Eleições 2006

Conduta ética só é possível se empresa conhece a lei

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13 de março de 2006, 18h10

A sociedade brasileira deposita suas esperança nos seus agentes econômicos, não importa qual tenha sido suas desilusões passadas e nem quem as tenha causado. A sociedade quer e espera dos agentes econômicos, nesse ano que se inicia, condutas que obedeçam aos três valores éticos: honestidade, verdade e justiça.

O novo ano terá dois acontecimentos que polarizarão as atenções: no esporte e no marketing, será a disputa da copa do mundo de futebol; na política e na economia, será a eleição presidencial e para os demais cargos públicos (governadores estaduais, senadores, deputados).

Na campanha política que precederá as eleições, estará o maior desafio ético para as empresas. Elas se verão cercadas pelo debate e pela disputa política. Seus interesses e dos seus acionistas poderão ser afetados pela tomada do poder ou continuidade no poder de um ou de outro partido político.

Esse será o ano em que os empresários e os executivos que atuam no Brasil serão forçados a se defrontar com os maiores dilemas éticos. Em qualquer sistema econômico, a iniciativa privada depende do governo, em maior ou menor grau, no mínimo para não ter suas atividades paralisadas, restringidas ou eliminadas pelas regulamentações.

No Brasil, o governo ainda continua sendo um grande cliente, de todos os segmentos econômicos. Portanto, a arte de dirigir uma empresa sem gerar exigibilidades contingentes por condutas irregulares, ou seja, sem violar a lei, e, ao mesmo tempo, sem inviabilizar-lhe o destino passa a ser a mais importante missão dos administradores no ano que se inicia.

A prática da ética empresarial gera sempre muitos dilemas. Só o apego permanente aos valores éticos pode solucioná-los. Mas, no que se refere ao relacionamento com governantes e candidatos ao governo, há outro parâmetro capaz de resolver os questionamentos: é a lei.

Deve-se considerar que o primeiro dever ético de qualquer pessoa ou organização é o de cumprir a lei. Para cumprir a lei, é necessário conhecê-la. A empresa ética deve manter procedimentos que permitam aos seus administradores e empregados conhecer os textos legais relevantes, aplicáveis às suas atividades, inclusive aqueles que se referem às suas responsabilidades pessoais.

É o conhecimento da lei por parte de todos, e não apenas dos advogados, que levará a uma conduta ética no ano que se inicia, e em todos os demais. A ética das contribuições a campanhas eleitorais está em fazê-las, quando a empresa assim decidir, dentro dos limites, nas formas e nos prazos previstos nos textos legais.

A contribuição a campanhas políticas no Brasil, por parte das pessoas jurídicas, é legal desde que limitada a 2% do faturamento do último ano da organização doadora. Além disso, a contribuição deverá ser feita ao partido político, que a registrará em conta própria da campanha, sob fiscalização do Tribunal Superior Eleitoral.

A empresa ética pode decidir fazer a contribuição, nos limites e na forma da lei, ou seja, mediante um comprovante subscrito pelo partido que reflita essa doação. A empresa ética deve até mesmo acompanhar a aplicação dos recursos pelo partido, mediante a prestação de contas que será feita ao TSE. O TSE promete que, nesse próximo certame eleitoral, tornará disponível em seu site os dados dos gastos de cada campanha, imediatamente após as suas apresentações. A empresa poderá, então, denunciar ao próprio tribunal qualquer irregularidade que verificar.

Mas a empresa não pode, nem sob a perspectiva da ética e nem da lei:

(a) concordar em disfarçar a contribuição à campanha, mediante o pagamento de despesas fictícias de quaisquer espécies, comprovadas por documentos fiscais que não reflitam a realidade. A empresa precisa se opor a esse procedimento mesmo que isso a exponha ao risco de eventuais retaliações do partido vencedor. Lembremo-nos de que esse sistema de disfarce é o principal elemento para o caixa dois das campanhas;

(b) fazer contribuição política visando um favorecimento futuro, de qualquer espécie, seja na condição de administrada, de participante de certame licitatório, de contribuinte ou qualquer outra.

É preciso reconhecer, também, que não há qualquer obrigatoriedade para a empresa de fazer contribuições às campanhas eleitorais. Ela pode optar por adotar uma diretriz de total abstenção de participação no processo bem como de aporte de recursos financeiros às campanhas.

Para fazer frente a eventuais retaliações dos vencedores, o ordenamento jurídico brasileiro oferece remédios e salvaguardas muito eficientes.

É preciso tomar cuidado, por outro lado, para com as contribuições imateriais. Por exemplo, permitir que um candidato visite uma fábrica e faça um discurso para os trabalhadores presentes é uma contribuição política imaterial. Ela só poderá se justificar, sob o ponto de vista ético, se for oferecida também aos opositores do primeiro candidato, em igual tempo e com igual oportunidade de interação com a platéia.

Para ter um excelente 2006, os administradores de empresas devem se cientificar das suas respectivas responsabilidades civis e penais, decorrentes da violação da lei, no que se refere às doações aqui tratadas. De um modo geral, a responsabilidade pessoal do administrador ocorre quando ele autoriza uma decisão de prática de ato ilícito, ou dela participa, ou quando dela tem conhecimento e não toma as atitudes para denunciar o fato aos acionistas e às autoridades, ou, ainda, quando podendo, não a interrompe.

Como conclusão, os maiores desafios éticos de 2006 são aqueles que podem ser facilmente afastados com o auxílio da lei. Vamos nos valer da lei como critério ético nesse ano que se inicia.

(Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico)

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