é “[…] uma das mais importantes características do ser humano […]”. (A demolição do homem – crítica à falsa religião do progresso, ed. Brasiliense, 2ª edição, trad. Horst Wertig, p. 148).

Sem a plena liberdade de manifestação do pensamento, o homem se torna um autômato, sem independência, facilmente domesticado pelos doutrinadores demagogos, pelos militares violentos ou pelos publicitários sedutores.

A verdade deve sempre imperar no Estado Democrático de Direito.

E a verdade somente poderá imperar onde imperar também a liberdade do pensar. No Estado onde não há liberdade a verdade permanece oculta pelos interesses dos poderosos do momento. Trata-se de uma imperiosa necessidade da Democracia.

É preciso, necessário e fundamental que os independentes se manifestem sempre, denunciando o farisaísmo, a omissão, a violência, o erro, a inércia, a ausência, a corrupção, o abuso, a falácia, a podridão, o medo, a impostura, o segredo, procurando mostrar ao povo ou aos interlocutores o conhecimento racional sobre a estrutura e sobre o funcionamento dos acontecimentos relatados e também sobre a sociedade como um todo.

A certeza moral é um perigo. É necessário que as premissas levantadas pelos demagogos sejam questionadas. É necessário que as notícias da imprensa sejam também questionadas, uma vez que a pressa leva ao erro, ou ainda à leviandade de mostrar rapidamente o acerto deste ou daquele Governo em determinado conflito, como facilmente se verifica no caso de invasões criminosas a países por forças poderosas para matar os civis indistintamente sob os mais perigosos argumentos, como já denunciado alhures pelo sábio Noam Chomsky.

A doutrinação que leva à certeza moral é um perigo para as liberdades, é um perigo para a juventude.

Segundo Jacques Rancière, “Hegel já zombava da noite do Absoluto, onde todas as vacas são cinzentas.” (Folha de São Paulo, Mais!, domingo, 31 de março de 2002). Não há verdades absolutas, como já pretenderam instalar as ditaduras de direita e de esquerda, e o pensar é livre, uma vez que “nada já existiu antes”, nas palavras de Konrad Lorenz (A demolição do homem – crítica à falsa religião do progresso, ed. Brasiliense, 2ª edição, trad. Horst Wertig, p. 177).

É preciso distinguir o certo do errado, ouvir, falar, questionar. E isso é a liberdade.

Albert Camus definiu liberdade da seguinte forma: “Liberdade nada mais é do que uma oportunidade de fazer melhor.”

“A vida é crescimento. A história do homem, da poeira protoplásmica ou do limo ao que quer que a corrida atrás da ‘noosfera’ de Teilhard de Chardin eventualmente alcance, é uma história de desenvolvimento, de melhoria, de atualização de um potencial. Tal desenvolvimento, como Darwin provou, depende do acaso, da oportunidade de selecionar entre alternativas, ou, nas palavras de Camus, ‘a oportunidade de fazer melhor’. A liberdade é, então, a disponibilidade de fazer aquelas seleções que militam em prol do progresso da vida e do desenvolvimento da raça humana. Como disse Archibald McLeish, o poeta-advogado-estadista norte-americano, e um dos fundadores da Unesco: ‘Liberdade é o direito de escolher; o direito de criar para si mesmo as alternativas de escolha.’.” (Desmond Fischer, O direito de comunicar, ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p. 21).

Expressar o pensamento é dar um pouco de si para o debate, para o diálogo, para o crescimento. Esta é uma virtude socrática, do livre discutir tudo o que for cognoscível. É poder dizer a opinião sobre todos os assuntos que digam respeito aos negócios e aos interesses públicos.

Rui Barbosa definiu a liberdade de pensamento da seguinte forma: “De todas as liberdades, a do pensamento é a maior e a mais alta. Dela decorrem todas as demais. Sem ela todas as demais deixam mutilada a personalidade humana, asfixiada a sociedade, entregue à corrupção o governo do Estado.” – grifei – (Teoria política, seleção, coordenação e prefácio de Homero Pires, W.W, Jackson Inc. Editores, volume XXXVI, p. 257/258).

A Constituição da República, no art. 5º, inciso IV, garante que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) estabelece nos arts. XVIII e XIX que “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou particular” e “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos, Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, série documentos nº 14).


Liberdade de expressão é, nas palavras de Nicholas Capaldi, na introdução do livro Da liberdade de expressão. Uma antologia de Stuart Mill a Marcuse, a “[…] liberdade de explorar, de descobrir, coordenar e divulgar aquilo que conhecemos, pensamos ou sentimos.”

Já segundo John Stuart Mill “Ninguém pode ser grande pensador sem reconhecer que, como tal, o primeiro dever é o de seguir sua inteligência a quaisquer conclusões que possa levar. A verdade lucra mais com os erros de alguém que, com o devido estudo e preparo, pensa por si mesmo, do que com as opiniões verdadeiras dos que só apóiam porque não são auto-suficientes para pensar. Não é só, ou principalmente, para formar grandes pensadores que se requer a liberdade de pensamento. Pelo contrário, ele é tanto, e mais indispensável ainda, para habilitar a média dos seres humanos a atingirem a estatura mental de que são capazes. Houve, e poderá haver ainda, grandes pensadores individuais numa atmosfera geral de escravidão mental. Nunca existiu, porém, nem existirá jamais, em tal atmosfera, um povo intelectualmente ativo.” – grifei – (Nicholas Capaldi, Da liberdade de expressão. Uma antologia de Stuart Mill a Marcuse, trad. Gastão Jacinto Gomes, Fundação Getúlio Vargas, 1974, p. 20).

Já no tocante à liberdade de imprensa, novamente é necessário o socorro a Rui Barbosa, o campeão das liberdades, para defini-la. Afirma Rui: “Há cento e oitenta anos que, na primeira fase da revolução francesa, na sua fase de luz e justiça, antes que os erros e paixões começassem a ensangüentá-la, um homem de autoridade superior entre seus contemporâneos, Pétion, ‘o virtuoso’, como eles lhe chamavam, exprimia-se assim: ‘Um dos maiores benefícios da liberdade de imprensa é acoroçoar os cidadãos a vigiarem sem cessar os homens que ocupam cargos públicos, alumiarem-lhes o procedimento, desvendarem-lhes as intrigas, advertirem a sociedade dos perigos, que corre. Cria a liberdade de imprensa atalaias desveladas, que às vezes dão rebates falsos, mas às vezes os dão proveitosos; e mais vale estar de sobreaviso para a defesa, quando nos não acometem, que ficar desapercebido, convencida uma pessoa de que um funcionário público é culpado, e trai a confiança do povo; pode ter recebido confidências de um subalterno desinteressado; podem ocorrer, enfim, um sem conto de indícios, que obrigue a consciência de um homem escrupuloso a se declarar. Terá salvado a pátria. Entretanto, pela lei que se vos propõe, será levado a juízo, e declarado caluniador. Quê! Hei-de eu aguardar que o inimigo tenha entrado em França, para dizer que a França se acha ameaçada? Para denunciar uma conjuração, hei-de esperar que ela estoure?” – grifei – (Teoria política, seleção, coordenação e prefácio de Homero Pires, W.W, Jackson Inc. Editores, volume XXXVI, p. 258/259).

Assim, fixadas estas premissas sobre a existência e sobre a eficácia das liberdades do expressar e do informar, somos obrigados a pensar especificamente sobre o que está sendo discutido especificamente nos presentes autos.

É certo que tudo o que foi dito é o ideal.

Contudo, é preciso aceitar as críticas feitas Cláudio Abramo de que a liberdade de imprensa não é para os jornalistas, mas para os donos dos jornais, ou, em outros casos, aos donos das revistas, ou das TVs, ou das rádios.

Em casos práticos, desde que confirmada esta desfiguração do princípio fundamental, pode haver um problema de origem, que gera um desvio de finalidade, posto que interesses públicos e interesses privados são quase sempre inconciliáveis do ponto de vista dos interesses da coletividade, quando se referem à liberdade jornalística em um país de tradição democrática fraca e de práticas políticas espúrias ou subterrâneas, longe dos olhos do povo.

E é aqui que sobram críticas para todos os lados.

Em suas palavras, “Em quarenta anos de jornalismo nunca vi liberdade de imprensa. Ela só é possível para os donos do jornal. Os jornalistas não podem ter opinião, mas os jornais têm suas opiniões sobre as coisas, que estão presentes nos editoriais e nos textos das pessoas que escrevem por linhas paralelas às do jornal. A liberdade de opinião do jornalista tem como limite a orientação do jornal. Evidentemente, como a matéria de jornal é um mero produto industrial (que pode, assim mesmo, atingir uma certa grandeza universal), deve obedecer à orientação do jornal, pois está subordinado a um projeto global. […] Ás vezes me perguntam se sou censurado na Folha. Em minha coluna não sou, mas no resto fui censurado ultimamente, apesar de ter dirigido o jornal durante anos. Tudo bem, é uma empresa particular que não quer que certas coisas sejam ditas; é um direito dela. Ao longo de minha experiência de chefe de redação deixei de publicar coisas dos outros. É um direito lícito do dono. Devo ter suprimido milhares de matérias ao longo de trinta anos. Não podia publicar, porque era contra a linha do jornal. Daí não existir liberdade de imprensa para o jornalista; ela existe apenas para o dono. Por isso não posso aceitar quando jornalistas defendem a liberdade de imprensa: é como eu assinar uma declaração dizendo que, para o resto da vida, eu sou um canalha e o patrão é um homem de bem.” (Cláudio Abramo, A regra do jogo: o jornalista e a ética do marceneiro, Ed. Companhia das Letras, 1988, p. 116 e 118).


Portanto, penso que é preciso distinguir especifica e certeiramente se a liberdade não está sendo utilizada para beneficiar uma verdade que não representa exatamente a verdade que interessa ao público.

Mas isso não retira a responsabilidade do jornalista, já que ele próprio deve agir com ética ao expor os fatos noticiados.

Novamente é Cláudio Abramo quem nos auxilia a compreender melhor a questão posta sobre a ética do jornalista. Diz o jornalista: “Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista – não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. Suponho que não se vai esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater carteira e não ir para a cadeia. Onde entra a ética? O que o jornalista não deve fazer que o cidadão comum não deva fazer? O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista. […] A resolução da questão ética depende também do que o jornalista considera como seu dever de cidadão. Caso ele saiba de algo que põe em perigo a pátria, que põe em perigo o povo brasileiro,o dever de cidadão deve se refletir na profissão.” – grifei – (A regra do jogo: o jornalista e a ética do marceneiro, Ed. Companhia das Letras, 1988, p. 109).

No caso dos autos, há um fato, um acontecimento histórico, que ainda nos dias de hoje é uma incógnita. Portanto, interessa ao jornalista e ao marceneiro, representando aqui o Povo, que tais fatos sejam esclarecidos.

De forma ampla, ainda não temos respostas claras e a exata medida se a forma como as privatizações foram conduzidas no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso trouxeram prejuízos ou ganhos para o país, tanto do ponto de vista da deterioração dos valores éticos, durante o processo, como no tocante aos serviços especificamente considerados, entre outras questões que podem ser levantadas de maneira absolutamente relevante, tais como os reflexos no mercado, nos trabalhadores, e nas tecnologias.

Da mesma forma, agora de maneira mais específica, em casos especiais e localizados, como no caso dos autos, entre outros também noticiados pela imprensa, nos quais não se sabe, também com a necessária exatidão, quais foram os atos, fatos, pessoas e instituições que sucumbiram à corrupção.

Após a leitura dos textos contidos nas revistas Época nº 148 (fls. 42/43) e nº 147 (fls. 34/38) verifico que ainda há muito por escarafunchar acerca dos fatos.

Existem pessoas, empresas, fatos, porcentuais, versões, investigações, depoimentos, sem que nada de concreto tenha sido devidamente apurado com exatidão até o presente momento.

E mesmo no estágio atual, após longos anos, nas alegações finais das partes não são tecidas quaisquer considerações sobre o desfecho das investigações do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, ou do Congresso Nacional.

A questão, com o devido respeito, não se resolve na seara dos danos morais, que são a parte mais superficial deste grande emaranhado de pessoas e fatos históricos sem uma explicação minimamente plausível sobre questões de tamanha relevância para a República.

E o que mais preocupa é que os escândalos de ontem são suplantados pelos escândalos de hoje. E isso incessantemente.

Trata-se do que foi chamado por Eduardo Giannetti da Fonseca de o “paradoxo do brasileiro”, ou seja, muito embora vivamos num “pais tropical abençoado por Deus e bonito por natureza” (Jorge Ben Jor) não resolvemos nossas questões práticas e coletivas mais comezinhas. “Cada um de nós isoladamente tem o sentimento e a crença sincera de estar muito acima de tudo isso que aí está. Ninguém aceita, ninguém agüenta mais: nenhum de nós pactua com o mar de lama, o deboche e a vergonha da nossa vida pública e comunitária. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado final de todos nós juntos é precisamente tudo isso que aí está! A auto-imagem de cada uma das partes – a idéia que cada brasileiro gosta de nutrir de si mesmo – não bate com a realidade do todo melancólico e exasperador chamado Brasil. Aos seus próprios olhos, cada indivíduo é bom, progressista e até gostaria de poder “dar um jeito” no país. Mas enquanto clamamos pela justiça e eficiência, enquanto sonhamos, cada um em sua ilha, com um lugar no Primeiro Mundo, vamos tropeçando coletivamente, como sonâmbulos embriagados, rumo ao Haiti. Do jeito que a coisa vai, em breve a sociedade brasileira estará reduzida a apenas duas classes fundamentais: a dos que não comem e a dos que não dormem. O todo é menor que a soma das partes. O brasileiro é sempre o outro, não eu.” (Vícios privados, benefícios públicos? A ética na riqueza das nações, São Paulo, Companhia das Letras, 1993, p. 12).


Novamente com o devido respeito, há políticos, empresários, Senador, irmão de Governador, agentes públicos, Ministro, bancos estatais, agências estatais, e também o Presidente da República.

Tudo está imbricado em um grande emaranhado de dizeres e desdizeres desacompanhados de suportes fáticos e éticos.

Já do ponto de vista das responsabilidades ou das irresponsabilidades, as reportagens referem-se à existência de “denúncias” feitas pelo Senador Antônio Carlos Magalhães no sentido de que o autor teria recebido “propina de empresários que lucraram com o programa de privatizações” (fl. 34 da revista Época, nº 147, de 12 de março de 2001).

O fato é que não se sabe o porquê do Senador da República Antônio Carlos Magalhães, muito embora tenha dito que tem “[…] grande interesse de colaborar com a Justiça” (fl. 1.065), tenha se utilizado do contido no art. 53, § 6º da Constituição Federal (“Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.”) para não dizer para toda a sociedade e para as partes o que é fato e o que é versão, despreocupando-se com o destino da honra e da dor moral do autor e de sua família.

Como já dito acima, não se sabe se estas “denúncias” foram devidamente esclarecidas nos demais procedimentos instaurados para a apuração dos fatos aqui mencionados.

Nada obstante, no caso dos autos, a revista ecoa as declarações atribuídas ao Senador da República.

É possível que quaisquer declarações feitas por um parlamentar que ecoarem em jornais, revistas, televisões e rádios, verdadeiras ou falsas, fiquem no limbo e sem apuração apenas pelo uso inadequado de uma prerrogativa constitucional?

Penso que não, pois, como sabemos ou deveríamos saber, o poder não é, pura e simplesmente, apenas poder. Todo poder é, a um só tempo, um poder-dever, e, nas palavras do professor Fábio Konder Comparato, um dos princípios cardeais da República é a eqüipolência entre responsabilidade e poder (Crime de Responsabilidade – Julgamento pelo Senado de Presidente da República que renunciou ao cargo, in Direito público, estudos e pareceres, Editora Saraiva, São Paulo, 1996, p. 198).

“Os Deputados e Senadores, em princípio, têm o dever de testemunhar em juízo sobre fatos que se suponha de seu conhecimento e indispensáveis à instrução do processo penal e civil. Não pode ser intimado como testemunha, sob pena de ser conduzido debaixo de vara. O Juiz do processo tem o dever de tratá-los com a cortesia que merece um membro de outro Poder. O princípio da harmonia entre os Poderes o exige. Deve ser convidado a prestar seu testemunho em dia e hora convenientes. Por outro lado, o parlamentar precisa corresponder ao membro de outro Poder com a mesma lhaneza, indicando dia e hora da maneira mais apropriada possível ao funcionamento do juízo. A Constituição não dá o privilégio de o parlamentar ser ouvido em lugar por ele designado. Em princípio, fá-lo-á em juízo no dia e hora marcados. Contudo, os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.” – grifei – (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, editora RT, 6ª edição, São Paulo, 1990, p. 461).

É preciso que o Senador diga se e como obteve as informações, demonstrando inequivocamente que estava no exercício do mandato, para que a regra tenha validade.

Portanto, se a “denúncia” foi feita por um Senador da República é ele quem deve responder política, penal e civilmente se ela é verdadeira ou falsa, pois ele não tem apenas poder de usar as prerrogativas contidas no “estatuto dos congressistas”, ele tem o poder-dever de exercitar o mandato com responsabilidade, pois poder e dever são eqüipolentes na República.

O exercício do poder é uma função e não um domínio, tal como um feudo.

Na qualidade de testemunha o Senador talvez não diga sobre suas fontes, se são reais ou fictícias, legais ou ilegítimas, mas na qualidade de réu em uma ação de danos morais, para demonstrar que não os causou terá o ônus de demonstrar a verdade sobre os fatos.

Por outro lado, e sobre outro aspecto, havendo uma “denúncia” de ilegalidades praticadas por agentes públicos, a imprensa deve procurar a verdade subjacente aos fatos.

Não há possibilidade de subserviência, de temor reverencial ou de omissão.

A crítica aos órgãos e aos agentes oficiais é um dever e um direito da imprensa e, principalmente, do Povo.

Leda Boechat Rodrigues lembra dois casos em que a Suprema Corte do Estados Unidos teve oportunidade de julgar a questão da liberdade de imprensa. Em um dos casos, o matutino The New York Times havia publicado um anúncio de quatro pessoas que haviam descrito os maus tratos sofridos por Martin Luther King em Montgomery, tendo sido proposta uma ação por um funcionário do Estado do Alabama contra o jornal. O Ministro William J. Brennan Jr assim se referiu em parte da decisão: “A proposição geral de que a Primeira Emenda assegura a liberdade de expressão sobre questões públicas foi há muito firmada pelas nossas decisões.


Assim, consideramos este caso na perspectiva de um profundo compromisso nacional quanto ao princípio de que o debate de questões públicas deve ser livre de quaisquer inibições, robusto e aberto, podendo incluir ataques veementes, cáusticos e, algumas vezes, desagradáveis ao governo e aos funcionários públicos.” – grifei – (A corte de Warren, ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991, p. 261).

Não é possível desencorajar os possíveis críticos da conduta e da postura oficial de exprimirem sua opinião. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário, além dos demais órgãos e funcionários do Estado não estão imunes a críticas, ainda que veementes.

Na mesma questão decidida por aquele Tribunal de Justiça, o Ministro Hugo L. Black assim se pronunciou: “Afastando-me, neste ponto, da Corte, Voto no sentido de reformar a decisão recorrida baseando-me, exclusivamente, no fundamento de que o Times e os outros réus têm direito absoluto e incondicional de publicar, no referido anúncio, sua crítica aos órgãos oficiais e aos funcionários públicos de Montgomery. …Suspeito que esta Nação pode viver em paz sem ações de difamação baseadas na discussão pública de assuntos públicos e funcionários públicos, mas duvido que um país possa viver em liberdade quando seu povo pode ser obrigado a pagar, física e financeiramente pelas críticas feitas ao governo, às suas ações e aos seus funcionários. ‘Uma democracia deixa de existir no momento em que os funcionários públicos são de qualquer modo absolvidos de responsabilidade perante os seus constituintes; e isso acontece sempre que o constituinte pode ser impedido, por qualquer forma, de falar, escrever, ou publicar suas opiniões sobre qualquer medida publicam, ou sobre a conduta daqueles que podem aconselhá-la ou executá-la’. O direito incondicional de dizer o que se quiser sobre os assuntos públicos é, na minha opinião, a garantia mínima da Primeira Emenda.” – grifei – (A corte de Warren, ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991, p. 263).

Por fim, é preciso mostrar, ainda, as sábias palavras do Ministro Arthur Goldberg para quem: “A teoria da nossa Constituição é a de que cada cidadão pode dizer sobre matérias de interesse público; os que controlam o governo não podem impedi-los de falar ou publicar, por acreditarem que o dito ou escrito é insensato, injusto ou malicioso. Numa sociedade democrática, aquele que age oficialmente, em função executiva, legislativa ou judiciária, em nome de seus concidadãos, deve esperar que seus atos oficiais sejam comentados e criticados. Tais críticas não podem, a meu ver, ser amordaçadas ou impedidas pelos tribunais, a pedido dos funcionários públicos, a pretexto de serem caluniosas. ….Isto não significa que a Constituição protege afirmativas difamatórias dirigidas contra o procedimento privado de um funcionário ou de um cidadão privado.” (A corte de Warren, ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991, p. 263).

Durante todo o início da República Federativa do Brasil, sempre permeada de autoritarismo, incompreensão e intolerância para com a opinião alheia, e muito antes das decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte, o nosso Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido o direito à liberdade de imprensa e à liberdade de pensamento, como demonstrou Lêda Boechat Rodrigues nos três volumes da História do Supremo Tribunal Federal, da editora Civilização Brasileira.

No caso dos autos, segundo penso, não somente há imprescindibilidade de buscar toda a verdade sobre a privatização do sistema Telebrás, não somente em virtude dos em tese possíveis ou prováveis atos de corrupção, mas também porque os artificialismos (que fizeram, enfim, aparecer a “mão invisível” smithiana) criados pelo Governo geraram uma venda quase pelo preço mínimo e, ainda, posteriormente, o BNDES teve que resgatar parte do patrimônio, posto que a empresa não se sustentava financeiramente.

Não há instituição ou funcionário público imune a críticas, ressalvadas as ofensas à honra e aos atos da vida privada dos funcionários.

Mas como já dito, as reportagens mostram a questão fazendo eco às “denúncias” de um Senador da República, levantando outras circunstâncias, pessoas, fatos e documentos que tenham ligação uns com os outros.

Desta forma, a busca do autor pela verdade de seu comportamento à frente de uma Diretoria do Banco do Brasil será feita nas investigações levadas a cabo pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pelo Congresso Nacional, não se resolvendo na seara do dano moral. Isso porque o autor, aplicando-se o paradoxo do brasileiro de forma evidente, não pode dizer que não participou do episódio, que não esteve à frente da Diretoria do Banco do Brasil, que não teve participação na formação da Telemar, e que agora se sente afetado em sua vida privada, ofendido moralmente.

Não são devidos danos morais, em um primeiro momento, porque não se trata de atos da vida privada exclusivamente. Os atos da vida pública, muito ao contrário, possuem outras premissas, distintas, pois envolvem os negócios públicos, o dinheiro público e os interesses da comunidade de forma ampla.

Nas palavras do quase já esquecido José Augusto César existem bens e relações que escapam aos danos morais, e esta exclusão se dá “[…] por uma boa definição de direito e por uma sábia regulamentação dos interesses […]” – grifei – (Dano moral, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. LXIII, 1968, p. 337/340).

Como se vê, de acordo com uma boa definição de direito, em razão da inexistência de uma invenção sobre os fatos, mas na repercussão das “denúncias” feitas pelo Senador Antônio Carlos Magalhães, e por uma sábia regulamentação dos interesses, regida pelo envolvimento específico do autor com o episódio, bem como por estar na condição de agente público no momento dos fatos, não há danos morais aplicáveis.

Diante do exposto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de natureza condenatória contido na inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil.

Condeno o autor ao pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$15.000,00(quinze mil reais), para cada uma das partes rés, tendo como base a equidade, nos termos do art. 20, § 3º, letras “a”, “b” e “c”, e § 4º, do Código de Processo Civil, tendo em vista a necessidade de ressarcimento das despesas que os réus tiveram com os honorários advocatícios, bem como em virtude do tempo transcorrido desde o início do processo e do trabalho envolvido desde então.

P.R.I.C.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2006.

CLÓVIS RICARDO DE TOLEDO JÚNIOR

Juiz de Direito

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