Honorário indevidos

Advogado não consegue trancar Ação Penal por crime financeiro

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13 de março de 2006, 15h53

O advogado Luiz Fernando Oliveira Pires não conseguiu trancar Ação Penal a que responde por crime contra o sistema financeiro. Ele é acusado de se receber indevidamente R$ 2 milhões de honorários advocatícios do banco Interunion.

A 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou pedido de Habeas Corpus do advogado, que pretendia suspender audiência marcada para esta terça-feira (14/3) e trancar o processo contra ele. Ainda cabe recurso.

O Interunion está em processo de liquidação extrajudicial desde 1997 por causa de um rombo de R$ 240 milhões no título de capitalização Papa Tudo, administrado pela instituição financeira. O mérito da ação será julgado pela 5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que recebeu uma denúncia do Ministério Público Federal.

Segundo a denúncia do MPF, o advogado teria recebido a quantia por atuar no resgate das Letras do Tesouro de Alagoas em favor do banco. O MPF acusa o advogado de sequer ter atuado no processo de recebimento dos títulos, já que o contrato de prestação de serviços advocatícios, firmado entre o réu e o Banco Interunion em outubro de 1997, foi rescindido cinco anos antes da data do pagamento dos honorários.

Para o MPF, o pagamento de honorários foi fruto de uma operação de fachada, feita em conluio com o liquidante da instituição financeira para desviar recursos do banco. O artigo 5º da Lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, prevê punição para o controlador, os administradores, o interventor ou o liquidante que se aproprie de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de instituição financeira, em proveito próprio ou alheio.

A defesa do advogado alega que ele não poderia figurar como réu porque não exerceu nenhum dos cargos previstos na lei. Por isso, o advogado pediu o trancamento da Ação Penal.

O desembargador federal Abel Gomes, relator do caso, esclareceu que o que se imputa ao réu é uma conduta em co-autoria. “Como se pode perceber, a figura típica do artigo 5º da Lei 7.492/86 contempla duas situações de destinatários de recursos apropriados ou desviados, que são o próprio agente da apropriação ou do desvio (no caso, o primeiro denunciado na ação penal, o liquidante extrajudicial do banco Interunion, que teria desviado os valores em proveito do advogado) e o terceiro a quem os recursos são desviados em proveito alheio (no caso, o próprio advogado).”

O relator do processo ainda considerou ser improcedente a alegação de que o advogado estaria sofrendo constrangimento ilegal na medida em que a mera instauração de Ação Penal, ainda que importe ônus, não impede por si só o exercício de suas atividades profissionais.

Por fim, o desembargador enfatizou que o prosseguimento da ação é uma oportunidade para que o acusado possa se defender e contestar as alegações do MPF. “A oportunidade para que o paciente possa deduzir sua defesa e, sendo o caso, fazer prova contrária à conduta que lhe é imputada se perfaz durante a instrução criminal, quando assegurados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório”.

Processo 2005.02.01.013175-3

Leia a íntegra da decisão

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ABEL GOMES

IMPETRANTE: SAMUEL BUZAGLO E OUTROS

IMPETRADO: JUIZO DA 5A. VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO

PACIENTE : LUIZ FERNANDO OLIVEIRA PIRES

ADVOGADO: SAMUEL AUDAY BUZAGLO E OUTROS

ORIGEM: QUINTA VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO (200351015056763)

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por SAMUEL BUZAGLO, ALEXANDRA MACHADO e MAIRA FRANCO SANTANA, em favor de LUIZ FERNANDO OLIVEIRA PIRES, contra ato praticado pela MM. Juíza da 5ª Vara Federal Criminal – Seção Judiciária do Rio de Janeiro, nos autos da ação penal n° 2003.51.01.505676-3.

Os impetrantes requereram, liminarmente, a suspensão da audiência de interrogatório, designada para o dia 14/03/2006, e também do trâmite do processo até o julgamento do mérito deste writ.

O paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 5º c/c 25, § 1º, ambos da Lei nº 7.492/86, na forma do art. 29 do CP (fl. 04), e que a denúncia foi provocada por notitia criminis feita por ARTUR FALK, dando conta que LUIZ FERNANDO teria se beneficiado de recursos do Banco Interunion S/A, relativos a pagamento de honorários indevidos (fl. 05).

Os impetrantes asseveraram que, em 01/10/1997, foi firmado contrato de prestação de serviços advocatícios entre o Banco Interunion S/A e o paciente (fls. 05/06) e que referido documento foi obtido com a chancela do BACEN (fls. 07 e 14).

Consoante a inicial, o paciente teria sido contratado para o desempenho somente da função de advogado externo do Banco Interunion S/A (fl. 11).


Os impetrantes argüiram a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor a ação penal, pois a única imputação ao paciente, consiste na manifestação, em ato jurídico, como mandatário em contrato de prestação de serviço profissional, regido pela legislação civil (fl. 13). Conclui que o MPF não poderia ajuizar ação penal para questionar ato jurídico civil.

Alegaram que a autoridade impetrada não teria atentado para as preliminares mencionadas na inicial do presente writ, de modo que a denúncia não foi rejeitada (fl. 13), afirmando que a designação do interrogatório acarreta dano moral irreparável ao paciente (fl. 14).

Segundo os impetrantes, haveria divergência na data de rescisão do contrato de honorários advocatícios firmado pelo paciente e o Banco Interunion S/A (fl. 14).

Também argumentaram que o delito imputado a LUIZ FERNANDO configura crime próprio cujo sujeito ativo somente pode ser uma das pessoas indicadas no artigo 25 da Lei nº 7.492/86 (fl. 15), bem como que o paciente não desviou ganhos com o contrato de honorários advocatícios que celebrou com o Banco Interunion S/A, nem tampouco administrou, dirigiu, regulou ou comandou a instituição financeira (fl. 16). Por essa razão, o crime seria impossível.

Ao final, requereram o trancamento da ação penal aduzindo que não há justa causa para o seu prosseguimento (fl. 26).

A inicial foi instruída, apenas, com cópias do contrato de prestação de serviços (fls. 30/31) e do parecer do BACEN (fls. 32/38).

Às fls. 41/45, foi indeferida a liminar, ressaltando-se que sequer tinha sido juntada cópia da denúncia e da decisão que a recebeu.

Às fls. 52/53, os impetrantes pleitearam a reconsideração da decisão que indeferiu a liminar, juntando cópia da denúncia (fls.54/62) e de seu recebimento (fls. 63/64).

Às fls. 66/69, constam informações prestadas pela autoridade impetrada, que sintetizou (fls. 67/68) os elementos que a levaram a concluir pelo recebimento da denúncia em 05/10/2005. Esclareceu, ainda, que os autos originários foram instruídos com cópia do contrato de prestação de serviços advocatícios e sua rescisão, além de cópia de sentença homologatória proferida pelo Juízo da 16ª Vara Federal.

Às fls. 73/78, o Procurador Regional da República, Dr. Celmo Fernandes Moreira, opinou pela denegação da ordem, aduzindo que restam superadas as alegações do impetrante de ilegitimidade do Ministério Público Federal para propositura da ação penal, com a aplicação do artigo 26 da Lei nº 7.492/86 (fls. 74/75) e que não falta legitimidade passiva a LUIZ FERNANDO, pois a qualidade de liquidante extrajudicial do co-réu é elementar do crime e se comunica aos demais agentes, conforme normas gerais do CP acerca de concurso de agentes (fls. 76/77).

É o relatório. Em mesa para julgamento.

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2006.

VOTO

Reputo sanada a ausência da juntada da documentação necessária, consistente: na cópia da denúncia e da decisão de recebimento (fls. 54/62 e 63/64).

O pedido de fls. 52/53 será examinado no corpo deste voto, visto que os autos já foram instruídos, e que o julgamento do mérito abrange o da própria liminar, sobretudo quando a audiência de interrogatório do paciente está designada para o dia 14/03/2006.

1) Legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor a ação penal

Ao paciente é imputado o fato de ter recebido valores supostamente indevidos, a título de honorários advocatícios, pagos pelo Banco Interunion S/A., em liquidação extrajudicial e sem a observância dos procedimentos específicos, o que, em tese, se amolda à previsão abstrata tipificada no art. 5º da Lei nº 7.492/86.

Assim sendo, a legitimidade para a propositura da ação penal pública instaurada para apurar esses fatos é exclusiva do Ministério Público Federal, a teor do que dispõe o artigo 26 da Lei nº 7.492/86, verbis: “A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal”, uma vez que a ação será pública incondicionada para todos os crimes previstos na referida Lei, observando-se, outrossim, o princípio da oficialidade (art. 129 da CR c/c art. 100 do CP)” (in: MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p.: 152).

Aliás, sequer se pode compreender, exatamente, por que razão o MPF não seria parte legítima para o ajuizamento de uma ação penal que é pública?

Por conseguinte, resta afastada esta preliminar.

2) Legitimidade passiva de LUIZ FERNANDO OLIVEIRA PIRES

Os impetrantes alegam que o delito imputado ao paciente é crime próprio (fl. 15) e que, não sendo LUIZ FERNANDO controlador ou administrador (diretor, gerente) de instituição financeira, ou a eles equiparados (interventor, liquidante, síndico), lhe faltaria legitimidade para figurar no pólo passivo da ação penal.


Acontece que se imputa ao paciente uma conduta em co-autoria, na qual ele teria sido o destinatário dos tais recursos desviados, consistentes nos honorários advocatícios, em tese, indevidos, e não de ter desviado, ele próprio, os recursos de que foi beneficiário.

Nesse sentido, reproduzimos o seguinte parágrafo da denúncia:

“As autorias estão perfeitamente evidenciadas nos autos, eis que o primeiro denunciado [SÉRGIO PINHA – liquidante extrajudicial do banco] assinou o documento de fl. 31 que confirma o pagamento, corroborado por seu depoimento em sede policial, aduzindo que procedeu ao pagamento dos valores de sucumbência ao advogado LUIZ FERNANDO. Quanto ao segundo acusado [o paciente], também restou provada sua autoria, eis que em seu próprio depoimento, à fl.189, esclarece que apresentou a nota de prestação de serviços ao banco” (fl. 61).

Como se pode perceber, a figura típica do art. 5º da Lei n. 7.492/86 contempla duas situações de destinatários de recursos apropriados ou desviados, que são o próprio agente da apropriação ou do desvio e o terceiro a quem os recursos são desviados em proveito “alheio”.

Ademais, a enumeração dos destinatários precípuos da responsabilidade penal no cometimento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, ainda que numerus clausus, deve ser entendida tão-somente como mero indicativo em matéria de imputação, havendo uma série de situações na Lei que não exigem a qualidade prevista no art. 25.

No caso concreto, a denúncia descreve a elementar pessoal referente à qualidade de liquidante extrajudicial, em relação ao co-réu SÉRGIO SALGADO PINHA JÚNIOR, como dispõe o art. 25, § 1º da Lei nº 7492/86, sendo certo que ela se comunica ao ora paciente, por força do art. artigo 30 do CP.

O primeiro denunciado desviara os valores em proveito do segundo, ambas as situações que estão previstas, abstratamente, no art. 5º da Lei n. 7.492/86.

Quanto ao argumento de que não estaria sendo respeitada a imunidade profissional do paciente, no exercício da função de advogado contratado pelo Banco Interunion S/A (fl. 11), este também não merece ser acolhido.

Numa breve leitura do artigo 7º, § 2º, do Estatuto da OAB (Lei nº 8906/94), vê-se que mencionada imunidade refere-se aos crimes de injúria e difamação, no tocante à fundamentação da manifestação do advogado, no exercício de sua atividade, relacionado a uma causa específica.

Em consonância com o acima exposto, reproduzimos o seguinte trecho de comentários acerca do dispositivo legal:

“A imunidade profissional estabelecida pelo Estatuto é a imunidade penal do advogado por suas manifestações, palavras e atos que possam ser considerados ofensivos por qualquer pessoa ou autoridade. (…) É relativa aos atos e manifestações empregados no exercício da advocacia, não tutelando os que deste excederem ou disserem respeito a situações de natureza pessoal.” (in: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 3 ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.: 53).

Trata-se, no caso, de atuação de profissional da advocacia, que nada tem a ver com a defesa em Juízo ou fora dele, que tenha causado lesão à honra de quem quer que seja.

Ademais, segundo narra a denúncia, há fortes indícios de que o contrato já estaria rescindido à época do pagamento e que LUIZ HENRIQUE sequer teria atuado na causa da qual, supostamente, decorreriam os honorários.

Logo, fica superada esta preliminar.

3) Possibilidade jurídica do pedido

Diante do acima exposto, resta totalmente afastada a alegação de que o pedido é juridicamente impossível, uma vez que a providência pleiteada pelo MPF encontra-se prevista, abstratamente, na lei penal.

Como o fato imputado ao paciente constitui, em tese, ilícito penal (artigo 5º c/c 25, ambos da Lei nº 7.492/86), fica elidido o argumento de que a matéria deve ser apreciada na esfera civil.

De modo que, no tocante a esta preliminar, não merece reparo o recebimento da denúncia.

Destarte, superadas as questões preliminares, passo a analisar o pedido dos impetrantes.

4) Alegação de falta de justa causa para instauração e prosseguimento da ação penal

Frisa-se, inicialmente, que o trancamento de ação penal por meio de habeas corpus, embora excepcional, é viável, uma vez que a persecução penal pode gerar, sempre, coação à liberdade física do acusado.

Em síntese, haverá falta de justa causa para o ajuizamento da ação penal quando o fato imputado ao acusado for atípico ou quando não houver, no inquérito ou noutras peças de informação, indícios suficientes de que o acusado seja autor do fato típico que lhe é imputado. É com base nesses elementos que o Ministério Público Federal forma a sua opinio delicti.


Portanto, “em termos de imputação deve haver, sempre, correlação entre os elementos probatórios contidos no bojo da informatio delicti ou em notícia do crime e a acusação pública ou particular. Se isso não acontecer, faltará justa causa para a ação penal, ensejando o cabimento do writ of habeas corpus. Isso porque a ação penal, para ser conforme ao direito, deverá encontrar justificativa em algum elemento de prova” (in: MOSSIN, Antonio Heráclito. Habeas corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência atualizada. Barueri/SP: Ed. Manole, 2005. p.: 135).

Especificamente em relação aos autos da ação penal n° 2003.51.01.505676-3 e no que concerne à imputação feita ao paciente, da prática, em tese, das condutas típicas previstas no artigo 5º c/c 25, § 1º, ambos da Lei nº 7.492/86 na forma do art. 29 do CP, esta se encontra lastreada nos elementos colhidos durante a investigação e descritos na denúncia, consoante analisado no item 1 supra.

Imputa-se, ao paciente, em tese, a conduta de ter recebido honorários advocatícios indevidos, no montante de R$ 2.080.470,00 (dois milhões, oitenta mil e quatrocentos e setenta reais) que, em teoria, seriam relativos à prestação de serviços advocatícios decorrentes do contrato celebrado, em 01/10/1997, por LUIZ FERNANDO e o Banco Interunion S/A. (fls. 30/31).

Pelo que consta dos autos, o paciente teria sido contratado como advogado pelo Banco Interunion S/A., para, dentre outras, atuar em causas visando ao resgate de Letras do Tesouro do Estado de Alagoas (LFTALs). O valor acima mencionado teria sido pago, em 16/01/2003, pelo co-réu SÉRGIO SALGADO PINHA JÚNIOR, atuando na qualidade de liquidante extrajudicial do referido banco.

Porém, foi apurado que LUIZ FERNANDO sequer teria participado do processo de recebimento de referidos títulos e, ainda, que o supramencionado contrato foi rescindido em 16/01/1997, e não em 28/03/2003, data indicada pelos impetrantes na inicial (fl. 14). Por conseguinte, o contrato teria sido rescindido antes da data do pagamento, não restando constatada quebra contratual a ensejar a aplicação da cláusula quarta e parágrafo único do contrato (fl. 06).

Logo, há suficientes indícios de materialidade e autoria em relação ao paciente no que se refere aos fatos típicos que lhe são imputados, não havendo que falar em falta de justa causa para a ação penal.

Ademais, o exame aprofundado de provas é inviável em sede de habeas corpus e os documentos juntados pelo impetrante não são capazes de afastar, de plano e sem maiores contendas, a serem estabelecidas no campo do amplo contraditório, a imputação que é feita ao paciente, ainda mais, diante das informações da autoridade impetrada, bem como da leitura da denúncia.

Com relação à alegação de que LUIZ HENRIQUE vem sofrendo constrangimento em virtude de estar sendo processado criminalmente, principalmente por ser advogado, há que se ressaltar, que, neste momento, deve prevalecer o interesse público sobre o privado, à vista do princípio in dubio pro societate que norteia o recebimento da denúncia.

A mera instauração de ação penal, ainda que importe ônus para o acusado, não impede por si só o exercício de suas atividades profissionais.

Ressalva-se, outrossim, que o interrogatório, além de meio de prova, constitui um meio de defesa e de contestação da acusação, sendo, ainda, a ocasião em que é oportunizada ao paciente a possibilidade de apresentar sua versão dos fatos e de se defender (in: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 81), de modo que não vislumbro, prima facie, o constrangimento ilegal alegado pelo impetrante.

Além disso, a oportunidade para que o paciente possa deduzir sua defesa e, sendo o caso, fazer prova contrária à conduta que lhe é imputada, se perfaz durante a instrução criminal, quando, assegurados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Não se olvide da excepcionalidade do trancamento de ação penal por falta de justa causa, entendimento fartamente esposado pela jurisprudência pátria (STJ – HC nº 39112/MS, TRF – 3ª Região – HC nº 9756).

Logo, não constatada a falta da fumaça do bom direito para a instauração da persecução criminal, irretocável se mostra, a decisão da autoridade impetrada que recebeu a denúncia em face do paciente (interpretação, a contrario, do artigo 43, inciso I, do CP).

Desse modo, a via escolhida do habeas corpus se mostra de todo inadequada para a análise da matéria probatória, não havendo porque se obstar o prosseguimento da ação penal.

Ante o exposto, denego a ordem.

É como voto.

EMENTA

I – PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. II – LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. III – LEGITIMIDADE PASSIVA. CONCURSO DE AGENTES. COMUNICABILIDADE DE CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR. IV – ADVOGADO. IMUNIDADE PROFISSIONAL. NÃO CABIMENTO. V – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONFIGURAÇÃO. VI – RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

I – A hipótese dos autos refere-se a recebimento de valores, em tese, decorrentes de contrato de prestação de serviços advocatícios celebrado pelo paciente e instituição financeira, porém anteriormente rescindido. Apurado que o valor teria sido pago, por co-réu, atuando na qualidade de liquidante extrajudicial da instituição, sem aprovação prévia do acionista controlador, incide, em tese o tipo do art. 5º da Lei n. 7.492/86.

II – A legitimidade para propositura de ação penal instaurada para apurar crime contra o sistema financeiro nacional é exclusiva do Ministério Público Federal (artigo 26 da Lei nº 7.492/86), uma vez que a ação será pública incondicionada para todos os crimes previstos naquele diploma legal (artigo 129 da CR c/c artigo 100 do CP).

III – Não falta legitimidade para que o paciente figure no pólo passivo da ação penal. Mesmo em crimes próprios pode configurar-se o concurso de agentes, com a comunicação de circunstância elementar do tipo, conforme excepcionado pela parte final do artigo 30 do CP.

IV – Agindo o co-réu na qualidade de liquidante extrajudicial do banco, equipara-se às pessoas penalmente responsáveis mencionadas no artigo 25, caput, da Lei nº 7.492/86, por força de seu § 1º.

V – Não restou demonstrada a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que a providência pleiteada pelo MPF encontra-se prevista, abstratamente, na lei penal e o fato imputado ao paciente constitui, em tese, ilícito penal (artigos 5º c/c 25 da Lei nº 7.492/86, na forma do art. 29 do CP).

VI – A imunidade profissional não tem o sentido de inviabilizar a apuração de conduta típica, em tese, praticada por advogado. Refere-se, tão-somente, aos atos e manifestações empregados no exercício da advocacia, não tutelando os que deste excederem ou disserem respeito a situações de natureza pessoal.

VII – Havendo suficientes indícios de materialidade e autoria em relação ao paciente no que se refere ao fato típico que lhe é imputado, capaz de configurar o juízo de probabilidade necessário ao exame do recebimento da denúncia, não há que se falar em falta de justa causa para a ação penal. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os membros da Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2006 (data do julgamento)

ABEL GOMES

Desembargador Federal

Relator

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