Nepotismo legalizado

Toda instituição devia ser chefiada por membros de carreira

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16 de março de 2006, 7h00

Segundo o português Nuno Rogeiro, “o termo nepotismo serviu originalmente para referir à prática papal de escolha de sobrinhos na concessão de cargos e distribuição de domínios. Por extensão, passou a designar a forma de corrupção política em que o detentor do poder dirige um sistema de favor, atribuindo lugares públicos e benesses várias aos seus familiares. Fala-se em compadrio para designar a forma de favoritismo em relação a parentes rituais” (Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado).

A Larousse define nepotismo como: “1- Política adotada por certos papas que consistia em favorecer sistematicamente suas famílias; 2- Abuso de crédito em favor de parentes ou amigos; 3- Favoritismo, proteção escandalosa, filhotismo”.

O nepotismo é uma prática enraizada nas três esferas do poder. Nem o Judiciário está fora, como tem mostrado a mídia. Quem devia ser exemplo de probidade e moralidade não é. Como esperar justiça se a instituição encarregada de prestá-la burla princípios éticos básicos?

Os adeptos do nepotismo rebatem que, para assessorá-los, precisam nomear pessoas de sua confiança e daí a escolha de parentes. Eu entendo que a confiança é inerente ao serviço público. Diz respeito ao bom desempenho da função no trato com a coisa pública. Deve ser um atributo básico do servidor, seja vitalício, seja temporário. Antes do chefe, o servidor requer a confiança do povo, destinatário dos serviços públicos e mantenedor da máquina estatal com o pagamento de tributos. Confiança só do chefe, para esconder práticas escusas, como se vê amiúde, é cumplicidade, na pior acepção do termo.

Mas o nepotismo é mais do que empregar parentes. Vejo esse câncer em muitas outras situações. Que nome se pode dar à prática de beneficiar amigos ou correligionários políticos na hora de comprar bens ou contratar serviços públicos, burlando licitações ou até mesmo dispensando-as quando a lei exige? Como se pode definir o caso Lulinha-Telemar [a empresa do filho do presidente Lula teria recebido R$ 5 milhões da Telemar]? Legislar em causa própria é o quê? E o corporativismo demonstrado pela Câmara no julgamento dos deputados envolvidos no mensalão?

Há situações que, embora legais, para mim não passam de nepotismo. Como se sabe, nem tudo que é legal é justo e moral. O procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo é nomeado pelo governador. Os membros do Ministério Público votam, indicando quem querem no comando da instituição, mas o governador não é obrigado a nomear o mais votado. Na lista tríplice, ele escolhe o que quiser.

Nos anos 90, o então governador Mário Covas desprezou a vontade da classe numa eleição e não nomeou o mais votado, embora se deva reconhecer que o nomeado teve boa gestão. Há quem diga que na eleição que se aproxima isso se repita. Eu não creio. É legal, mas, cá entre nós, é moral o governador escolher o chefe da instituição encarregada de processá-lo criminalmente? O dispositivo legal que prevê essa ingerência deveria ser revogado, principalmente agora que existe o Conselho Nacional da Justiça e do MP.

A segurança pública no estado de São Paulo deixa a desejar. Há anos e anos os secretários da pasta são membros do MP inexplicavelmente. Por que não são nomeados policiais de carreira para o cargo? A Polícia tem gente qualificada e, a meu ver, mais capaz de exercer esse múnus.

Aliás, todas as instituições e empresas públicas deveriam ser chefiadas por membros de carreira, aqueles com os atributos necessários. Se os de hierarquia inferior têm de ser contratados mediante concurso público, do meio deles, dentre aqueles que se destacam pela competência, dedicação e probidade, deveria sair o ocupante do cargo máximo.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal são indicados e nomeados pelo presidente da República. A nomeação é precedida de sabatina pelo Senado, que precisa aprovar a indicação. Não se tem, entretanto, notícia de rejeição de algum nome. A cúpula do Poder Judiciário é, assim, moldada pelo chefe do Poder Executivo. Nem o Judiciário, nem a OAB, nem o MP são chamados a participar da escolha, a sugerir nomes, embora haja indicação de membros de seus quadros. É o nepotismo legalizado, pois a escolha comumente recai em quem tem certa proximidade do Poder Executivo.

Vejam que o ministro da Justiça geralmente ganha uma cadeira no STF. Se a mais alta instância da Justiça, competente para julgar os crimes praticados pelo presidente da República, não tem liberdade para formar sua própria estrutura, como dizer que há Estado Democrático de Direito? A escolha pelo chefe do Executivo não tem razão de ser depois da criação do CNJ e nem tinha antes.

O nepotismo precisa ser extirpado. O Banespa, uma empresa rentável, saiu do patrimônio paulista em razão desse mal. Se o presidente do banco fosse funcionário de carreira e cumprisse à risca as normas, impedindo a pilhagem por políticos, não seria necessário vendê-lo e ver o lucro ir para fora do país.

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