Empréstimo compulsório

Substituição tributária para frente é um empréstimo compulsório

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8 de março de 2006, 17h10

Comenta-se das desavenças entre o Legislativo, Executivo e Judiciário, mas nada tem se falado de quando eles comungam para aumentar a arrecadação tributária, tendo como único lesado o contribuinte.

Nesse contexto, surge o assunto da reforma tributária e o tributo mais abordado é o ICMS, com a discussão sobre unificação de alíquotas e o momento da incidência, se na origem ou no destino. Porém, o lado obscuro e perverso desse tributo, responsável por aproximadamente 30% do total arrecadado, não tem sido sequer mencionado: a substituição tributária do ICMS.

Com o advento da Lei Complementar 87/96, a doutrina começou a admitir três tipos de substituições tributárias. São elas:

– Substituição tributária antecedente, que é vinculada a fatos geradores ocorridos anteriormente, sendo que a lei escolhe o responsável tributário e o momento do recolhimento;

– Substituição tributária concomitante, que determina o recolhimento no exato instante em que ocorre o fato gerador;

– Substituição tributária para frente, que refere-se à substituição tributária subseqüente, vinculada a fatos geradores futuros, como no caso de distribuidores, fabricantes de bebidas e cigarros, veículos novos, cimentos, pneus e etc.. É sobre esta modalidade de substituição que iremos tecer alguns comentários.

A norma constitucional que estabelece a substituição tributária para frente do ICMS encontra abrigo no parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal, com a seguinte redação:

“Parágrafo 7º: A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada à imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido” (Constituição Federal, alteração promovida pela Emenda Constitucional 03/93).

Consiste a norma constitucional em obrigar alguém a pagar, não apenas o imposto atinente à operação por ele praticada, mas também o relativo à operação ou operações posteriores. O instituto já foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, após grande debate sobre o tema.

A substituição tributária para frente tem sido aplicada em companhias distribuidoras de bebidas, montadoras de veículos, fábricas de cigarros.

No entanto, apesar da constitucionalização do instituto ora analisado, acredito que a alteração promovida pela Emenda Constitucional 3/93 fere diversos princípios constitucionais tributários basilares do nosso ordenamento jurídico, entre eles o da tipicidade tributária, não-cumulatividade, capacidade contributiva, bem como a vulnerabilidade do princípio atributivo de competência tributária aos estados membros, configurando até mesmo um autêntico empréstimo compulsório, só previsto nas hipóteses do artigo 148 da nossa Carta Magna.

Vejamos os principais argumentos que sustentam a inconstitucionalidade do dispositivo:

1. Violação do princípio da tipicidade tributária: importa exigência do imposto antes da ocorrência do seu fato gerador. Na verdade, como menciona o professor Ives Gandra da Silva Martins, não cria um fato gerador fictício e nem presumido, mas inexistente, com ferimento ao princípio da legalidade. A jurisprudência do STJ e STF tem seguido o sentido contrário. No entanto, reitero que a Emenda 3/93 criou a absurda figura da responsabilidade tributária do fato futuro. O preceito em tela autoriza a lei a fazer nascerem tributos de fatos que ainda não ocorreram, mas que, ao que tudo indica, ocorrerão. Noutros termos, permite que a lei crie presunções de acontecimentos futuros e, com elas, faça nascer obrigação tributária.

Ressaltamos também que o artigo 1º da EC 03/93 é inconstitucional porque atropela o princípio da segurança jurídica, em sua dupla manifestação: certeza do direito e proibição do arbítrio. Portanto, está clara a violação do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal.

2- Violação do princípio da não-cumulatividade: já que o valor pago na operação anterior não poderá ser creditado na operação posterior, visto que o valor já vem cobrado por todas as fases da cadeia produtiva.

A cobrança do ICMS é balizada principalmente pelo princípio constitucional da não-cumulatividade, sendo que expressão constitucional é bastante clara ao mencionar “compensando-se o que for devido”. É uma determinação imperativa para que normas infraconstitucionais se mantenham fiéis a este comando. Destarte, o ICMS é um imposto essencialmente não cumulativo, uma vez certo que a vigente carta política assegura ao contribuinte real e efetiva dedução do valor cobrado na operação anterior. Em resumo, os mecanismos constitucionais, pondo freio à voracidade do Estado, evitam uma tributação excessiva.

3- Igualdade de todos perante a lei do qual o princípio da capacidade contributiva seria mero desdobramento: daí a inconstitucionalidade ao que determina o artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Carta Magna.

4- Empréstimo compulsório: trata-se de verdadeiro empréstimo compulsório, já que a cobrança ocorre antes do fato gerador do imposto. Assim, só poderia ser instituído pela União mediante lei complementar.

Apesar de, na minha convicção, esta alteração promovida pela EC 03/93 ser inconstitucional, me curvo à determinação da jurisprudência construída sobre o assunto, assim como diz o professor Ives Gandra da Silva Martins:

“Em face do entendimento proteriano superior, não mantenho aquela altivez própria de doutrinadores de algumas escolas que, seguidoras de Hegel, não se curvam nunca e em vez de dizerem, ante incompatibilidade entre os fatos e a teoria ‘Pior para os fatos’, concluem, quando esta incompatibilidade coloca-se entre sua doutrina e a jurisprudência: ‘Pior para jurisprudência’. De minha parte, curvo-me perante a orientação jurisprudencial, reformulando minha concepção original e submetendo-me à interpretação do guardião da Constituição, que é o Supremo Tribunal Federal”.

Assim, passamos a análise do dispositivo considerado constitucional. Algumas questões devem ser analisadas como o termo “lei” mencionado no dispositivo, bem como o prazo estipulado para devolução do tributo.

Primeira questão que se depreende do novo texto constitucional gira em torno da necessidade de lei ordinária ou lei complementar para regular as leis estaduais que determinem o instituto da substituição tributária para frente. Acredito que, como o legislador não fez menção para adjetivá-la, basta lei ordinária para sua determinação, prescindindo de lei complementar. Aliás, este tem sido o posicionamento em casos desse tipo: quando a lei não trouxer expressamente a qualificação de lei complementar, pode ser regulado por lei ordinária.

Vale ainda trazer a baila o artigo 10 da Lei Complementar 87/96 que determina prazo de 90 dias para devolução de qualquer forma, com ou sem lei estadual, que, senão ocorrer, o contribuinte substituído poderá se creditar em sua escrita fiscal do valor do objeto do pedido, criando ainda mecanismos de atualização real a serem devolvidos, para não prejudicar o contribuinte, bem como o direito da Fazenda de contestar e recuperar os valores indevidamente creditados. Repare que, apesar do artigo 150, parágrafo 7º ter se utilizado da expressão “imediata e preferencial restituição”, a Lei Complementar 87/96 torna-se auto-aplicável se o prazo máximo for ultrapassado.

Veja a redação do dispositivo ora comentado:

“Artigo 10: É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.

Parágrafo 1º: Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de 90 dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor do objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicados aos tributos.

Parágrafo 2º: Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de 15 dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis”.

Considerando a constitucionalidade da norma, devemos comentar sobre o existente debate da possibilidade ou não para compelir os substitutos a restituírem os excessos aos substituídos. Acreditamos que não haja qualquer fundamento para o substituto realizar tal pleito, já que, na verdade, o detentor do excesso é o poder tributante. Logo, contra esse deve se estabelecer à relação jurídica fiscal. Na verdade, seria um absurdo imaginar os substitutos integrando o pólo passivo desta relação fiscal.

Além disso, é mansa a jurisprudência no sentido da possibilidade de devolução do valor da substituição tributária pago a maior. Porém, é claro, entre o substituto e o poder tributante.

“TRIBUTÁRIO ICMS – SUSBTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE – ESTORNO.

1) O STJ sedimentou entendimento no sentido de que no regime da substituição tributária para frente, pago o ICMS ‘a maior’, tem o substituto o direito de repetir o que extrapolou.

2) Ação declaratória que não questionou o valor da devolução e sim a certificação do direito.

3) Recurso especial provido. Vistos, relatos e discutidos estes autos, acordam os Ministros da segunda turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. RESP 300182/SP; Recurso Especial (2001/0005509-5) DJ DATA: 25/02/2002 PG: 00309 Relator Min. ELIANA CALMON (1114) 18/10/2001 T2 –Segunda Turma.”

Referências bibliográficas

1 – www.stj.gov.br.

2 – www.stf.gov.br.

– MARTINS, Ives Gandra. Sistema tributário na Constituição de 1988. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

– MEIRA JUNIOR, José Julberto. Substituição tributária no ICMS: Pagar ou recolher?, Jus Navegandi, Teresina, ª4, n. 40, mar. 2000. Disponível no www.jus.com.br em 07 jun de 2005.

– FARIA, Luís Carlos Silva de. Da substituição tributária do ICMS: ilegal imposição compulsória, 1ª ed. Juruá, Curitiba, 2000.

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