Escolha viciada

Escolha de juízes substitutos pelos TRFs é inconstitucional

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9 de março de 2006, 7h00

Está pendente de apreciação no Conselho Nacional de Justiça o Pedido de Providências 183, apresentado por um juiz federal de São Paulo em face do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, requerendo a fixação de critérios para as convocações de juízes nas substituições temporárias dos membros daquela corte. Embora se refira ao TRF localizado em São Paulo, a matéria é de interesse nacional e extrapola os limites da Justiça Federal.

Feitas usualmente com base em laços de amizade, simpatia ou alinhamento político-institucional, as escolhas de juízes federais para substituir desembargadores nos afastamentos superiores a 30 dias suscita dúvidas quanto a legalidade e a constitucionalidade de tais procedimentos.

Analisando-se os regimentos internos dos TRFs, verifica-se que eles disciplinam a matéria da seguinte forma: o da primeira região exige que o substituto seja juiz federal vitalício com mais de 30 anos de idade e cinco anos de exercício1; o da segunda exige apenas a aprovação pela maioria do Plenário e a observação do disposto no artigo 118 da Loman2; o da terceira, ta aprovação pela maioria do Plenário, também desde que observado o artigo 118 da Loman, ser juiz vitalício e possuir mais de 30 anos3; o da quarta apresenta os mesmos requisitos do tribunal da primeira região, apenas com a observação de que é aplicável o parágrafo segundo do artigo 118 da Loman, como a negar, implicitamente, que seja aplicável o parágrafo primeiro desse artigo4; o tribunal da quinta região, o menos exigente, requer apenas que o juiz federal seja vitalício5.

Como se verifica, apenas os tribunais da primeira e da quarta regiões exigem o cumprimento, pelo substituto, do requisito constitucional para o provimento efetivo do cargo de desembargador federal: idade a partir de 30 anos e contar com mais de cinco anos de exercício na carreira (CF, art. 107, caput e inciso II). Vale dizer que os outros três tribunais ignoram, incidindo em inconstitucionalidade, o imperativo de o convocado ostentar indicadores mínimos de maturidade para o exercício da função. O extremo da falta de exigência de experiência e maturidade ocorre na quinta região, pois, ao reclamar apenas a condição de vitaliciado, o tribunal permite, em tese, a convocação de juiz com apenas dois anos de exercício.

A orientação do Conselho da Justiça Federal, porém, é no sentido de que somente podem ser convocados juízes que preencham os requisitos para a promoção ao cargo de desembargador. É o que se extrai da Resolução 210, de 30 de junho de 19996, que trata de matéria análoga à substituição, qual seja, a convocação de juízes federais para auxiliar nos tribunais nos termos do artigo 4º da Lei 9.788/99. É a seguinte a redação do artigo 2º da referida resolução:

“Artigo 2º: A convocação deverá recair sobre os juízes federais que preencham os requisitos legais para a promoção ao tribunal.

Parágrafo único: Não havendo juízes federais que preencham tais requisitos ou sendo eles recusados por dois terços dos membros do tribunal, poderão ser convocados outros juízes federais ou juízes federais substitutos”.

Mas as inconstitucionalidades vão além, em decorrência de os tribunais adotarem o sistema de indicação do juiz federal pelo desembargador substituído, ignorando, no regimento ou na prática, a necessidade de a indicação do substituto, para aprovação pelo Plenário, ser feita por sorteio nos termos do parágrafo primeiro, do artigo 118 da Loman7, dispositivo este aplicável aos TRFs, conforme a menção expressa aos tribunais regionais feita no caput do artigo ou ainda considerando que estes substituíram o Tribunal Federal de Recursos na estrutura hierárquica da Justiça Federal.

Tal prática infringe elevados princípios constitucionais, a saber: o republicano, o do juiz natural, o da impessoalidade, o da legalidade e o da isonomia.

A violação do princípio republicano ocorre ao permitir-se que a escolha do substituto decorra da indicação do substituído, vício este que não é convalidado com a aprovação da indicação pelo Plenário. O cargo de desembargador é público e sua ocupação, ainda que interina, deve observar procedimentos republicanos, segundo regras que objetivem atender ao interesse público e à coisa coletiva, em nada se assemelhando a negócios entre particulares, a cessão de coisas, interesses, responsabilidades ou oportunidades privadas. Não deve pairar qualquer dúvida de que a escolha foi motivada exclusivamente pelo interesse público, o que restaria inviabilizado ao permitir-se a indicação por pessoa sem atribuição legal para isso — por mais bem intencionada que esteja — e segundo seus critérios pessoais.

Igualmente, a escolha como feita até agora transgride o princípio do juiz natural, consistente no direito fundamental do cidadão de não ser julgado senão pelo órgão jurisdicional competente, assim entendido aquele detentor da atribuição para o julgamento da causa, conforme normas anteriores aos fatos e na garantia de inexistência de tribunais de exceção. Este princípio, importantíssimo e próprio do Estado Democrático de Direito, resguarda a credibilidade e a imparcialidade do Judiciário ao vedar a possibilidade de escolha do juiz ou do órgão para o julgamento de causa já determinada.


Esse proceder abate, também, o princípio da impessoalidade, o qual dispõe que os atos praticados pela administração devem destinar-se às pessoas que atendam aos critérios gerais previamente estabelecidos em lei, impedindo que os atos sejam praticados visando beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas por critérios subjetivos. Por outro lado, o princípio da impessoalidade atribui ao Estado, e não às pessoas investidas nas funções públicas, a autoria dos atos praticados na administração pública.

Por sua vez, o ofendido princípio da legalidade impõe que na administração pública só pode ser feito o que for autorizado por lei e que o particular só por lei pode ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo. Dessa forma, patente a violação a este princípio quando se está a desrespeitar a exigência de sorteio, constante do parágrafo primeiro, do artigo 118 da Loman, efetuando-se a escolha do nome a ser apreciado pelo tribunal por forma não prevista em lei.

O princípio da isonomia também resta profanado ao se permitir a indicação livre feita pelo desembargador substituído, gerando tratamento desigual entre os juizes federais, elegendo-se critério de diferenciação, qual seja, a preferência pessoal do desembargador, desprovido de qualquer justificativa.

Anoto que não se pode dizer que a indicação pelo substituído objetive evitar o acesso a profissional sem condições para atuar na segunda instância ou a assegurar o exercício da função por pessoa da confiança do substituído. Primeiro, porque a avaliação das condições do substituto deve ser feita na forma legal prevista no artigo 118 da Loman, ou seja, por meio da aprovação do substituto pelo voto da maioria do Plenário. Segundo, porque as obrigações do substituto decorrem da lei e não do relacionamento de confiança com o substituído, nada mais sendo exigível do substituto além do cumprimento dos requisitos legais e que paute sua atuação no estrito cumprimento da lei, como, de regra, deve todo funcionário público proceder.

A desnecessidade de vínculos de confiança e de gratidão é até saudável, pois eles poderiam comprometer a independência necessária à atuação jurisdicional.

Logo, vê-se que os TRFs incorrem em inconstitucionalidades ao convocarem juízes federais para substituir desembargadores sem observar o atendimento dos requisitos de idade e experiência para provimento do cargo e em ilegalidade, ao não escolherem, por meio de sorteio, o nome do substituto a ser submetido ao Plenário do tribunal, como previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. A correção desses vícios, por meio do sorteio do substituto dentre os juízes com mais de 30 anos de idade e cinco anos de exercício na carreira, com posterior aprovação do nome pela maioria do tribunal, repetindo-se o sorteio e a votação no caso de reprovação, contribuirá para o fortalecimento e a democratização dessas instituições públicas, em função do aumento da pluralidade e da diversidade de seus integrantes.

Referências bibliográficas

– BRASIL, Conselho da Justiça Federal, Resolução 210, disponível em http://www.cjf.gov.br/download/res210.pdf, acesso em 14/11/05;

– BRASIL, Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Regimento Interno, disponível em

http://www.trf1.gov.br/setorial/biblioteca/default.htm, acesso em 3/11/05;

– BRASIL, Tribunal Regional Federal da Segunda Região, Regimento Interno, disponível em http://www.trf2.gov.br/institucional/regimento/parte1.html, acesso em 3/11/2005;

– BRASIL, Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Regimento Interno, disponível em http://www.trf3.gov.br/fileadmin/template/main/site/docs/revista/RI_2004.DOC#Parte_I, acesso em 3/11/05;

– BRASIL, Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Regimento Interno, disponível em http://www.trf4.gov.br/trf4/upload/arquivos/leg_reg_interno/regim.atual-ate_ar47-abril-2005-ana1.pdf, acesso em 3/11/05;

– BRASIL, Tribunal Regional Federal da Quinta Região, Regimento Interno (com a Emenda Regimental 36, de 06 de Outubro de 2004), disponível em http://www.trf3.gov.br/index.php?id=2069, acesso em 3/11/05.

Notas de rodapé

1 – Artigo 115: Em caso de afastamento, a qualquer título, por período superior a trinta dias, os feitos em poder do desembargador federal afastado, bem como aqueles em que tenha lançado relatório ou posto em mesa para julgamento, serão julgados por seu substituto, juiz federal convocado, depois de aprovada, previamente, a convocação pela maioria absoluta dos membros do tribunal.

Parágrafo 1º: O julgamento que tiver sido iniciado prosseguirá, computando-se os votos já proferidos, ainda que o desembargador federal afastado seja o relator.

Parágrafo 2º: Somente quando indispensável para decidir nova questão surgida no julgamento, será dado substituto ao ausente, cujo voto, então, não se computará, quando incompatível.


Artigo 116: Quando o afastamento for por período igual ou superior a três dias, serão redistribuídos, mediante oportuna compensação, os Habeas Corpus, mandados de segurança e feitos que, consoante fundada alegação do interessado, reclamem solução urgente. Em caso de vaga, ressalvados esses processos, os demais serão atribuídos ao nomeado para preenchê-la.

Artigo 117: Para completar quorum em uma das seções, serão convocados desembargadores federais de outra, o mesmo ocorrendo nas turmas, de preferência da mesma seção.

Artigo 118: A convocação de juiz federal também se fará para completar, como vogal, o quorum de julgamento, quando, por suspeição ou impedimento dos integrantes do Tribunal, não for possível a substituição na forma prevista no artigo anterior.

Parágrafo 1º: A convocação far-se-á pelo presidente do tribunal entre os juízes federais vitalícios com mais de trinta anos de idade e cinco anos de exercício.

Parágrafo 2º: Não poderão ser convocados juízes federais punidos com as penas previstas nos artigos 137 e 138 deste regimento nem os que estejam respondendo ao procedimento de que trata o art. 134.Disponível em http://www.trf1.gov.br/setorial/biblioteca/default.htm, , acesso em 3/11/05.

2 – Artigo 59: Em caso de vaga ou de afastamento de juiz do tribunal por prazo superior a 30 dias, poderá ser convocado juiz federal para substituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Plenário, observando-se o disposto no art. 118 da Lei Complementar 35/79.

Parágrafo 1º: Salvo na hipótese de vacância, não haverá redistribuição dos processos ao juiz convocado.

Parágrafo 2º: O juiz federal convocado receberá a diferença de vencimento correspondente ao cargo de juiz do tribunal, inclusive diárias e transporte, se for o caso.

Parágrafo 3º: A convocação em qualquer hipótese far-se-á na forma estabelecida neste artigo, dentre juízes federais que não tenham sofrido punição prevista neste regimento.

Disponível em http://www.trf2.gov.br/institucional/regimento/parte1.html, acesso em 3/11/05.

3 – Artigo 51: Em caso de vaga ou de afastamento de desembargador federal do tribunal, por prazo superior a 30 dias, poderá ser convocado juiz federal da primeira instância, para substituição. A convocação far-se-á pelo voto da maioria absoluta de seus membros, observando-se o disposto no artigo 118 da Lei Complementar 35/79, com a redação da Lei Complementar 54/86.

Parágrafo 1º: O julgamento que tiver sido iniciado prosseguirá, computando-se os votos já proferidos, ainda que o desembargador federal afastado seja o relator.

Parágrafo 2º: Somente quando indispensável para decidir nova questão, surgida no julgamento, será substituído o ausente, cujo voto, então não se computará.

Parágrafo 3º: Em nenhuma hipótese, salvo vacância de cargo, haverá redistribuição de processos ao juiz federal de primeira instância convocado (Lei Complementar 35/79, artigo 118, parágrafo 4º, com a redação da Lei Complementar 54/86).

Parágrafo 4º: O juiz federal de primeira instância convocado receberá a diferença de vencimentos correspondentes ao cargo de desembargador federal do tribunal, inclusive diárias e transporte, se for o caso (Lei Complementar 35/79, artigo 124, com a redação da Lei Complementar 54/86). Disponível em http://www.trf3.gov.br/fileadmin/template/main/site/docs/revista/RI_2004.DOC#Parte_I. Acesso em 3/11/05.

4 – Artigo 44: Em caso de vaga ou afastamento de desembargador federal por prazo superior a trinta dias, poderá ser convocado, para substituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Plenário, juiz federal vitalício com mais de cinco anos de exercício jurisdicional na Justiça Federal e a idade mínima de 30 anos, observado o disposto no artigo 118, parágrafo 2.º, da Lei Complementar 35, de 14/03/79. Redação dada pelo Assento Regimental 35/02.

Disponível em http://www.trf4.gov.br/trf4/upload/arquivos/leg_reg_interno/regim.atual-ate_ar47-abril-2005-ana1.pdf, acesso em 3/11/05.

5 – Artigo 39: Em caso de vaga ou afastamento de desembargador federal, por prazo superior a 30 dias, poderá ser convocado, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, juiz federal vitalício para substituição.

Parágrafo 1°: O julgamento que tiver sido iniciado prosseguirá, computando-.se votos já proferidos, ainda que o desembargador federal afastado seja o relator.

Parágrafo 2°: Somente quando indispensável para decidir nova questão, surgida no julgamento, será dado substituto ao ausente, cujo voto, então, não se computará

Parágrafo 3°: O juiz federal convocado receberá a diferença de vencimento correspondente ao cargo de desembargador federal do tribunal, inclusive diárias e transporte, se for o caso (Lei Complementar 35n9, artigo 124, com a redação da Lei Complementar 54/86).

Parágrafo 4°: A diária comportará somente a quantia correspondente à alimentação quando o tribunal colocar moradia à disposição do juiz federal convocado.

Redação dada pela Emenda Regimental 36/04. Disponível em http://www.trf3.gov.br/index.php?id=2069, acesso em 3/11/2005.

6 – Resolução 210, disponível em http://www.cjf.gov.br/download/res210.pdf, acesso em 14/11/05.

7 – Artigo 118: Em caso de vaga ou afastamento, por prazo superior a 30 dias, de membro dos tribunais superiores, dos tribunais regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alçada, (vetado) poderão ser convocados juízes, em substituição (vetado) escolhidos (vetado) por decisão da maioria absoluta do tribunal respectivo, ou, se houver, de seu Órgão Especial: (Redação dada pela Lei Complementar 54, de 22/12/1986)

Parágrafo 1º: A convocação far-se-á mediante sorteio público dentre:

I – os juízes federais, para o Tribunal Federal de Recursos;

II – o corregedor e juízes auditores para a substituição de ministro togado do Superior Tribunal Militar;

III – os juízes da Comarca da Capital para os Tribunais de Justiça dos estados onde não houver Tribunal de Alçada e, onde houver, dentre os membros deste para os Tribunais de Justiça e dentre os juízes da Comarca da sede do Tribunal de Alçada para o mesmo;

IV – os juízes de Direito do Distrito Federal, para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios;

V – os juízes presidentes de Junta de Conciliação e julgamento da sede da região para os Tribunais Regionais do Trabalho.

Parágrafo 2º: Não poderão ser convocados juízes punidos com as penas previstas no artigo 42, I, II, III e IV, nem os que estejam respondendo ao procedimento previsto no artigo 27.

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