Nova doutrina

Questões jurídicas modernas esperam pela nova geração do STF

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13 de março de 2006, 12h14

A longa entrevista que o ministro José Paulo Sepúlveda Pertence concedeu ao Estado (clique aqui para ler a íntegra), comentando os problemas do Poder Judiciário, tem, também, o sentido de uma prestação de contas. Decano do Supremo Tribunal Federal, onde chegou em 1989, no início da redemocratização do país e imediatamente após a promulgação da Constituição que hoje está em vigor, ele cogita de se afastar da corte ainda em 2006, aos 69 anos, sem esperar pela aposentadoria compulsória.

Por isso, Pertence aproveitou a entrevista para fazer um importante balanço das mudanças ocorridas ao longo das duas últimas décadas na ordem jurídica e no sistema judicial do país, para cuja consolidação ele e vários outros ministros de sua geração, como José Carlos Moreira Alves, Octávio Galotti, José Néri da Silveira, Sidney Sanches e Carlos Mário Velloso, muito contribuíram por meio de seus votos.

Essa geração de magistrados, da qual Pertence é o último a passar o bastão, foi a primeira a julgar ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, dois importantes tipos de recurso judiciais introduzidos após o retorno do país ao Estado de Direito. Ela também inovou ao ampliar o alcance das liberdades públicas asseguradas pela Constituição, ao estabelecer limites para a apreciação judicial de determinadas decisões do Legislativo, ao reconhecer a legitimidade das centrais sindicais para argüir a constitucionalidade de leis no STF e ao coibir sucessivas tentativas das autoridades tributárias de revogar direitos dos contribuintes para converter a legislação sobre crime fiscal em mero instrumento para aumento da arrecadação.

Com a indicação de cinco novos ministros pelo presidente Lula, no curto espaço de apenas três anos o Supremo sofreu uma mudança radical em sua composição. E com a possível indicação de mais dois ministros, caso Pertence e Nelson Jobim confirmem a disposição de se aposentar em breve, é inevitável que a nova geração de juízes modifique a linha doutrinária até agora vigente na mais alta corte. Com uma formação distinta da geração anterior, os novos ministros não somente tenderão a reformular jurisprudência já firmada, como também serão obrigados a enfrentar delicadas questões legais com que a geração anterior não teve de lidar.

Essa mudança na jurisprudência começou com a recente concessão do benefício da progressão da pena aos condenados pela prática dos chamados “crimes hediondos”, permitindo-lhes passar do regime fechado para o semi-aberto. Sempre que tratou dessa matéria, a geração anterior de ministros negou expressamente a concessão. Entre as questões jurídicas que a nova geração de ministros terá de enfrentar, duas são particularmente explosivas por suas implicações morais e religiosas. A primeira, que resulta do avanço dos diagnósticos clínicos e foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, trata da interrupção da gestação de feto anencefálico, ou seja, do direito da gestante de interromper a gravidez por ser portadora de um feto cuja vida extra-uterina é inviável.

A segunda questão, que é decorrente do desenvolvimento da biotecnologia, trata das pesquisas com células-tronco embrionárias. Ainda que com várias restrições, essas pesquisas foram autorizadas pela Lei de Biossegurança que está em vigor desde o ano passado. No entanto, sua constitucionalidade foi questionada pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que é ligado à Igreja Católica. Segundo ele, as pesquisas com células-tronco de embriões humanos violam o direito à vida e o princípio constitucional do respeito à dignidade humana.

A vida do direito é mais um “experimento” do que um simples exercício de lógica, dizia, no século 19, o consagrado jurista norte-americano Oliver Wendell Holmes. Com essa afirmação, ele procurava demonstrar que a interpretação das leis muda conforme a história e a formação política e doutrinária dos magistrados. Com a nova composição do STF, portanto, é inevitável que posições da corte já consolidadas sejam alteradas e a Constituição venha a ser interpretada segundo novos critérios, até se consolidar uma nova jurisprudência.

*Editorial publicado no jornal O Estado de S.Paulo neste domingo (12/3)

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