Libertação feminina

Só haverá igualdade se acabar tripla jornada da mulher

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13 de março de 2006, 13h39

Em 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher. São tantos os eventos, palestras, homenagens e reivindicações que, nos últimos anos, o dia passou a ser semana. Diante disso, é pertinente falarmos da mulher também hoje.

Com os avanços já conquistados e com o arrefecimento do movimento feminista, muitas pessoas perguntam qual o espaço que falta às mulheres conquistar. Está claro que, embora várias medidas tenham sido tomadas para promover a cidadania feminina, inclusive com importantes e definitivas alterações legais, a verdadeira igualdade ainda parece distante.

Se, por um lado, as mulheres assumiram funções importantes na esfera profissional e alcançaram posições sociais de respeito, por outro lado, na vida familiar, quase tudo continua como antes. As tarefas domésticas ainda recaem exclusivamente sobre as costas da esposa-mãe que, além de trabalhar fora para pagar as despesas da casa, tem de arcar com a responsabilidade de cuidar dos filhos, preparar a comida, lavar, passar, limpar.

Interessante observar que a disposição para a luta e a coragem de enfrentar os obstáculos que guiaram as revolucionárias desde o começo do século passado parecem não existir quando o embate tem de ser travado em casa. Sim, porque muitos poucos serão os homens dispostos a dividir o serviço doméstico e a atenção com os filhos espontaneamente. A grande maioria precisará ser instada a isso e de maneira enérgica.

Enquanto não houver igualdade de direitos e deveres no âmbito familiar, as mulheres continuarão sendo exploradas e oprimidas. Terão chances menores na competição profissional pelo simples fato de que não poderão dispor do mesmo tempo para o trabalho fora do lar que seu concorrente homem. A dupla ou tripla jornada de trabalho da mulher precisa acabar para que a igualdade de gênero se instale sem distorções.

Outro passo que precisa ser dado é no sentido da libertação dos padrões de beleza inalcançáveis que vêm sendo impostos como valor primordial para que as mulheres sejam aceitas e respeitadas.

É importante lembrar que a sociedade patriarcal estabeleceu que as mulheres não têm nenhum outro valor que não seja a beleza. Precisam ser bonitas e nada mais para agradar aos homens e gerar seus filhos. Depois dos filhos, o corpo se modifica, a idade chega, a rotina do casamento deixa as mulheres desanimadas e tristes. Feias. Por essa razão, a partir da meia-idade, as mulheres perdem poder e respeitabilidade. Além disso, a repressão patriarcal envelhece as mulheres antes do tempo.

Desde que o mundo ocidental mudou e a cidadania feminina passou a ser reconhecida, seria razoável supor que a beleza iria adquirir uma posição secundária na escala de prioridades. Não foi o que aconteceu.

Há quem interprete a supervalorização da estética corporal como uma reação patriarcal à emancipação feminina. A americana Susan Faludi escreveu um livro — Backlash — defendendo essa tese. De outra parte, há quem credite o fato à indústria da beleza, que fatura milhões com a paranóia de perfeição e juventude.

Seja qual for a causa, a verdade é que urge fazer alguma coisa para colocar a beleza no seu devido lugar. Caso contrário, as mulheres continuarão enfraquecidas, porque magras demais, ou doentes, porque anoréxicas, preocupadas com dietas e plásticas. É evidente que essa situação é obstáculo à emancipação. Se só o que conta são seios e nádegas, a sexualidade está prejudicada, pois não depende de peitos grandes nem de traseiros proeminentes. Acresce que ninguém consegue continuar jovem quando a idade chega. As exigências de beleza são uma forma de agressão física e psicológica bastante grave.

Algumas manifestações sutis de violência podem ser mais devastadoras do que os ataques físicos diretos. Combatê-las é o que nos falta para que se complete o processo de libertação feminina.

Autores

  • Brave

    é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer — o caso Euclides da Cunha”, ambos da editora Saraiva. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC.

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