Emprego doméstico

Diarista só é autônoma se escolhe dia de trabalho

Autor

10 de março de 2006, 7h00

Nos últimos tempos, tem-se verificado um grande número de litígios na Justiça do Trabalho de trabalhadoras diaristas pedindo vínculo como empregada doméstica.

Sobre esta questão, podemos verificar graves equívocos não só da população em geral, mas também dos operadores do Direito que utilizam, equivocadamente, como forma de distinção entre uma e outra, o número de dias trabalhados na semana.

Primeiro, é necessário fazer uma correção. A diarista tanto pode ser empregada doméstica como trabalhadora autônoma. O fato de ser diarista, por si só, não lhe retira a condição de empregada doméstica, eis que qualquer empregado pode ser horista, diarista ou mensalista.

O empregado doméstico, seja ele diarista ou mensalista, é aquele definido pela Lei 5.859/72, regulamentada pelo Decreto 71.885/73. O artigo 1º da lei conceitua empregado doméstico como “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou a família, no âmbito residencial destas”.

Esta conceituação é a mesma conferida pelo artigo 12, inciso III, da Lei 8.212/91, ao indicar um dos segurados da Previdência Social.

Sobre o conceito de empregado doméstico, Rodolfo Pamplona Filho e Marco Antônio César Villatore assim nos ensinam:

“Nossa interpretação, entretanto, é a de que os conceitos acima estariam mais corretos se, ao invés de ser utilizada a expressão ‘no âmbito residencial’, fosse utilizada a expressão ‘para o âmbito residencial’. O motivo para tal diferença é o fato de que o empregado doméstico, algumas vezes, labora em atividades fora da residência do empregador, como é o caso do motorista particular que transporta os filhos do patrão para a escola, ou a mulher, para as compras domésticas”1.

Assim é o conceito de empregado doméstico para os mencionados autores: “é a pessoa física que, de forma onerosa e subordinada, juridicamente, trabalha para outra(s) pessoa(s) física(s) ou família, para o âmbito residencial desta(s), continuamente, em atividade sem fins lucrativos”2.

Desta forma, para a caracterização de empregado doméstico, há de existir a reunião dos cinco requisitos mencionados na definição acima, em que pese na definição da lei omitir três deles.

A omissão legal, contudo, é absolutamente justificável. É que a Lei 5.859 quis destacar em seu texto apenas o elemento genérico objetivo de conformação sócio-jurídica especial (continuidade) e os elementos específicos à relação empregatícia. Inexistia, assim, para a lógica da lei especial, qualquer necessidade de se repetirem elementos fático-jurídicos óbvios à existência de figura do empregado doméstico e que comparecem a essa categoria sem qualquer especificidade perante o padrão empregatício genérico celetista.3

São exemplos de empregados domésticos: a cozinheira, o jardineiro, o motorista, a arrumadeira, etc..

O trabalhador autônomo é aquele que trabalha por conta própria, explora economicamente, em proveito próprio, sua força de trabalho.

Feita esta distinção, é necessário verificar se a diarista se enquadra como trabalhadora autônoma ou empregada doméstica.

Como visto acima, o trabalho do empregado doméstico deve ser contínuo. A lei específica do doméstico estabelece como requisito a continuidade, enquanto que a CLT estabelece como requisito de empregado a não eventualidade.

Duas interpretações emergem em decorrência sobre a questão. A primeira, no sentido de que não há diferença entre continuidade e não eventualidade. Neste sentido é a posição de Sérgio Pinto Martins: “Não vemos como fazer a distinção entre continuidade, prevista no artigo 1º da Lei 5.859/72 para caracterizar o empregado doméstico, e não-eventualidade, encontrada na definição de empregado do art. 3º da CLT”.4

A segunda corrente parte do pressuposto que a interpretação do direito sempre há de combinar o método lingüístico. Neste sentido é a posição de Rodolfo Pamplona Filho e Marco Antônio César Villator: “verifica-se facilmente que a continuidade do trabalho doméstico não pode se confundir com a permanência ou não-eventualidade do empregado comum, isto porque, o empregado comum, mesmo trabalhando de forma não eventual ou permanente, pode trabalhar de maneira descontínua ou intermitente”.5

Neste sentido também é o entendimento de Antônio Carlos de Oliveira, citado por Rodolfo Pamplona Filho e Marco Antônio César Villatore: “empregado comum é aquele que presta serviços de natureza não-eventual. Não pode confundir ‘serviços de natureza não-eventual’ com ‘serviços de natureza contínua’. Serviços de natureza não-eventual ou são contínuos ou são descontínuos, e nem por isso deixa de o seu prestador ser considerado empregado comum. O essencial é que sejam permanentes na empresa, ainda que o obreiro os preste sem continuidade. É o caso de um garçom que trabalha em certo restaurante aos sábados e domingos. Para o restaurante, seus serviços não são eventuais, pois atendem à finalidade do estabelecimento, embora prestados intermitentemente, descontinuamente”.6

Nos filiamos à primeira corrente, posto que a interpretação aos termos utilizados não deve ser meramente gramatical, mas sim de forma a “determinar com exatidão seu verdadeiro sentido, descobrindo os vários elementos significativos que entram em sua compreensão e reconhecendo todos os casos a que se estende sua aplicação”.7, o que nos leva a concluir pelo sinônimo entre “continuidade” e “não-eventualidade”.

Isto porque entende-se por contínuo “o vínculo ou a relação que liga fatos ou atos para formar ou constituir um todo, mesmo que as partes, que os forma, venham em períodos diferentes, mas em sucessão ou em continuação”8. Ou seja, continuidade não está relacionada necessariamente com trabalhado diário, dia a dia, mas sim com aquilo que é sucessivo.

Desta forma, no exemplo utilizado acima, a nosso ver, data maxima vênia está equivocado, pois o garçom que exerce atividades todos os finais de semana, trabalha de forma contínua.

A interpretação conforme posta pela segunda corrente colocaria à margem do Direito do Trabalho todos aqueles que prestam serviços de doméstico, de forma alternada, ou seja, dia sim dia não, o que é inadmissível, pois o que a lei pretendeu foi amparar aqueles que prestam serviços para pessoa física ou família com intuito de continuidade, de “permanência absoluta”9.

Não havendo a imposição de dia determinado para a prestação dos serviços, tem-se que o trabalhador é diarista autônomo, em razão da ausência de subordinação jurídica e não em razão da ausência de “continuidade”, conforme equivocadamente tem se entendido. Entretanto, em havendo imposição de labor em determinado dia da semana, tem-se relação de emprego doméstico.

Pouco importa se o labor se dá uma, duas ou três vezes por semana, o que realmente deve ser verificado, juntamente com os outros requisitos, é a subordinação jurídica na prestação dos serviços.

Na definição de Paul Colin, citado por Alice Monteiro de Barros, subordinação jurídica é “um estado de dependência real criado pelo direito de o empregador comandar, dar ordens”10.

E, a subordinação jurídica exige um vínculo onde o empregado aceita a determinação, pelo empregador, das modalidades de prestação de trabalho.

Se a faxineira presta serviços uma vez por semana, no âmbito residencial de uma pessoa ou família, de forma contínua e subordinada, é empregada doméstica, e não trabalhadora autônoma.

Para ser considerada autônoma, é necessário que a trabalhadora possa, livremente, escolher os dias da semana que pretende trabalhar, mudando-os como bem entender, de modo a casar os horários das outras residências onde trabalhe, ou ainda, determinar livremente a interrupção de seu trabalho (festas de final de ano, feriados e etc.). Nesta hipótese, a diarista não é empregada doméstica mas sim trabalhadora autônoma.

Sobre esta questão, diversos têm sido os entendimentos dos tribunais, conforme se pode verificar das ementas abaixo transcritas:

“Diarista” — vínculo empregatício de doméstica. A prestação de serviços como diarista, não configura trabalho doméstico nos termos previstos no artigo 1º da Lei 5859/72, por ausente o pressuposto “continuidade”, que significa labor cotidiano. Da mesma forma, não existe a subordinação jurídica, elemento que difere o empregado doméstico do trabalhador autônomo, a que se equipara a diarista.” (TRT 2ª Região, ac. nº 20040568193, 19.10.04, 3ª T. Relator Décio Sebastião Daidone.”

“Doméstico. Vínculo de emprego. Trabalho em poucos dias da semana. Exclusividade não é requisito do contrato de trabalho. A defesa menciona que a reclamante trabalhou como diarista de 1996 a julho de 2000, prestando serviços em média três vezes por semana. Havia continuidade na prestação de serviços, o que era feito três vezes por semana, como foi confessado na defesa. A Lei 5.859 não exige que o trabalho do doméstico seja diário, mas que seja contínuo, com ocorre no caso dos autos.” (TRT 2ª Região, ac. nº 20020005983, 11.12.01, 3ª T., Relator Sérgio Pinto Martins)

“FAXINEIRA DIARISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. Serviços prestados no âmbito doméstico e de forma esporádica, mediante retribuição, não se ajusta à exigência do art. 1º da Lei nº 5859/72, pelo qual o primeiro dos elementos essenciais à configuração da relação de emprego doméstico é a natureza contínua do trabalho desenvolvido” (TRT 2ª Região, ac. 02970197035, 28.04.97, 8ª T., Relatora Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva)

”DOMÉSTICA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO PELO PERÍODO ANTERIOR AO REGISTRO. SERVIÇO DE NATUREZA CONTÍNUA E SERVIÇO DIÁRIO. DISTINÇÃO. Descontinuidade não se confunde com intermitência para os efeitos de incidência a legislação trabalhista. A referência a serviços de natureza contínua, adotada pelo legislador ao esculpir o artigo 1º da Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, diz respeito à projeção da relação no tempo, ou seja, ao caráter continuado do acordo de vontades (tácito ou expresso), que lhe confere feição de permanência, em contraponto à idéia de eventualidade, que traz em si acepção oposta, de esporadicidade, do que é fortuito, episódico, ocasional, com manifesta carga de álea incompatível com o perfil do vínculo de emprego. Desse modo, enquanto elemento tipificador do contrato de emprego, a continuidade a que alude a legislação que regula o trabalho doméstico não pressupõe ativação diária ou ininterrupta e muito menos afasta a possibilidade de que em se tratando de prestação descontínua (não diária), mas sendo contínua a relação, torne-se possível o reconhecimento do liame empregatício. Vale dizer que mesmo se realizando a prestação laboral em dias alternados (não seqüenciais), porém certos, sem qualquer álea, de acordo com o pactuado entre as partes, é de se reconhecer o vínculo pelo período anterior ao registro, de empregada doméstica que prestou serviços três vezes por semana, por quase uma década, em residência familiar, mormente em vista da circunstância de que o próprio empregador veio a anotar-lhe a CTPS no terceiro ano trabalhado, sem fazer prova de que a partir daí teria havido qualquer mudança nos misteres. Inteligência do artigo 1º da Lei 5.859/72.” (TRT 2ª Reg., ac. 20050677254, 07.10.05, Relator Ricardo Artur Costas e Trigueiros)

EMENTA Diarista. Caracterização. A Lei 5.859 não dispõe quantas vezes por semana a trabalhadora deve prestar serviços ao empregador para ser considerada empregada doméstica. Não existe previsão na lei no sentido de quem trabalha duas vezes por semana não é empregado doméstico. Um médico que trabalha uma vez por semana no hospital, com horário, é empregado do hospital. O advogado que presta serviços num dia fixo no sindicato e tem horário para trabalhar é empregado. A continuidade do contrato de trabalho restou demonstrada, diante do fato de que a autora trabalhava duas vezes por semana. O trabalho da reclamante era feito toda semana, duas vezes e não uma vez ou outra. Isso caracteriza a habitualidade semanal e não que o trabalho era feito ocasionalmente. Vínculo de emprego mantido. (TRT 2ª Reg., ac. nº 20050706050, 2ª T., 06 10 2005 Rel. Sérgio Pinto Martins)

DOMÉSTICA. DIARISTA. RELAÇÃO DE EMPREGO. A Lei 5.859/72, que regula o trabalho doméstico fixa em seu artigo 1º, como um dos elementos para sua configuração, a continuidade na prestação dos serviços. Trata-se de imposição rigorosa que, uma vez não caracterizada, afasta a condição do trabalhador de empregado doméstico. Assim, não se pode considerar doméstica a diarista que presta serviços em residência lá comparecendo um ou dois dias na semana, ainda mais restando provado que trabalhou para outras residências nos demais dias da semana (TRT 2ª Reg. ac. nº 20050718619 DECISÃO: 18 10 2005, 6ª T. Ivani Contini Bramante.

Em suma, para o trabalhador ser considerado empregado doméstico, é necessário reunir cinco requisitos, a saber: pessoalidade, onerosidade, subordinação jurídica, continuidade e prestação de serviços para pessoa física ou família para o âmbito residencial.

A diarista que presta serviços uma vez por semana, de forma contínua e subordinada, é considerada empregada doméstica e não trabalhadora autônoma, pois não se pode entender por continuidade aquilo que não é ininterrupto, mas sim como o que é sucessivo de forma permanente.

Bibliografia

– BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 1ª ed., LTr.

– DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 4ª ed., LTr.

– MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 21ª ed., Atlas.

– MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 1º vol, Saraiva, 1977.

– PAMPLONA FILHO, Rodolfo e VILLATORE, Marco Antônio César. Direito do Trabalho Doméstico. 2ª ed., LTr.

– PINTO, José Augusto Rodrigues, Curso de Direito Individual do Trabalho, 5ª ed., LTr.

– De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, 15ª edição.

Notas de rodapé

1 – PAMPLONA FILHO, Rodolfo. VILLATORE, Marco Antônio César. Direito do Trabalho Doméstico. São Paulo: Ltr, 2ª edição, p. 20.

2 – Ob. cit. p. 21

3 – DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTr, 4ª ed., p. 365.

4 – MARTINS. Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. editora Atlas, 21ª edição, p. 175.

5 – Ob. cit. p. 22.

6 – Ob. cit. p. 48.

7 – MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 1º vol., Saraiva, 1977, p.34/35

8 – De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, 15ª edição, p. 215.

9 – PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direitos Individual do Trabalho. 5ª ed., LTr p. 112.

10 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho, 1ª ed., LTr, p. 240

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!