Acidentes de trabalho

Acidentes de trabalho devem ser retirados dos gastos da Previdência

Autor

  • Wagner Balera

    é professor titular na Faculdade de Direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e livre-docente e doutor em Direito Previdenciário pela mesma universidade.

14 de março de 2006, 7h00

Há algum tempo, o governo se mostrou empenhado em encontrar solução para o grave problema dos acidentes do trabalho. Seminários, mesas-redondas e projetos foram elaborados. No entanto, o assunto, de uma hora para outra, saiu de cena.

Tendo em vista que a Constituição não opõe qualquer óbice formal a que certo setor da seguridade social venha a ser objeto de exploração, parcial ou total, pela iniciativa privada (matéria na qual impera ampla e discricionária liberdade de decisão política do legislador), as propostas que vinham sendo elaboradas propunham, inteligentemente, que o risco acidentário do trabalho fosse gerido por seguradoras privadas.

Tal proposta rima com a Constituição que determinou, de modo expresso, que fosse institucionalizado plano especial e especifico de custeio e de prestações acidentárias. Pode haver, entre o público e o privado, lugar legítimo para a construção de modelo sólido de proteção social.

O que não podemos seguir assistindo é a utilização dos recursos gerais, carreados ao orçamento da seguridade social, para financiamento das prestações decorrentes de acidentes do trabalho cujo custeio deve ser feito exclusivamente pelas empresas.

A nova carteira de acidentes, desatrelada da Previdência Social, permitiria maior transparência em setor no qual a prevenção é mais importante do que a reparação. Admitiria, além disso, legítima disputa de mercado entre seguradoras, aptas a incentivarem os clientes que investissem na prevenção.

Sabe-se que o número de acidentes é alarmante. Mas tal número é desconhecido por todos, porque convivemos com a notória subnotificação. As estatísticas oficiais, já um pouco ultrapassadas, dos organismos internacionais situavam o Brasil como campeão mundial dos acidentes do trabalho.

No entanto, o Anuário Estatístico de Acidentes elaborado pelo Ministério da Previdência Social registra pouco mais de 450 mil ocorrências em sua última versão, pouco mais da metade do número registrado em 1999. Poderíamos aplaudir, não é mesmo? Afinal, oficialmente, os acidentes estariam em queda livre. Prosseguindo nesse ritmo, dentro de cinco anos, o Brasil teria saído da pole position para o último lugar.

Infelizmente, ainda nesse caso, as estatísticas não podem ser levadas a sério. O criterioso professor José Pastore anota que cerca de 80% dos acidentes não são notificados. Portanto, o número oficial representa um quinto da realidade.

Recentemente, o Conselho Nacional de Previdência Social expediu norma que poderá aprimorar os controles estatais sobre o assunto, possibilitando às empresas que, de fato, venham a investir na proteção, significativa redução das alíquotas.

Percebo que tal providência, no entanto, não é suficiente. Faltam estruturas efetivas de controle estatal para o acompanhamento da realidade social. De fato, a solução, preconizada pelo engavetado projeto elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, da institucionalização das administradoras de riscos do trabalho parece mais ajustada aos tempos modernos.

O perfil de cada empresa será registrado na apólice e as experiências acumuladas dos riscos, como em qualquer seguro, determinarão os custos a serem cobertos. Quem investir em prevenção terá, em contrapartida, redução no prêmio a ser pago no seguro acidentário que contratar.

Convém, é claro, que os trabalhadores, as grandes e principais vitimas dos acidentes do trabalho, por intermédio de suas organizações de classe, fomentem o oportuno debate sobre tal matéria.

O contrato a ser celebrado entre as empresas e as seguradoras deve ser revestido de características especiais, diante da notória relevância pública do assunto e da necessidade de boa, eficiente e transparente gestão de tão importante carteira.

Quem sabe não seja esse um tópico de discussão para o novo Plano Diretor do Sistema de Seguros, que se configura como o marco regulatório para esse tão importante setor da economia nacional.

O mercado segurador privado vem crescendo, notadamente no segmento previdenciário, já representando mais de 3% do PIB. Mas seu ritmo de crescimento, se comparado com o de outros países, onde a participação no PIB oscila entre 6 e 10%, poderá ser acelerado com a implementação dessa modalidade diferenciada de cobertura.

Ao ser investido, pela coletividade, do poder-dever de controlar o vínculo entre companhia seguradora e empresa, o poder público poderá, igualmente, cobrar mais eficiente controle do risco coberto, beneficiando a população protegida. Talvez com esse mote todo o sistema nacional de seguros privados possa passar por uma revitalização, com estrutura de gestão consentânea com o Estado moderno.

Um contrato de gestão, tal como já existente entre as modernas agências reguladoras e o poder público poderia disciplinar os controles da atividade de seguro acidentário, com o compromisso de adoção do sistema de tarifação risco a risco, com graduação progressiva sempre que o índice de acidentes ocorridos na empresa tomadora superasse o índice médio do setor e de manutenção do controle de sinistralidade.

O contrato de seguro a ser comercializado junto aos empregadores, por seu turno, estaria regulado por cláusulas obrigatórias de estimulo a investimentos em segurança do trabalho e na boa conservação do meio ambiente do trabalho.

As condições de rescisão do contrato, nos casos de descumprimento das estipulações obrigatórias, deveriam ser comunicadas à agencia reguladora para fins de controle e providencias punitivas. Superpõe-se, assim, o componente social ao mero esquema privado de operação de um negócio lucrativo.

O contrato de seguro de acidentes cumpre missão social que não pode ser descurada nem pelo Estado, nem pelo segurador, nem pelo empregador.

No rumo da reprivatização, o produto seguro contra acidentes do trabalho haverá de submeter-se, como parece curial, aos ditames da economia de mercado, assim no que concerne aos prêmios a serem cobrados pelas seguradoras como no que atina com condições em que se dará o resseguro, elemento indispensável em operações de tão grande vulto.

Em suma, que nessa transferência para o setor privado desse importante serviço publico não ocorra aquilo que ironicamente repelia Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira quando lhe falavam da privatização da previdência social: “querem privatizar o lucro e socializar o prejuízo”.

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