Entrevista: Johan Albino Ribeiro
12 de março de 2006, 7h00
O sucesso dos Juizados Especiais, que buscam a prestação de Justiça sem complicações e com rapidez, tem uma outra face menos elogiável. Há quem diga que, com tanta facilidade para acionar a Justiça, o cidadão está deixando de resolver suas diferenças por caminhos ainda mais simples como a negociação direta ou a conciliação.
Entre os que pensam assim, está o diretor jurídico da Febraban — Federação Brasileira dos Bancos, Johan Albino Ribeiro. “Quanto mais eficiente for a prestação jurisdicional, menos razão o consumidor vai ter para discutir seu problema com o fornecedor”, explica.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o diretor jurídico da entidade que congrega as instituições do poderoso setor financeiro nacional tratou de explicar o alto grau de litigiosidade que marca as relações com seus clientes.
Para Ribeiro, o grande número de processos que tramitam contra os bancos é proporcional à quantidade de serviços prestados e de pessoas atendidas pelo setor. Mas credita também o aumento das demandas judiciais a outros fatores como a chegada do Código de Defesa do Consumidor, o aumento da consciência cidadã, o crescimento das entidades de defesa do consumidor.
Calcula-se que um em cada dois brasileiros tenha conta em banco. Mesmo quem não tem conta, usa serviços bancários para pagar contas ou receber valores. “Se cruzarmos o número de ações com o volume de serviços prestados, podemos concluir que o número de processos na Justiça contra os bancos é compatível”, justifica.
O diretor jurídico da Febraban explica que para evitar mais problemas, os bancos estão se adaptadando às exigências do Código de Defesa de Consumidor e criando mecanismos para evitar que o cliente procure a Justiça antes de enfrentar a negociação direta com a instituição bancária. “A maioria dos bancos criou centrais de atendimento, com regras próprias. A reclamação do cliente tem autonomia dentro da organização e é tratada sem interferência”.
Nesta entrevista, que contou também com a participação dos jornalistas Aline Pinheiro e Mauricio Cardoso, Johan Albino Ribeiro fala também de crédito consignado, penhora online, crimes eletrônicos e o controle que o Banco Central exerce sobre os bancos.
Johan Albino Ribeiro é formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, foi vice-presidente do Banco Bilbao Biscaya do Brasil e diretor jurídico do Unibanco. Atualmente, além do cargo de diretor jurídico da Febraban, atua como assistente jurídico do Bradesco. “Os bancos são um bom lugar para começar a carreira de advogado, porque valorizam muito a função”, diz.
Leia a entrevista
ConJur — Qual a importância da decisão do Supremo Tribunal Federal na ação que julga se o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado nas relações bancárias?
Johan Albino Ribeiro — O que se verificou ao longo do tempo é que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às atividades bancárias levou a uma desestruturação do sistema. Mesmo que o Banco Central tenha adotado regras, os bancos ainda estão sujeitos a questionamentos dos mais diversos órgãos. O Código de Defesa do Consumidor, segundo o que entendemos, autoriza a intervenção do município, dos órgãos de defesa do consumidor, da polícia especializada, de associações civis, dos sindicatos. Ou seja, um sistema aberto, horizontal e não coordenado. Ao mesmo tempo, o Brasil adota um sistema financeiro vertical. Quer dizer, a fixação da política e das regras financeiras parte da autoridade monetária. Se for aplicado simplesmente o Código de Defesa do Consumidor, o promotor de uma comarca do interior que entender que determinadas regras são abusivas pode pretender que o município modifique aquela regra que foi baixada pelo Banco Central e tem aplicação em todo o território nacional.
ConJur — É o caso daquelas normas municipais que prevêem o tempo de espera de no máximo 15 minutos na fila do banco?
Johan Albino Ribeiro — Sim, é um exemplo. Sabemos que as leis municipais sempre se baseiam no Código de Defesa do Consumidor e na capacidade que os municípios têm para legislar sobre questões locais. Mas, na Constituição, não se verifica a competência do município para legislar sobre consumo. Pior do que a questão das filas, é quando esses órgãos locais querem disciplinar a operação financeira.
ConJur — Qual o principal objeto da Ação?
Johan Albino Ribeiro — O que está em jogo é saber se a relação entre banco e cliente deve ser vista pela legislação municipal, estadual, ou federal. Se se aplica o CDC tanto para as questões financeiras quanto para a relação do banco com o cliente. Este é um entendimento. Eu estava presente na leitura do voto do ministro Nelson Jobim e pelas manifestações é provável que essa tese não prevaleça.
ConJur — A que se deve o aumento do número de processos contra os bancos na Justiça?
Johan Albino Ribeiro — Um pouco pelo aumento da consciência da sociedade, um pouco pelo crescimento das entidades de defesa do consumidor e um pouco pela facilidade do acesso a Justiça.
ConJur — Há números?
Johan Albino Ribeiro — Existem dois setores nos quais o consumidor, querendo ou não, tem contato direto com o prestador de serviço — o de telefonia e o de banco. Quase todo brasileiro tem conta corrente. Mesmo quem não tem precisa ir até uma agência para pagar suas contas. Se cruzarmos a quantidade de ações com o volume de serviços prestados, concluímos que é adequado o número de processos na Justiça. Recentemente, fizemos um estudo, por conta de um relatório do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e constatamos que um em cada 10 mil habitantes tem problema com alguma instituição financeira. Relativamente, é um número bastante baixo.
ConJur — Isto só no Rio?
Johan Albino Ribeiro — Nós fizemos no Rio porque o estado preparou um relatório dizendo que as empresas de telefonia e as empresas bancárias transferiam para o Judiciário a discussão dos seus problemas. O estudo da Febraban concluiu que os números do Tribunal indicaram que os bancos são os que têm mais ações — ativas e passivas — na Justiça. Agora, se for comparar com o volume de serviços prestados, a proporção cai de forma acentuada.
ConJur — O surgimento dos Juizados Especiais contribuiu para aumentar o número de ações?
Johan Albino Ribeiro — Contribuiu, porque a população tem a idéia de que a prestação jurisdicional nos Juizados é mais efetiva do que a reclamação ao próprio centro de atendimento ao cliente. Então, a criação dos Juizados acabou estimulando a procura pelos direitos. Quanto mais eficiente for a prestação jurisdicional, menos razão o consumidor vai ter para discutir seu problema com o próprio banco.
ConJur — O que os bancos têm feito para evitar que essas questões cheguem ao Judiciário?
Johan Albino Ribeiro — A maioria dos bancos criou centrais de atendimento, com regras próprias. A reclamação do cliente tem autonomia dentro da organização e é tratada sem nenhuma interferência. Hoje, esse conceito evoluiu para ouvidoria. A outra questão é que a maior parte dos bancos faz estatística das causas que vão parar na Justiça. Os dados indicam que a maior parte das ações discute negativação indevida nos órgãos de restrição ao crédito. O cliente acaba ingressando com ação com o seguinte pensamento: “bom, tive um dissabor, mas acabei ganhando na loteria”. O banco não vai indenizá-lo se não houver processo judicial. Como se tornou praxe tabelar o valor da indenização, as pessoas acabam motivadas a ingressar com ação. É lógico que os bancos estão criando programas de melhorias para evitar que essas questões se repitam. Hoje, os departamentos jurídicos são ouvidos para que sejam feitas mais ações de melhorias.
Conjur — Os dados indicam que o maior número de ações contra bancos vem do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Quem que dá mais trabalho aos bancos: os gaúchos ou os cariocas?
Johan Ribeiro — Acho que trabalho não dá. Mas os maiores volumes estão no Rio de Janeiro.
Conjur — E São Paulo?
Johan Ribeiro — São Paulo, há dois anos, tinha recursos em 7% das ações e o Rio Grande do Sul tinha em 67%.
Conjur — Existe no Tribunal de Justiça de São Paulo uma experiência de conciliação chamada Expressinho. Recentemente, o HSBC fechou acordo para fazer parte do projeto. Qual o resultado disso para os bancos?
Johan Ribeiro — É sempre favorável, porque ajuda a diminuir o número de ações. Os Juizados Especiais do Rio de Janeiro adotam um procedimento similar.
ConJur — O crédito consignado tem sido um grande sucesso, mas há quem conteste o modelo, dizendo que o salário não pode ser dado em garantia, já que tem natureza alimentar. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Johan Albino Ribeiro — Essa questão já foi decidida na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça e, por unanimidade, foi entendido que não se trata de uma questão de penhora, porque este é um procedimento que precisa de um ato judicial. E outra, não se pode fazer penhora sobre salário, porque tem caráter alimentar. Ainda assim, o crédito consignado não tira a livre disponibilidade que a pessoa tem do seu salário. Isto já está resolvido e o mercado só tem crescido. As questões que foram levadas ao STJ eram de contratos anteriores à lei que regulamentou o empréstimo.
ConJur — Penhora on-line aumenta a insegurança jurídica?
Johan Albino Ribeiro — Bom, para os bancos a penhora on-line é um problema. Isso porque é um serviço prestado não para a Justiça, mas para quem tem questões na Justiça. Não sei se cria insegurança jurídica, mas tenho certeza que cria insegurança do ato judicial. Ou seja, as empresas muitas vezes são surpreendidas com débito na conta que não sabem a origem. Assim, o conflito que antes era entre o reclamante e o reclamado, se transfere para o banco mais o reclamante e o reclamado. O benefício da penhora é que diminui o trânsito de papéis, porque os ofícios passam da casa de 600 mil por ano. Já imaginou multiplicar 600 mil ofícios entre os 30 bancos mais atuantes? São 18 milhões de documentos. É muita coisa.
ConJur — Como é que os bancos encaram os crimes eletrônicos?
Johan Albino Ribeiro — O número de fraudes é crescente e o prejuízo dos bancos também é muito grande. Primeiramente, os bancos têm procurado resolver as questões de desvio de recurso de contas. É lógico que é feito um levantamento para verificar se o cliente foi realmente vítima de fraude. Essa pesquisa é muito simples: comparamos a movimentação do cliente, o local onde foi feito o saque, quem teve acesso à conta e verificamos se aquela reclamação procede ou não. Quando o banco acha que não procede ou porque o histórico do cliente já indicou algum ressarcimento anterior, se busca outro meio de produzir prova de que a conta foi movimentada pelo próprio cliente. Já propusemos alguns projetos de lei para modificar o Código de Processo Penal nessa questão de crimes eletrônicos. Ocorre que a principal dificuldade é saber a tipificação do crime eletrônico.
ConJur — E quanto ao crime organizado? Como é que os bancos se preparam para enfrentar esse tipo de organização criminosa?
Johan Albino Ribeiro — Vejo que esses crimes não comprometem os bancos, porque são raros os casos que usam o sistema financeiro para cometer atos ilícitos. Só me lembro de um sujeito que vendia remédio falsificado e tinha conta bancária. O banco descobriu que o negócio dele era frio e denunciou. Os bancos usam sistemas sofisticadíssimos de controle. Hoje o gerente para abrir uma conta tem de conhecer o cliente, fazer um relatório e visitá-lo. Se for constatado qualquer movimento incomum, o banco passa a monitorar o cliente. Qualquer irregularidade, o gerente é obrigado a preparar uma denúncia, analisada mais tarde por um comitê. O banco ainda tem de fiscalizar remessa de dinheiro para o exterior. Tudo é rastreado e auditado. Então não tem problema. As ações ilícitas com dinheiro são feitas fora do sistema financeiro.
ConJur — É o caso das solicitações de dados feitas pelas CPIs?
Johan Albino Ribeiro — Todas as pessoas investigadas que receberam dinheiro tinham de declarar porque tinham determinada quantia. O sistema financeiro no Brasil tem permitido essas revelações. É lógico que preservamos o sigilo bancário e só nos casos de CPI ou quando a Justiça determina há quebra desse segredo.
ConJur — As quebras de sigilo determinadas pelas CPIs criam algum tipo de dificuldade para o banco?
Johan Albino Ribeiro — A maior dificuldade é levantar o movimento bancário dos envolvidos. O parlamentar que pede os dados imagina que é só apertar um botão e a resposta sai prontinha para ser impressa. Não é bem assim. É um trabalho complexo de pesquisa. Vamos imaginar uma empresa que vende tecnologia para a Caixa Econômica Federal. Começa assim: “tem conta nesse banco?”. A empresa responde: “Tem conta”. Ok. “Indique as contas”. No período de 1998 até 1995, são sete anos. Depois vem: “apresentar extratos de todas as contas”. São extratos físicos de empresas que tem, às vezes, 100 movimentações por dia. Como os técnicos da CPI não vão analisar lançamento por lançamento, pedem que mande os dados em formato de planilha. Aí você fala: “bom, até 2003, eu tenho na forma de planilha, antes de 2003 eu tinha os dados em microficha ou em imagem”. Então é preciso contratar gente para digitar os dados da imagem numa planilha. Aí eles solicitam: “queremos saber a origem e destino dos recursos”. E por aí vai, não acaba nunca…
ConJur — Como funciona o controle do Banco Central sobre as instituições financeiras?
Johan Albino Ribeiro — Existem três linhas de fiscalização. Primeiro, a fiscalização indireta, feita por meio do acompanhamento de sistemas. Os bancos são obrigados a mandar diariamente relatórios para o Banco Central, que são lidos pelos computadores do BC. Se faltar alguma informação, a instituição bancária já é apenada. No Brasil, isso é muito evoluído. Depois, existe a fiscalização direta, na qual um grupo grande de auditores visita as instituições. Para isso, os bancos abrem uma sala ou um salão, os auditores do Banco Central entram no sistema, olham, comparam, fazem entrevistas. E o terceiro item é o próprio 0800 do Banco Central, que também gera um ranking dos bancos mais reclamados. Agora, nem auditoria, nem comitê conseguem detectar situações de fraude. Tivemos recentemente no Brasil bancos que quebraram por problemas puramente operacionais.
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