Justiça em números

Na Justiça do Trabalho, recorre-se e reforma-se demais

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10 de março de 2006, 12h08

É barato recorrer na Justiça do Trabalho. O devedor ganha mais se protelar o pagamento da dívida do que se quitá-la. Por isso é que a Justiça trabalhista tem a mais alta taxa de recorribilidade. Essa é uma das explicações para os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça no levantamento Justiça em Números, mas não é a única.

Recorre-se muito na Justiça do Trabalho também porque a taxa de reforma de decisões é alta e os tribunais ainda discutem — e muitas vezes reformam — posições até então cristalizadas.

Segundo os números do CNJ, em primeiro grau, as partes recorrem em 74% dos casos, um índice muito maior do que na Justiça Federal (47%) e maior ainda do que na Justiça Estadual, onde se recorrer em apenas nove de cada cem decisões. Essa taxa também tem um alto índice na segunda instância da Justiça trabalhista que é de 51%.

Para entender os números do CNJ, a revista Consultor Jurídico foi ouvir a opinião de quem trabalha com a Justiça do Trabalho: a opinião quase unânime é a de que se recorre muito porque não custa quase nada.

Para o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, o índice de recorribilidade é alto porque é barato recorrer. O advogado João José Sady afirma que as partes recorrem porque não há conseqüências graves para quem usa o recurso de forma desleal. “Para os trabalhadores não há porque não recorrer já que isso não implica em custas.”

Para o advogado Luiz Salvador, que defende na maioria dos casos os trabalhadores, o alto índice de recorribilidade é conseqüência da postura das empresas, que entendem que é mais lucrativo protelar para pagar suas dívidas porque os juros que correm na Justiça são de 1% ao mês, o que é muito baixo.

Já para o advogado Geraldo Baraldi, do Demarest e Almeida, que defende, na maioria dos casos, as empresas, o alto índice de recorribilidade tem outra explicação, que é o fato de os tribunais terem editado recentemente muitas súmulas e orientações jurisprudenciais que alteraram seus posicionamentos.

“Como uma questão para ser resolvida demora em média seis anos, as empresas geralmente recorrem nos casos em que não há entendimento pacificado. Depois do entendimento, os recursos diminuem. O que impede o empregador de recorrer, ou até o empregado, é a não pacificação do tema de forma rápida”, afirma. Mas o advogado também acredita que a mania de recorrer está enraizada na cultura do brasileiro e que isso é bom porque dá a todos o direito da ampla defesa.

Metade reformada

Além da alta taxa de recorribilidade, a Justiça trabalhista apresenta altas taxas de reforma: 45% das sentenças são reformadas em segunda instância e 40% nos tribunais superiores. Para Baraldi, isso é um sinal de que não há uma homogeneidade no entendimento dos temas por parte da Justiça trabalhista, o que diminui a credibilidade da decisão do juiz. Mas o advogado também faz uma ressalva, já que se deve levar em consideração que o INSS recorre de praticamente todas ações em que ele é incluído na Justiça do Trabalho.

O juiz trabalhista Grijalbo Coutinho não acha que somente os entendimentos pacificados resolveriam o problema da recorribilidade. Para ele, os casos da Justiça trabalhista envolvem análise e provas de fatos, o que faz que cada um seja particular — diferente da Justiça Federal onde muitos casos podem ser julgados em lote e que a taxa de reforma pela segunda instância é de 31%.

Para Coutinho, outro problema da recorribilidade é que cada reclamação tem entre 10 e 20 pedidos diferentes, como férias, 13º salário, entre outras coisas, por isso, há muitas vezes o indeferimento parcial do recurso. “A parte quando perde, acaba recorrendo contra um dos aspectos desfavoráveis. Tanto empregado como empregador.”

A gratuidade das custas do processo do trabalho, diferentemente do que ocorre na Justiça comum, também faz com que o número de recursos seja alto, segundo Coutinho, já que mesmo que a empresa tenha que pagar depósito recursal para recorrer, o valor não chega nem perto do valor da condenação.

A porcentagem de quantos recursos são apresentados por trabalhadores e quantos por empresas ainda não foi gerada pelo CNJ. Para o coordenador do Gabinete Extraordinário para Assuntos Institucionais do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, que coordena o levantamento das estatísticas, “a idéia é ir aprofundando paulatinamente as pesquisas. Como o relatório é semestral, a tendência é que cada vez mais as informações sejam aprofundadas”. A previsão é que na quarta edição da pesquisa, que fica pronta no final do ano, exista um conjunto mais detalhado de informações.

Para Dino, é necessário analisar o funcionamento das outras Justiças para fazer a comparação. A Justiça Estadual, por exemplo, normalmente resolve a disputa entre cidadão humildes que não têm meios econômicos para protelar, por isso não há uma enorme quantidade de recursos. Ele também ressalta que os números da pesquisa são de 2004, por isso anteriores à Emenda Constitucional 45, que ampliou a competência da Justiça trabalhista.

Ao comparar com a Justiça Federal, Dino diz que a estrutura da Justiça trabalhista é muito mais acessível, já que são 24 Tribunais Regionais e apenas cinco Tribunais Regionais Federais espalhados pelo país, o que dificulta o acesso das partes para recorrer. Outra questão com relação à Justiça Federal, segundo Dino, é que praticamente 40% das ações são de execuções judiciais, em que geralmente não há recurso.

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