Caráter político

Recurso extraordinário visa preservar a ordem pública

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15 de março de 2006, 7h00

Conforme noticia Ovídio A. Baptista da Silva1, o critério usado na Europa para distinguir os recursos ordinários dos extraordinários é diverso do critério brasileiro.

No sistema europeu, ordinários são os recursos interpostos na mesma relação processual enquanto extraordinários são os interpostos após o trânsito em julgado da decisão, o que equivaleria à nossa ação rescisória ou revisão criminal.

Sob esta ótica, todos os recursos, no Direito brasileiro, seriam ordinários pois interpostos na mesma relação processual, tendo natureza jurídica de prorrogação do direito de ação2, direito este que foi exercitado, primeiramente, quando da propositura da ação.

A doutrina brasileira, por sua vez, utiliza critérios diversos para diferenciar os recursos ordinários (também chamado de comuns) dos extraordinários.

Sob uma primeira análise, recursos ordinários são aqueles interponíveis perante a Justiça ordinária, ou seja, perante os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição. Não são apenas interpostos perante as instâncias ordinárias, mas também são julgados por ela. Assim, são recursos ordinários a apelação, o agravo e os embargos de declaração, por exemplo.

Extraordinários, por sua vez, sob a mesma ótica, são aqueles cuja competência para o seu julgamento é atribuída a um órgão especial, diverso dos juízos de primeiro e segundo graus. Os recursos extraordinários se dividem em: recurso extraordinário stricto sensu e recurso especial, ambos de competência das instâncias extraordinárias, no caso Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.

Porém, nem todas os recursos endereçados ao STF e ao STJ possuem natureza extraordinária. Assim, os recursos que, endereçados ao STJ, atacam decisão denegatória de Mandado de Segurança ou de Habeas Corpus prolatada por um Tribunal de Justiça não possuem natureza extraordinária, mas sim ordinária, pois, nesta situação, o STJ atua como verdadeiro órgão revisor de segundo grau.

Outro critério diferenciador está relacionado ao interesse recursal. O ministro Athos Gusmão Carneiro3 bem explicou a questão, dizendo que os recursos comuns (ordinários) respondem imediatamente ao interesse do litigante vencido em ver ser reformada a decisão que o desfavoreceu. Por isso, o interesse recursal está contido apenas na idéia de sucumbência, ou seja, falta de correspondência integral entre o que se pede e o que se ganha. Visa, portanto, tutelar direitos subjetivos próprios do recorrente não obtidos com a decisão recorrida.

Não é outra a opinião de José Frederico Marques4 ao dispor que “recurso comum (leia-se ordinário) é aquele em que a sucumbência constitui condição suficiente para ser pedido novo julgamento”, sendo a sucumbência, portanto, o único fato ensejador do direito subjetivo de recorrer.

Já os recursos extraordinários respondem imediatamente a questões de ordem pública, fazendo prevalecer a autoridade e a exata aplicação da Constituição e da lei federal, conforme seja caso de recurso extraordinário stricto sensu ou recurso especial. Assim, recursos extraordinários são aqueles “em que o direito de recorrer provém da sucumbência e de um plus que a norma processual exige”5. Esse plus seria a necessária demonstração de uma questão federal controvertida em relação à aplicação do Direito federal (constitucional ou infraconstitucional). Cabe aos recursos extraordinários, destarte, proteger o direito objetivo.

Daí resulta o caráter político dos recursos extraordinários, pois, ao contrário do pensamento de muitos, seu fim imediato é a preservação da ordem pública, visando sempre a unidade e uniformidade interpretativa da legislação federal constitucional e infraconstitucional.

Neste campo de idéias, inevitável a conclusão de que, quando se interpõe um recurso especial para o STJ, de forma imediata quer a parte recorrente garantir a unidade e integridade do Direito federal positivo e, apenas de forma mediata, ver seu direito subjetivo tutelado. Invoca-se, portanto, uma questão federal controvertida pertinente à aplicação do Direito federal, a fim de que a decisão a si desfavorável possa ser reformada.

Por fim, o âmbito de devolutividade dos recursos também nos parece ser outro critério apto a diferenciar os recursos ordinários dos extraordinários. Isso porque o âmbito de devolutividade dos recursos comuns é bem amplo, podendo, na apelação, por exemplo, discutir-se questões não decididas pelo juízo de primeiro grau.

Nos recursos extraordinários, por sua vez, a devolução está restrita às matérias discriminadas na Constituição, ou seja, a questão federal controvertida que, efetivamente, foi decidida pelo órgão jurisdicional de segundo grau6.

Uma análise desavisada do tema em questão chegaria à inevitável conclusão de que a distinção entre os recursos ordinários e os recursos extraordinários carece de utilidade. Porém, saber distingui-los é de grande importância para aqueles se interessam por um estudo mais aprofundado da teoria geral dos recursos e, por que não dizer, dos recursos em espécie.

Referências bibliográficas

– CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno: Exposição didática – Área do Processo Civil, com invocação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Rio de Janeiro, Forense, 2005.

– MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, Campinas: Millenium, 2003, pág. 384.

– NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos – Coleção Recursos no Processo Civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

– SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 2005.

Notas de rodapé

1 – Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

2 – A doutrina majoritária entende que a natureza jurídica dos recursos consiste numa prorrogação do direito de ação, e não uma ação autônoma, como, por exemplo, a ação rescisória, o mandado de segurança contra ato judicial e, ainda, o reexame necessário. Nesse sentido, Nelson Nery Júnior in Teoria Geral dos Recursos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pág. 218.

3 – Athos Gusmão Carneiro. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno: Exposição didática – Área do Processo Civil, com invocação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro, Forense, 2005, pág. 3.

4 – José Frederico Marques. Manual de Direito Processual Civil, Campinas: Millenium, 2003, pág. 384.

5 – José Frederico Marques, op. cit., pág. 384.

6 – Caso a questão federal invocada no recurso especial ou no recurso extraordinário não tenha sido previamente analisada pela instância a quo, o recurso não será conhecido por ausência do requisito jurisprudencial de admissibilidade do prequestionamento.

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