Propaganda antecipada

TSE acata representação contra Lula por propaganda antecipada

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12 de março de 2006, 0h37

A propaganda do governo federal “Muda Brasil” busca enaltecer o governo do país com o objetivo de vencer as próximas eleições, chamando a atenção daqueles que serão eleitores nas eleições de 2006, caracterizando, portanto, propaganda eleitoral antecipada. O entendimento é do Tribunal Superior Eleitoral em julgamento de representação do PSDB contra o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Por quatro votos a três o TSE proibiu a veiculação da propaganda e aplicou multa de 30 mil Ufirs (aproximadamente R$ 30 mil) ao presidente Lula.

Segundo o relator da representação, ministro Marco Aurélio, o objetivo maior da propaganda do governo federal é “a obtenção de êxito em futuro próximo, buscando a atenção daqueles que serão eleitores nas eleições gerais, ou seja, as de 2006”.

Marco Aurélio afirma em seu voto que a propaganda extravasa a simples publicidade de programas, obras, serviços e campanhas de órgãos públicos, aludindo-se de forma clara e direta ao governo federal, ao governo do presidente Lula.

O ministro Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do relator, afirma que a propaganda faz clara alusão ao atual governo federal, na medida em que enaltece o resultado obtido na economia, no setor da agricultura familiar e na indústria como “o melhor resultado nos últimos 10 anos”.

“Assim, fica caracterizada a promoção pessoal do Representado, com a conseqüente quebra do princípio da impessoalidade, fundamento da propaganda institucional”, afirma Gilmar Mendes.

Iniciado em junho de 2005 o julgamento da representação foi interrompido por dois pedidos de vista: primeiro do ministro Cesar Asfor Rocha e depois, ministro Gilmar Mendes. Votaram pela procedência da representação os ministros Marco Aurélio, relator, Gilmar Mendes e Humberto Gomes de Barros.

Foram votos vencidos os ministros Cesar Asfor Rocha, Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos. O voto de desempate foi do ministro Carlos Velloso, aposentado compulsoriamente no início deste ano.

O ministro Cesar Asfor Rocha, voto vencido, entendeu que não se trata de propaganda eleitoral antecipada. “O conteúdo da veiculação impugnada não revela finalidade eleitoral, caracterizando verdadeira publicidade institucional com referência a estatísticas econômicas que procuram demonstrar o êxito da administração do representado, não havendo paralelo entre a administração atual e a anterior ou promoção pessoal do Presidente da República com intuito de demonstrar a conveniência de sua reeleição para o cargo”, afirma o ministro.

Leia o acórdão

ACÓRDÃO N° 752

REPRESENTAÇÃO N° 752 – CLASSE 30ª – DISTRITO FEDERAL (Brasília).

Relator: Ministro Marco Aurélio.

Representante: Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Advogado: Dr. Rodolfo Machado Moura – OAB 14360/DF – e outros.

Representado: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, pelo advogado-geral da União.

PROPAGANDA ELEITORAL – TEMPORÃ – Descabe confundir propaganda eleitoral com a publicidade institucional prevista no artigo 37, § 1º, da Constituição Federal. A maior valia decorrente da administração exercida, da permanência no cargo, em que pese à potencial caminhada no sentido da reeleição, longe fica de respaldar atos que, em condenável desvio de conduta, impliquem o desequilíbrio de futura disputa, como é exemplo escamoteada propaganda eleitoral fora do lapso temporal revelado no artigo 36 da Lei nº 9.504/97.

Vistos, etc.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, vencidos os Ministros Cesar Asfor Rocha, Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos, em julgar procedente a representação, nos termos das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral.

Brasília, 1º de dezembro de 2005.

Ministro CARLOS VELLOSO, presidente

Ministro MARCO AURÉLIO, relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhor Presidente, o Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB evoca o disposto no artigo 36 da Lei nº 9.504/97, asseverando que, a pretexto de se veicular propaganda institucional, vem-se, mediante inserções nos intervalos do programa jornalístico “Bom Dia Brasil”, fazendo propaganda eleitoral.

Afirma o representante que as peças promocionais não contam com qualquer objetivo educativo. Implicariam, isso sim, comparação entre o governo anterior e o atual, no que utilizadas expressões como “o melhor resultado”, “tem muito a fazer”, “contar com você”.

Tratar-se-ia de tentativa de fortalecer a reeleição do representado, lançando-se mão, inclusive, de chavão da campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores – “Muda Brasil”.


Requer o representante a proibição da divulgação da propaganda institucional e, alfim, a procedência do pleito formulado, para impor-se a multa prevista no § 3° do artigo 36 da Lei n° 9.504/97.

Acompanharam a inicial os documentos de folha 8 a 47. À folha 48, despachei, determinando a notificação do representado, com isso projetando o exame do pedido de concessão de medida acauteladora.

Na defesa de folha 55 a 57, ressalta-se a inexistência de irregularidade, já que as notícias teriam caráter informativo. Refuta-se o propósito de comparação com qualquer outro governo, assegurando-se o objetivo de conscientizar a população de que ainda há muito a se fazer e de que tem ela papel imprescindível para o crescimento do País. A norma do § 1º do artigo 37 da Constituição Federal estaria a respaldar todos os procedimentos havidos como contrários à legislação.

A Procuradoria Geral da República emitiu o parecer de folha 60 a 65, pela improcedência do pedido inicial.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor Presidente, tendo a matéria sido evocada da tribuna, observo que a competência, já que estamos a atuar no campo originário, precede o exame da matéria de fundo. Temos como baliza para defini-la o pleito formulado na inicial: a impugnação ao pedido constante dessa peça. No caso, representou-se a partir do disposto no art. 36 da Lei nº 9.504/97; logo, definir se procede ou não o que é articulado na inicial é julgamento de fundo, não está ligado em si à problemática da competência. Trata-se de representação que sinaliza propaganda eleitoral, portanto, de competência da Justiça Eleitoral.

Eis o teor do que transmitido:

A economia brasileira cresceu mais de 5% em 1 ano.

O melhor resultado nos últimos dez anos.

A agricultura familiar também cresceu, e o valor do crédito liberado para as famílias dobrou.

A indústria teve o melhor desempenho dos últimos 18 anos.

Resultados assim não acontecem por acaso.

Com trabalho sério e eficiente o Brasil agora cresce, para todos.

A gente sabe que ainda tem muito a fazer.

A gente sabe que pode contar com você.

Pro Brasil crescer

Melhorar pra você

Muda-se Brasil.

Um país de todos

Como nunca se viu

Muda mais Brasil

Pra crescer com você

Pra crescer pra valer

Muda-se Brasil.

Um país de todos

Como nunca se viu

Muda mais Brasil.

Brasil, cada vez mais um país de todos.

Governo Federal.

Observe-se que o trecho da propaganda não revela, de forma concreta, ato, programa, obra ou serviço. Implica generalidade, a convocar – mediante a sinalização de crescimento na economia, na agricultura familiar, com aumento do crédito liberado para as famílias, na indústria, haja vista o desempenho nos últimos anos – a atenção do eleitor.

Tanto é assim que, após as referências positivas, segue-se trecho cujo objetivo é enaltecer a direção do País. Então, afirma-se que resultados como os noticiados não acontecem por acaso, mas decorrem de trabalho sério e eficiente. Mais do que isso, na propaganda, é apontado que ainda se tem muito a fazer para, logo a seguir, assinalar que se conta com os cidadãos em geral. Transparece, portanto, como objetivo maior, não a revelação de que cuida o § 1° do artigo 37 da Carta da República, mas a obtenção de êxito em futuro próximo, buscando a atenção daqueles que serão eleitores nas eleições gerais, ou seja, as de 2006.

Não se coaduna com a autorização do § 1° do artigo 37 da Lei Fundamental o apelo a cidadãos, subjacente na exortação “A gente sabe que pode contar com você”. Cabe indagar: “(…) contar com você” no tocante a quê, senão ao apoio à caminhada que fatalmente se implementará em 2006, visando a mais quatro anos de mandato?

O apelo salta aos olhos e evidentemente não diz respeito, em si, à colaboração de cada qual para o desenvolvimento do País. O trecho termina, como está consignado na inicial, com expressão semelhante, praticamente idêntica, àquela que serviu de base ao Partido dos Trabalhadores – PT nas últimas eleições gerais, diferenciando-as apenas a inserção do advérbio de intensidade.

Nas últimas eleições, o chavão do PT foi “Muda Brasil”, na publicidade em exame usa-se a expressão “Muda mais Brasil”.

Reafirmo o que venho proclamando: o fato de a Carta Política viabilizar a reeleição para os cargos do Executivo – sem que se tenha, sequer no período crítico do certame, o afastamento do titular – coloca-o em situação até mesmo delicada, e aí cumpre a cada qual se precatar para fugir à glosa da legislação.

Considero a propaganda como a extravasar a simples publicidade de programas, obras, serviços e campanhas de órgãos públicos, aludindo-se de forma clara e direta ao Governo Federal, à direção hoje existente. Julgo procedente a representação, suspendendo a propaganda, se ainda veiculada, e imponho ao representado a multa de 30.000 (trinta mil) UFIRs.


PEDIDO DE VISTA

O SENHOR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Senhor Presidente, peço vista dos autos.

EXTRATO DA ATA

Rp nº 752/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio. Representante: Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) (Adv.: Dr. Rodolfo Machado Moura – OAB 14360/DF – e outros). Representado: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, pelo advogado-geral da União.

Usou da palavra, pelo representado, o Dr. Alvaro Augusto Ribeiro Costa.

Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio (relator), julgando procedente a representação, pediu vista o Ministro Cesar Asfor Rocha.

Presidência do Exmo. Sr. Ministro Carlos Velloso. Presentes os Srs. Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Cesar Asfor Rocha, José Delgado, Luiz Carlos Madeira, Caputo Bastos e o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, vice-procurador-geral eleitoral.

SESSÃO DE 21.6.2005.

VOTO-VISTA (vencido)

O SENHOR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Senhor Presidente, o Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) formulou representação com fundamento no art. 96 da Lei nº 9.504/97, argumentando que a propaganda institucional veiculada no dia 11 de abril, “durante o intervalo do programa ‘Bom Dia Brasil’, da Rede Globo de Televisão, e que vem sendo repetida nas outras emissoras desde então, desbordou do comando contido no artigo 37, § 1º, da Constituição Federal, para adentrar na propaganda eleitoral, extemporânea.” (fl. 3).

O representante pleiteou, liminarmente, a proibição da veiculação de propaganda institucional do Governo Federal com o mesmo teor e, ao final, a imposição de multa ao representado, nos termos do § 3º do art. 36 da Lei nº 9.504/97.

Notificado para contestar, o representado negou a existência de irregularidade na propaganda, que, ao seu sentir, tem “(…) caráter eminentemente informativo, na medida em que apresenta dados e resultados do desempenho da economia brasileira, tanto no que diz respeito à agricultura, quanto à industria. É o que se verifica do primeiro trecho da propaganda, a seguir transcrito:

“A economia brasileira cresceu mais de 5% em 1 ano.

O melhor resultado nos últimos 10 anos.

A agricultura familiar também cresceu, e o valor do crédito liberado para as famílias dobrou.

A indústria teve o melhor desempenho dos últimos 18 anos

Resultados assim não acontecem por acaso

Com trabalho sério e eficiente o Brasil agora cresce, para todos”.

Acrescenta, ainda, a impossibilidade de o representado ser responsabilizado “(…) por ato autônomo praticado no âmbito de Ministério de Estado, sobre o qual não teve qualquer participação efetiva.” (fl. 57).

A douta Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pela improcedência do pedido. Da tribuna, a defesa argüiu a incompetência deste Tribunal para julgar a demanda e reforçou os argumentos de fls. 55-57, no sentido de ser propaganda institucional assegurada no art. 37, § 1º, da Constituição Federal.

Após o voto do Ministro Relator, julgando procedente o pedido formulado na representação para suspender a propaganda, se ainda veiculada, e impor multa de 30.000 (trinta mil) UFIRs ao representado, pedi vista para melhor exame.

Peço vênia a Sua Excelência para discordar.

Tenho como certo que a jurisprudência deste Tribunal prestigia a lisura e o equilíbrio na disputa eleitoral, sem, contudo, obstaculizar a divulgação de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, por parte dos governantes, tendo necessariamente essa divulgação caráter educativo, informativo ou de orientação social.

Destaco trecho do acórdão proferido nos autos do Ag nº 2.421/PA, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence:

“Que a propaganda institucional da administração beneficia o titular do Executivo que se candidata à reeleição é indiscutível.Mas, permitida a reeleição pelo texto constitucional vigente, não é dado proibi-la, a qualquer tempo, quando a lei só a vedou nos três meses que antecedem ao pleito”.

Ademais, no caso, entendo não haver desvirtuamento da propaganda institucional, conforme bem lançado no parecer ministerial ao consignar que

“(…) o conteúdo da veiculação impugnada não revela finalidade eleitoral, caracterizando verdadeira publicidade institucional com referência a estatísticas econômicas que procuram demonstrar o êxito da administração do representado, não havendo paralelo entre a administração atual e a anterior ou promoção pessoal do Presidente da República com intuito de demonstrar a conveniência de sua reeleição para o cargo.” (fl. 64).

Ainda sobre a caracterização da propaganda eleitoral antecipada descrita no art. 36 da Lei nº 9.504/97, o e. Ministro Fernando Neves, no REspe nº 19.402/DF, publicado em 17.8.2001, destaca que


“(…) essa norma pune a propaganda explícita, aquela que pede voto para algum candidato ou partido político, que tenha nítida característica e propósito eleitoral. Mas não se aplica aos casos de mera exposição à mídia ou divulgação de atos de governo ou serviços públicos, ainda quando tal se dê em desatenção ao que dispõe o art. 37, § 1º, da Constituição, para o qual existem outros remédios jurídicos e outras punições”.

Por oportuno, destaco trechos extraídos do voto do Excelentíssimo Ministro Sálvio de Figueiredo na Representação nº 404, julgada em 5.11.2002:

“(…) Não seria demais considerar, por derradeiro, que a conclusão de que o exame de eventual infração ao disposto no art. 37, § 1º, da Constituição Federal, pela quebra do princípio da impessoalidade, cometida antes do trimestre anterior à eleição, se situa fora da órbita da Justiça Eleitoral, nenhum prejuízo traz ao direito de quantos possam questioná-la judicialmente, tampouco à legitimidade e normalidade das eleições ou ao equilíbrio na disputa.

Isso porque, comprovada tal circunstância, em julgamento pela Justiça Comum – Federal ou Estadual – de ação por improbidade administrativa, uma das cominações ao ímprobo e, no que couber (art. 3º da Lei nº 8.429/92), ‘(…) àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta’, será – considerada a modalidade de atentado aos princípios que regem a Administração Pública (art. 11) – a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos (art. 12, III), conseqüência jurídica até mais gravosa que a declaração de inelegibilidade, com inafastável repercussão no processo eleitoral, qual seja, a de atingir uma das condições constitucionais de elegibilidade: o pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, § 3º, II), afastando da disputa o postulante a eventual candidatura.” (Rp nº 404/2002, Ministro Sálvio de Figueiredo, publicado no DJ de 28.3.2003).

Imperativo ressaltar que o precedente supramencionado não descarta,

“(…) ao menos em tese, que, em situações excepcionais, diante de eventual violação ao § 1º do art. 37 da Constituição, perpetrada em momento anterior aos três meses que antecedem as eleições, desde que direcionada a nelas influir, com nítido propósito de beneficiar determinado candidato ou partido político, seja a apuração dos reflexos daquele ato no processo eleitoral, já em curso, promovida pela Justiça Eleitoral, mediante investigação judicial.” (grifei)

No caso, não vejo presente a excepcionalidade a ensejar o acolhimento da representação, uma vez que não está caracterizada a propaganda eleitoral antecipada, nos moldes da orientação jurisprudencial firmada neste Tribunal. Pelo exposto, julgo improcedente a representação.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor Presidente, peço a palavra apenas para completar a notícia da propaganda que foi veiculada, considerada a leitura feita pelo Ministro Cesar Asfor Rocha, é certo, transcrevendo defesa do representado, que aqui não é um prefeito, mas o presidente da República.

Há uma segunda parte, não lida por S. Exa., com o seguinte teor:

A gente sabe que ainda tem muito a fazer.

A gente sabe que pode contar com você.

Pro Brasil crescer

Melhorar pra você

Muda-se Brasil.

Um país de todos

Como nunca se viu

Muda mais Brasil

Pra crescer com você

Pra crescer pra valer

Muda-se Brasil.

Um país de todos

Como nunca se viu

Muda mais Brasil.

Brasil, cada vez mais um país de todos.

Governo Federal.

E ressalto essa expressão:

Pra crescer com você

Pra crescer pra valer

Muda-se Brasil.

Um país de todos

Como nunca se viu

Muda mais Brasil.

Brasil, cada vez mais um país de todos.

Governo Federal.

Em meu voto, disse que não se tem, nem mesmo na primeira parte, publicidade em si de programa ou publicidade de serviço e consignei que se utilizou nessa propaganda chavão praticamente idêntico ao do PT na campanha que levou o representado à chefia da Nação:

Tanto é assim que, após as referências positivas, segue-se trecho cujo objetivo é enaltecer a direção do País. Então, afirma-se que resultados como os noticiados não acontecem por acaso, mas decorrem de trabalho sério e eficiente. Mais do que isso, na propaganda, é apontado que ainda se tem muito a fazer para, logo a seguir, assinalar que se conta com os cidadãos em geral. Transparece, portanto, como objetivo maior, não a revelação de que cuida o § 1° do artigo 37 da Carta da República, mas a obtenção de êxito em futuro próximo, buscando a atenção daqueles que serão eleitores nas eleições gerais, ou seja, as de 2006.


Não se coaduna com a autorização do § 1° do artigo 37 da Lei Fundamental o apelo a cidadãos, subjacente na exortação “A gente sabe que pode contar com você”. Cabe indagar: “(…) contar com você” no tocante a quê, senão ao apoio à caminhada que fatalmente se implementará em 2006, visando a mais quatro anos de mandato?

E continuei, para enfocar a questão ligada à utilização de um chavão da campanha anterior com um advérbio de intensidade, “mais”: “Muda mais Brasil”.

Por isso concluí que, no caso, há campo propício à incidência do artigo 36 da Lei nº 9.504/97 e cogitei da suspensão, se for o caso, da propaganda e da imposição não condicionada da multa de 30 mil UFIRs.

PRELIMINAR DE COMPETÊNCIA

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Senhor Presidente, a jurisprudência da Corte é no sentido de afirmar a competência da Justiça Eleitoral nos casos de abuso de autoridade, prevista no art. 74 da Lei nº 9.504/97, que chama o art. 37 da Constituição; afirma a competência da Corte no período eleitoral.

Nessas condições, Sr. Presidente, tenho que o abuso de autoridade deverá ser apurado pela Justiça Comum, e não pela Justiça Eleitoral.

É como voto, Sr. Presidente.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente): V. Exa. então acompanha a divergência?

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: De certo modo, sim, porque o Ministro Marco Aurélio deixou para examinar a preliminar de mérito.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Quanto à preliminar admito que, mesmo em se tratando de propaganda que envolva o presidente da República, a aplicação ou não da Lei nº 9.504/97 corre à conta do Tribunal Superior Eleitoral.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente): V. Exa. está suscitando uma preliminar?

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: A preliminar é de mérito. O Ministro Marco Aurélio deixou para examinar no mérito.

O SENHOR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Destacou, no voto, que era preliminar de mérito, que precisava adentrar ao mérito para poder se concluir.

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: O Ministro Marco Aurélio, quando votou, destacou a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral, porque examinaria no mérito. Então, como está, invocando a Jurisprudência da Corte, entendo que a competência é da Justiça Eleitoral…

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Até para a elucidação: se se trata simplesmente de publicidade institucional ou de propaganda eleitoral, competente é a Corte.

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: O problema é o seguinte: o desvio na propaganda institucional implica abuso do poder de autoridade, e a jurisprudência da Corte afirma…

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Não adentro, julgo só à luz do artigo 36 da Lei nº 9.504/97. Como o dispositivo não distingue o envolvido na propaganda precoce, temporã, antecedente, observo…

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente): Ministro, está suscitando que se tem propaganda eleitoral. Vamos transferir isso para a Justiça Comum?

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Não, a questão, Sr. Presidente – me permite? –, é o art. 74:

“Art. 74. (…)

Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro de sua candidatura.

(…)”.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Eu não estou julgando considerado algo enquadrável no artigo 37 da Constituição Federal.

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Como não se trata de período eleitoral o entendimento é este.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Mas, o artigo 36 da Lei nº 9.504/97 versa justamente a propaganda fora do período eleitoral, fora do período autorizado.

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Compreendo, Ministro Marco Aurélio. Peço vênia a V. Exa., porque considero, nos termos do art. 74, que há abuso do poder de autoridades de competência da Justiça Comum.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: V. Exa. entende que era propaganda eleitoral extemporânea, não é? A premissa é essa.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): A premissa do meu voto é essa.

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Com a devida vênia, divirjo.

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente): Então, penso que poderíamos destacar a preliminar que agora o Senhor Ministro Luiz Carlos Madeira suscita – já está rejeitada pelo relator, no mérito, mas S. Exa. suscita, quer ficar na preliminar…

VOTO (Preliminar)

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Rejeito, Sr. Presidente, porque, para concluir pela competência ou não do Tribunal Superior Eleitoral, não tenho que ir ao mérito para, depois, voltar à preliminar da ação, que é a representação. Para mim, basta a alegação. O que se alegou na representação? Que se teria infringido o artigo 36 da Lei nº 9.504/97, com o envolvimento do presidente da República. Qual é o tribunal competente? É o juízo, é a Justiça Comum? É o Tribunal Superior Eleitoral para dizer sim ou não.


VOTO (Preliminar)

O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Senhor Presidente, não assisti ao relatório.

VOTO (Preliminar)

O SENHOR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Acompanho o Ministro Marco Aurélio, com a devida vênia do Ministro Luiz Carlos Madeira.

VOTO (Preliminar)

O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS: Senhor Presidente, compreendo, e tenho conhecimento da jurisprudência da Casa. Mas também me vejo na mesma dificuldade técnica levantada pelo eminente Ministro Marco Aurélio. E é muito difícil examinar a competência antes de verificar se aquilo eu tomei ou não como propaganda eleitoral…

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Se é preliminar, o Código de Processo Civil e os regimentos indicam a apreciação em primeiro lugar ou então não é preliminar.

VOTO (Preliminar)

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Também acompanho o Ministro Marco Aurélio, data venia.

VOTO (Mérito-vencido)

O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Acompanho a divergência, pedindo vênia ao Ministro Marco Aurélio.

VOTO (Mérito-vencido)

O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS: Peço licença ao eminente ministro relator para acompanhar a divergência.

PEDIDO DE VISTA

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Senhor Presidente, tenho a impressão de que a questão é extremamente importante e grave, pelo que depreendi do voto do Ministro Marco Aurélio, agora reportado no voto do Ministro Cesar Asfor Rocha, e, de certa forma, é uma questão nova na discussão do âmbito da Corte.

De modo que vou pedir vênia a todos para pedir vista e examinar a questão com maior cuidado.

EXTRATO DA ATA

Rp nº 752/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio. Representante: Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) (Adv.: Dr. Rodolfo Machado Moura – OAB 14360/DF – e outros). Representado: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, pelo advogado-geral da União.

Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral, suscitada pelo Ministro Luiz Carlos Madeira, que ficou vencido. No mérito, após o voto do Ministro Relator, julgando procedente a representação, e os votos dos Ministros Cesar Asfor Rocha, Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos, julgando-a improcedente, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes. Não votou o Ministro Humberto Gomes de Barros.

Presidência do Exmo. Sr. Ministro Carlos Velloso. Presentes os Srs. Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Luiz Carlos Madeira, Caputo Bastos e o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, vice-procurador-geral eleitoral.

SESSÃO DE 28.6.2005.

VOTO-VISTA (Mérito)

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Senhor Presidente, o Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) formula representação contra o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ora Representado. Alega que

A “propaganda institucional” DO GOVERNO FEDERAL exibida no último dia 11 de abril, durante o intervalo do programa “Bom dia Brasil”, da Rede Globo de Televisão, e que vem sendo repetida nas outra [sic] emissoras desde então, desbordou do comando contido no artigo 37, § 1º, da Constituição Federal, para adentrar na propaganda eleitoral, extemporânea (fl. 3).

Transcreve o teor da propaganda, verbis:

(locutor em off)

A economia brasileira cresceu mais de 5% em 1 ano.

O melhor resultado nos últimos 10 anos.

A agricultura familiar também cresceu, e o valor do crédito liberado para as famílias dobrou.

A indústria teve o melhor desempenho dos últimos 18 anos

Resultados assim não acontecem por acaso

Com trabalho sério e eficiente o Brasil agora cresce, para todos.

(jingle em off)

A gente sabe que ainda tem muito a fazer.

A gente sabe que pode contar com você.

Pro Brasil crescer

Melhorar pra você

Muda-se Brasil

Um país de todos

Como nunca se viu

Muda mais Brasil

Pra crescer com você

Pra crescer pra valer

Muda-se Brasil.

Um país de todos

Como nunca se viu

Muda mais Brasil

(locutor em off)

Brasil, cada vez mais um país de todos.

Governo Federal (fls. 3-4; grifos no original).

O Representado, por meio da Advocacia-Geral da União, apresentou defesa (fl. 55). Sustentou que

[…] a publicidade ora impugnada apresenta caráter eminentemente informativo, na medida em que apresenta dados e resultados do desempenho da economia brasileira, tanto no que diz respeito à agricultura, quanto à indústria. […].

Não há o propósito de comparação com qualquer outro governo, mas apenas e tão-somente passar informações relevantes ao país, demonstrando a importância de tais conquistas dentro de todo um contexto histórico.


[…]

A natureza informativa e educativa apresentada pela propaganda impugnada pelo PSDB encontra respaldo no art. 37, § 1º, da Constituição Federal, afastando, portanto, qualquer possibilidade de configuração de publicidade eleitoral. […]

Ademais, o Presidente da República não pode ser responsabilizado por ato autônomo praticado no âmbito de Ministério de Estado, sobre o qual não teve qualquer participação efetiva. (fls. 56-57).

A Procuradoria-Geral Eleitoral manifesta-se pela improcedência do pedido (fl. 65).

Trazido o feito a julgamento, o Ministro Marco Aurélio, relator, proferiu voto nos seguintes termos:

Considero a propaganda como a extravasar a simples publicidade de programas, obras, serviços e campanhas de órgãos públicos, aludindo-se de forma clara e direta ao Governo Federal, à direção hoje existente. Julgo procedente a representação, suspendendo a propaganda, se ainda veiculada, e imponho ao representado a multa de 30.000 (trinta mil) UFIRs.

Após o voto do relator, o Ministro Cesar Rocha pediu vista, e, ao analisar os autos, inaugurou a divergência, votando pela improcedência da Representação. Entendeu não estar “[…] caracterizada a propaganda eleitoral antecipada, nos moldes da orientação jurisprudencial firmada neste Tribunal”.

Trazido novamente o feito a julgamento, o Tribunal, por maioria, rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral, suscitada pelo Ministro Luiz Carlos Madeira, que ficou vencido.

Quanto ao mérito, os Ministros Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos acompanharam a divergência.

Pedi vista para melhor apreciar a matéria.

Feita a síntese dos fatos, passo a decidir.

A Constituição Federal disciplina a propaganda institucional nestes termos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[…]

§ 1º – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (grifos nossos).

Não é o que se extrai dos autos, uma vez que a propaganda veiculada faz clara alusão ao atual governo federal, na medida em que enaltece o resultado obtido na economia, no setor da agricultura familiar e na indústria como “o melhor resultado nos últimos 10 anos” (fl. 3).

Assim, fica caracterizada a promoção pessoal do Representado, com a conseqüente quebra do princípio da impessoalidade, fundamento da propaganda institucional.

Ademais, a utilização reiterada da expressão Muda mais Brasil evoca o chavão utilizado pelo PT nas últimas eleições, Muda Brasil, que está intimamente ligado à figura do atual chefe do Executivo Federal.

Ante o exposto, peço vênia à divergência e, acompanhando o Ministro Marco Aurélio, julgo procedente a Representação.

VOTO (Mérito)

O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Senhor Presidente, acompanho o Ministro Marco Aurélio.

VOTO (Mérito – desempate)

O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente): Peço licença à divergência para acompanhar o voto do Senhor Ministro Relator Marco Aurélio, julgando procedente a representação.

EXTRATO DA ATA

Rp nº 752/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio. Representante: Diretório Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) (Adv.: Dr. Rodolfo Machado Moura – OAB 14360/DF – e outros). Representado: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, pelo advogado-geral da União.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a representação, nos termos do voto do relator. Vencidos os Ministros Cesar Asfor Rocha, Luiz Carlos Madeira e Caputo Bastos. Votou o Presidente.

Presidência do Exmo. Sr. Ministro Carlos Velloso. Presentes os Srs. Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Caputo Bastos, Gerardo Grossi e o Dr. Mário José Gisi, vice-procurador-geral eleitoral.

SESSÃO DE 1º.12.2005.

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