Pesquisa no campo

MP vai à Justiça para que IBGE faça Censo Agropecuário

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8 de março de 2006, 19h48

A Procuradoria da República de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública contra a União e a Fundação IBGE pedindo que a Justiça Federal determine que o instituto faça o Censo Agropecuário. O censo deveria ocorrer de cinco em cinco anos mas não é feito há mais de dez anos.

O Censo Agropecuário é um dos recenseamentos econômicos feitos pelo IBGE e serve para a avaliação, o aperfeiçoamento e o ajuste das políticas públicas para o campo, bem como para o planejamento e a implantação de ações e programas de desenvolvimento regional. Segundo o MP, o censo é a única fonte de informação sobre produção, renda, área, número de propriedades e trabalhadores que compõem a matriz agropecuária brasileira.

De acordo com a ação ajuizada pelo procurador da República, Márcio Schusterschitz da Silva Araújo, a defasagem das informações do censo, feito pela última vez em 1996, prejudica a orientação dos programas governamentais de defesa agropecuária e contraria lei federal que estabeleceu periodicidade máxima de cinco anos para os censos econômicos.

Ainda segundo a ação, o IBGE iniciou o planejamento de um novo censo em 1999, que deveria ir a campo em 2002, levantando informações referentes a 2001. Apesar do investimento técnico no projeto, cortes orçamentários postergaram a pesquisa.

O Ministério Público Federal pede à Justiça que determine o início do censo no prazo de três meses contados da data da liminar, ou outro prazo definido pelo Juízo. Também pede que a pesquisa seja concluída sem interrupção, sob pena de multa diária.

Leia a íntegra da ação:

Exmo. Sr. Juiz Federal da _______ .ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo

O Ministério Público Federal, por seu Procurador que ao final assina e com base no artigo 129, II e III da Constituição Federal, e do artigo 1.º e seguintes seguintes da Lei n.º 7.437/85, vem ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de ANTECIPAÇÃO DA TUTELA em face da UNIÃO – pessoa Jurídica de Direito Pública Interno, de notório endereço;

FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE, fundação pública com endereço em São Paulo a Rua Urussui, n.º 93, Itaim Bibi e com sede no Rio de Janeiro, na Avenida Franklin Roosevelt, 166, 10.º andar, bairro Castelo

pelos seguintes fundamentos de fato e de direitos

I. Introdução

Pela presente, pretende o Ministério Público Federal ter a efetiva realização do Censo Agropecuário por parte da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – e para tanto, tendo devidamente garantidos os necessários recursos por parte da União – pesquisa de periodicidade quinquenal, mas que não se realiza já há dez anos.

II. O IBGE

É a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística autarquia federal vinculada em sua finalidade à realização de uma série de pesquisas e à produção de uma série de dados e informações no interesse de necessidades as mais variadas, tanto do poder público quanto da sociedade civil. Assim dentro da competência que a Constituição deu à União de organizar e manter os serviços de estatística e geografia de âmbito nacional – art. 21, XV.

Ademais de determinação constitucional, referidos serviços são o pressuposto para a série realização de um sem número de atividades, na medida em que se há que considerar que a informação é o pressuposto para a ação e que, ademais, em um País democrático e republicano, é ela também um dos próprios fundamentos da cidadania.

Nessa linha, o Estado produtor de dados estatísticos e geográficos é devedor da sociedade civil não apenas dela produtora ou prestadora de serviços, ou seja, no ponto em que vinculada à exploração de uma atividade econômica, mas também enquanto legítima destinatária dos esclarecimentos quanto às circunstâncias dentro das quais vive o País.

Em outra linha, por ser destinatária das ações públicas e por dependerem estas de dados e informações que as fundamentem, dados esses a serem fornecidos pelo Instituto réu, também nessa perspectiva credora a sociedade civil do Estado prestador dos já refetidos serviços de estatística e geografia.

Assim também aponta o próprio IBGE, ao falar de si junto ao Tribunal de Contas da União (fls. 46):

“Estatísticas sociodemográficas e econômicas, mapeamentos e análises geográficas são elementos imprescindíveis para diagnosticar e monitorar a dinâmica econômica, demográfica, social e política de uma sociedade, fundamentar ações de planejamento, tanto na área pública como na iniciativa privada, e contribuir par ao processo de consolidação da cidadania.

A necessidade destas informações é ainda mais premente quando se trata de uma sociedade em constante processo de transformação, ocupando um território de grande extensão e caracterizada por fortes desequilíbrios socioeconômicos, cuja expressão espacial mais marcante são as desigualdades regionais.

Coletar, armazenar, analisar e disseminar informações que descrevam de forma adequada a realidade brasileira, em suas múltiplas dimensões, constituem a tarefa básica da produção técnica do IBGE”


III. O Censo Agropecuário

Traz a Constituição Federal a determinação à União de atender aos serviços de estatística e geografia de âmbito nacional, determinação essa que engloba, dentre outras, a feitura de censo agropecuário.

Especificamente, referido censo, enquanto quinquenal, deveria ter sido feito em 2001.

Trata-se de importantíssima pesquisa e, efetivamente, o núcleo da atuação do IBGE no meio rural. Por ele, são obtidas as informações sobre a situação econômica e financeira e as atividades dos estabelecimentos agropecuários relativas à agricultura, pecuária, avicultura, apicultura, cunicultura, etc (cf. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/default.shtm)

Nessa linha, nos autos da representação que acompanha essa inicial, a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo traz as seguintes considerações quanto à importância da regular realização do censo agropecuário:

“Preliminarmente, faz-se mister destacar que o Censo Agropecuário Brasileiro é importante instrumento de avaliação, aperfeiçoamento e ajuste das políticas públicas relativas ao setor produtivo rural, bem como, de suporte, planejamento e implantação de novas ações e programas de desenvolvimento regional.

A falta de regularidade no levantamento de informações demográficas, ambientais, sociais e econômicas, que forneçam um diagnóstico da real estrutura de produção agropecuária do País, interfere não somente a elaboração de estudos e planos específicos voltados ao meio rural, como também compromete a eficácia da utilização dos escassos recursos públicos, causando desperdícios e falta de efetividade das políticas públicas pela dissonância das demandas e reais carências da sociedade.

Nessa esteira, é importante ressaltar que o uso de informações censitárias com dez anos de defasagem, que não retratam os avanços, as necessidades e as prioridades da realidade rural brasileira, prejudica a orientação dos programas governamentais de defesa agropecuária, assistência técnica, pesquisa agropecuária e desenvolvimento rural, haja vista que o último Censo do IBGE é datado de 1995/1996. A iniciativa privada e as entidades de representação do setor também têm suas ações dificultadas pela utilização de dados que não representam o estágio de desenvolvimento social, econômico e tecnológico da agropecuária nacional.

Assim, de forma específica, podemos apontar alguns prejuízos decorrentes da não utilização de um Censo Agropecuário atualizado no planejamento e gestão estratégica da produção rural brasileira, conforme segue:

dificuldade de orientação das linhas de pesquisa agropecuária pelas instituições de ensino e pesquisa agropecuária;

inadequada gestão e planejamento setorial pelo não levantamento e verificação de informações que cubram aspectos qualitativos do setor, tais como: indicativos de sustentabilidade agrícola, preservação do meio ambiente, uso do solo, métodos de controle de pragas e doenças, práticas agrícolas, educação, qualidade de vida, saúde no campo, etc.

inadequação do estabelecimento e reformulação de leis, normas, instruções normativas, portarias, enfim, do arcabouço jurídico brasileiro, pela não verificação do atual nível de educação e conhecimento dos produtos a respeito da legislação ambiental, de recursos hídricos, trabalhista, fundiária, previdenciária, etc;

imprecisão nas análises econômicas setoriais pela ausência de informações sobre novas atividades econômicas que ganharam importância regional, a exemplo da aquicultura, cultivo de plantas medicinais e aromáticas, criação de ratitas, etc.; bem como sobre as novas fronteiras agrícolas que se expandiram consideravelmente nos últimos anos;

incapacidade de aferição das políticas públicas voltadas ao setor que, nos últimos anos, direcionaram muitos recursos para programas e segmentos específicos, sem qualquer tipo de acompanhamento e contrapartida, impossibilitando a avaliação dos resultados de tais programas;

má orientação dos recursos do crédito rural, pela ausência de informações que melhor caracterizem e estratifiquem os produtores rurais, os estabelecimentos e as atividades agropecuárias para a tomada de crédito;

impossibilidade de caracterização do público-alvo específico para definição ou aprimoramento de programas públicos e privados junto às aldeias indígenas, assentamentos rurais, quilombolas e micro, pequenos, médioas e grandes produtores rurais; e

erro na priorização e/ou no dimensionamento e extensão de programas específicos de fomento à atividade rural, pelo não conhecimento do número exato de, por exemplo, bovinos de corte, leite, suínos, armazéns de grãos, tratores, colheitadeiras, pomares de citros e, inclusive, produtores de atividade específica.

Há que se considerar que o Censo Agropecuário Brasileiro é um dos poucos instrumentos de análise quantitativa do setor agropecuário. É a única fonte de informação disponível contemplando dados sobre produção, renda, área, número de propriedades e trabalhadores, bem como, sobre matriz agropecuária brasileira como um todo


De seu lado, afirma a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo:

“1. Temos a esclarecer que o censo agropecuário:

a) provém a nação de informações estatísticas, mostrando a real situação num dado momento, bem como sua evolução em períodos longos;

b) fornece base para os levantamentos sistemáticos da produção agrícola feitos pelo IBGE entre dois censos consecutivos;

c) é a mais confiável base de dados sobre a agropecuária para fins de estudos científicos realizados pelas instituições científicas nacionais e internacionais.

2. Sua não realização acarreta pelo menos os seguintes prejuízos enumerados a seguir:

a) prejuízos à soberania – quem tem informação tem mais poder de quem não a tem. Se o País deixar de ter suas próprias informações estatísticas de boa qualidade estará renunciando a parte de sua soberania, uma vez que outros países poderão imputar informações de outras fontes a respeito do Brasil.

b) prejuízos econômicos – o mercado, principalmente o globalizado, tende a usar as estatísticas mais fidedignas que estiverem disponíveis. Se o País deixar de ter suas próprias informações estatísticas de boa qualidade, o mercado utilizará quaisquer outras fontes disponíveis. O maior prejuízo será nos produtos agropecuários exportados, que poderão ter seus valores diminuídos em razão de estatísticas erradas. Consequentemente, haverá perda de divisas e de arrecadação, bem como efeitos negativos sobre o nível de emprego no agronegócio nacional.

c) prejuízos políticos – os prejuízos à soberania e os prejuízos econômicos acarretam prejuízos políticos ao governo, independentemente de partido. Além disso, a periodicidade do censo garante certa estabilidade e confiabilidde por parte dos usuários, inclusive do exterior.

d) prejuízos éticos – informações estatísticas erradas ou inexistentes interessam apenas a especuladores e outros agentes que não tenham boas intenções. Portanto, mesmo que de maneira indireta, perderão os bons contribuintes em proveito daqueles.

e) prejuízos ao conhecimento – sem dados de boa qualidade, a produção científica nacional sobre a agropecuária e a agroindústria perderá em qualidade e quantidade. Além disso, as estatísticas conjunturais do levantamento sistemático da produção agrícola perderão qualidade ao longo do tempo. Com menos conhecimento sobre o agronegócio, mais decisões erradas serão tomadas, tanto pelo setor privado quanto pelo setor público.

f) prejuízos legais – a Constituição Federal de 1988 estabelece que compete à União “organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia” (art. 21, inciso XV)

Por sua vez, esclarece a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil:

“A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) manifesta preocupação pela não realização do censo agropecuário do País. Tal medida dificulta todo o planejamento do agronegócio, bem como o conhecimento da eficiência e eficácia das diferentes políticas públicas para o setor. A dinâmica da produção primária agropecuária possibilita uma elevada participação em todos os seguimentos da atividade econômica do País. O Produto Interno Bruto (PIB), a preços de mercado, do Agronegócio participou com 28% do PIB do País em 2005. A ausência de informações censitárias atuais dificulta não apenas o planejamento público mas também a tomada de decisão de investimento do setor privado.

O último censo agropecuário realizado no País ocorreu no período de 1995 a 1996, período logo após o Plano Real e, portanto não contempla as modificações que o setor rural passou nesses últimos 10 anos. Essa defasagem contraria a Lei 8184, de maio de 1991, que estabeleceu que os censos econômicos (agropecuário, industrial, comercial e de serviços) não podem exceder a cinco anos. Os censos agropecuários, nos principais países produtores agropecuários, são realizados com periodicidades quinquenais e com pesquisas amostrais intermediárias, a exemplo do que vem realizando os Estados Unidos, cujo último censo é do ano de 2002.

As informações disponíveis pelo governo sobre o setor rural não retratam mais a realidade do campo, compreendida pelas características dos estabelecimentos agropecuários, a mudança geográfica da produção, a ocupação da mão-de-obra e a sua qualificação, as informações sobre a ocupação das terras e o uso da água, condições econômicas e financeiras dos produtores rurais, a tecnologia empregada nas culturas, a capacidade armazenadora nas propriedades, condições de vida do produtor e da população rural e outras informações que são fundamentais na elaboração das políticas públicas.

A falta de informação atualizada do setor rural compromete a prioridade e a qualidade das políticas públicas, acarretando graves prejuízos aos produtores e as regiões produtoras. Da safra 97/98 a safra agrícola 2004/05, foram incorporados no processo produtivo 13,9 milhões de hectares, uma média de quase dois milhões de hectares, ao ano, foram incorporados ao processo produtivo. A maior parcela dessa agregação de área ocorreu na Região Centro-Oeste e nos cerrados do Piauí e do Maranhão. Embora essa nova geografia de produção tenha sido construída pelo setor privado, a infra-estrutura de escoamento da produção, composta de estradas, navegação de cabotagem, ferrovias e portos, não foram providas pelo setor público, a quem compete essa política. (…) O censo permitirá um maior conhecimento dessas regiões proporcionando condições para a realização do planejamento público e o planejamento de investimento para a produção agropecuária pelo setor privado.

(…)

Em termos de empregos, a agricultura é o segundo setor da atividade econômica que mais ocupa mão de obra (…) A questão da mão de obra no campo não é mais apenas quantitativa mas também qualitativa em termos de formação profissional e número de anos de estudos.

(…)

Em 2004, a arrecadação da contribuição previdenciária rural foi de R$ 3,2 bilhões com pagamento de benefício de R$ 23,9 bilhões, gerando um déficit de R$ 20,7 bilhões. O levantamento do censo terá condições objetivas de levantar informações importantes para o planejamento previdenciário e o gasto do governo no pagamento dos benefícios.

Um grande desafio para o novo censo é a questão ambiental.

(…)

Informações mais recentes sobre a renda agropecuária são estratégicas para os produtores brasileiros, na busca de políticas mais adequadas à sustentabilidade do setor, que promovam, ao mesmo tempo, a maximização de resultados para toda a sociedade.

(…)

A implantação do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), em 1996, teve como objetivo aumentar a capacidade produtiva e a melhoria de renda dos denominados agricultores familiares, definidos segundo critérios de receita bruta anual, área e até dois empregados permanentes. A realização de um censo agropecuário permitirá analisar os resultados de produção, receita bruta e líquida, de forma a aprimorar o Pronaf, contribuindo para readequar os custos e benefícios das políticas públicas (…).


IV. A mora na realização do Censo Agropecuário

Quanto à periodicidade do Censo Agropecuário, esclarece o IBGE – fls..270:

“Cabe informar que o modelo de produção de estatísticas agropecuárias prevê a realização do Censo Agropecuário com periodicidade quinquenal. O último Censo Agropecuário foi realizado em 1996, e os dados disponíveis são relativos ao ano safra 1995-1996. O IBGE iniciou em 1999, o planejamento de um novo Censo que deveria ir ao campo em 2002, levantando informações referentes a 2001. Apesar do investimento técnico do IBGE no projeto, diante dos cortes orçamentários, o Censo Agropecuário teve de ser sucessivamente postergado.

Diante do valor das informações disponibilizados pelo Censo Agropecuário, sua ampla gama de aplicações e a defasagem, desde a realização da última operação censitária, a demanda por informações provenientes desse levantamento vem crescendo por parte de expressivos segmentos da sociedade civil e do governo”.

Em outro ofício juntado aos autos em anexo, aponta o IBGE o Censo Agropecuário dentre as ações excluídas no ano de 2005.

Trata-se de situação inviável para instituição que tem como finalidade “retratar” o País, informar, apresentar e permitir as ações públicas e privadas a partir dos dados que coleta e consolida. Permitir a desatualização dos dados é exatamente o oposto do cumprimento da finalidade da Fundação . A exclusão do Censo Agropecuário das atividades do IBGE representa a própria exclusão das estatísticas agropecuárias, da qual aquele censo é o núcleo.

Os serviços de estatística e geografia implicam não apenas na produção e armazenamento de informações, mas e principalmente na produção e no armazenamento de dados atuais, de uso possível, adequado e útil. A adequação dos serviços estatísticos, como a Constituição exige em seu art. 21, XV, determina exatamente a produção de dados estatísticos servíveis para os fins aos quais se destinam, do que se tem como pré-requisito lógico a atualidade dos dados, a sua congruência maior possível com a realidade do País no momento.

Por isso se determina à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a periodicidade quinquenal para o Censo Agropecuário. Não sendo assim, e sem se esquecer das atividades privadas, diretamente prejudicada a postura estatal frente ao campo, quer, por exemplo, nas atividades de fomento, de seguridade social, de reforma agrária, apoio da agricultura familiar, de saúde, educação, ademais da própria política de comércio exterior do País, cada vez mais importante.

Nessa linha, então, que não passou o assunto desapercebido ao legislador, que em atendimento ao já citado art. 21, XV, da Constituição, veio a determinar, através da Lei 8184, a periodicidade quinquenal para o censo agropecuário.

V. Da Lei 8184/91

O censo agropecuário, na medida em que censo econômico, tem sua periodicidade determinada pela Lei 8184, de 1991, a qual tem o seguinte teor:

Art. 1° A periodicidade dos Censos Demográficos e dos Censos Econômicos, realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), será fixada por ato do Poder Executivo, não podendo exceder a dez anos a dos Censos Demográficos e a cinco anos a dos Censos Econômicos.

Art. 2° A Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizará, tendo como referência, o ano de 1991, os seguintes censos:

a) Censo Demográfico (população e domicílios);

b) Censo Econômico (agropecuário, industrial, comercial e de serviços).

Art. 3° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4° Revoga-se a Lei n° 4.789, de 14 de outubro de 1965 e demais disposições em contrário.

Brasília, 10 de maio de 1991; 170º da Independência e 103º da República.

Expressa pois a determinação de prazo máximo para a realização desse censo aqui pretendido, tanto em razão da própria finalidade do IBGE.

VI. Da vinculação da atividade administrativa a seus fins

A legalidade e a finalidade retiram do Poder Público a faculdade de não fazer o que a Constituição e a legislação determinam. Há assim efetiva vinculação por parte do Poder Público e, aqui especificamente, por parte dos réus, quanto ao cumprimento dos deveres estatais, dentre os quais se inclue os serviços de estatística.

Não é pois por mera liberalidade que a União e o IBGE formatam, realizam e disponibilizam dados estatísticos, mas no cumprimento de obrigação constitucional. Atendem assim a serviço público indispensável e também exatamente pressuposto para a adequação de outros mais serviços públicos – como, por exemplo, as ações da previdência social no meio rural.

Ademais, como legítima receptora dos dados a serem produzidos, a sociedade civil tem efetiva pretensão em ver atendidas suas necessidades de informação quanto as conclusões e resultados do Censo Agropecuário.


De forma curta, pode-se dizer que a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a União, que a mantém, diretamente inatendem as determinações legais e constitucionais que determinam a adequada prestação dos serviços de estatística e geografia.

Ausente, pois, o cumprimento da finalidade, ausente a legalidade.

Nessa linha, como ensina Caio Tácito: “o direito ao funcionamento regular dos serviços públicos inscreve-se destacadamente no elenco dos direitos fundamentais do indivíduo e das empresas” (Temas de Direito Público, Estudos e Pareces, vol. 1, p. 403).

Presente, então, a ilegítima omissão do Estado, a pretensão da sociedade e do Ministério Público, autor legitimado para a ação civil pública, direciona-se ao controle jurisdicional da administração pública, a suprimir inconstitucional omissão. Ou seja e como deveria acontecer em Estado republicano e democrático, a atuação administrativa não é irresponsável e deve ser compelida ao atendimento de seus fins.

Por isso, diz Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 12.a. ed., p. 35/36):

“Uma vez que a atividade administrativa é subordinada à lei, e firmado que a Administração assim como as pessoas administrativas não têm disponibilidade sobre os interesses públicos, mas apenas o dever de curá-los nos termos das finalidades predeterminadas legalmente, compreende-se que estejam submetidas aos seguintes princípios:

(…)

b) da obrigatoriedade do desempenho da atividade pública e seu cognato, princípio da continuidade do serviço público.

(…)

g) do controle jurisdicional dos atos administrativos”.

Efetivamente, não há que se negar que, quanto as pesquisas do IBGE a continuidade do serviço público representa o atendimento à correta periodicidade dessas pesquisas.

Por fim, ainda, de se lembrar a própria constitucionalidade do direito à informação.

VII. Da responsabilidade da União

Tem-se que a principal causa para a não realização em tempo devido do Censo Agropecuário é a falta de repasses para a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Em outras palavras, por responsabilidade da União, então, omissa no custeio da pesquisa, temos por inviável até agora a realização do mencionado censo.

Nesses termos, de se apontar os seguintes documentos juntados pelo IBGE aos autos que acompanham essa, fls. 26, 257 e 270, pelos quais se tem definida que as restrições orçamentárias são o principal obstáculo à realização do Censo Agropecuário.

VIII. Da responsabilidade da Fundação IBGE

Enquanto pessoa jurídica responsável pela realização do Censo Agropecuário, que aqui se quer ter como efetivamente feito, deve também responder aos termos da pretensão ministerial o IBGE.

IX. Da antecipação da tutela

Pelos fundamentos acima expostos, temos que presentes os requisitos para a antecipação da tutela nesses autos.

A fumaça do bom direito é dada pelos termos constantes dessa inicia, nos ítens anteriores.

O perigo da demora é a necessidade de se afastar a omissão do Poder Público na hipótese e a de reestabelecer as finalidades do censo agropecuário e as determinações constitucionais e legais para a sua realização.

Como já dito, inclusive pelos ofícios constantes desses autos e nessa peça transcritos, a produção das necessárias estatísticas, ademais de imposição constitucional (art. 21, XV) é o fundamento para a cidadania, a informação e o planejamento das ações privadas e públicas. Sem os dados que subsidiem a tomada de atitude do cidadão, da autoridade pública e do investidor privado, afastada fica a possibilidade do correto posicionamento dos atores sociais em relação à temática agrícola do País. E assim enquanto se mantiver a omissão estatal que aqui se quer inibir.

Dessa forma, não se quer recusar a garantia inibitória dada pelo artigo 461 e 273 do CPC e pelo artigo 84 do CDC, este instrumentalizado especificamente a tutela dos interesses difusos e coletivos.

Sobre a tutela inibitória e sua aptidão para impedir a continuidade de uma situação negadora do direito ensinam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

“A tutela inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinando-se a impedir a prática de um ilícito, sua repetição ou continuação. Trata-se de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível dentro da sociedade contemporânea, em que multiplicam-se os exemplos de direitos que não podem ser adequadamente tutelados pela velha fórmula do equivalente pecuniário. A tutela inibitória, em outras palavras, é absolutamente necessária para a proteção dos chamados novos direitos. (…) A tutela inibitória não visa apenas a impedir um fazer, ou seja, um ilícito comissivo, mas destina-se a combater qualquer espécie de ilícito, seja ele comissivo ou omissivo. O ilícito, conforme a espécie de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo, o que abre a oportunidade, por conseqüência, a uma tutela inibitória negativa – que imponha um não fazer – ou uma tutela inibitória positiva – que imponha um fazer”

Por fim, de se ver que além de não ter que se falar em irreversibilidade da medida, a tutela nos termos aqui propostos é para atender às próprias finalidades do réu.

X. Pedido

Pelo exposto, nos termos do art. 282, IV, do CPC, é a presente para requerer:

a) a antecipação da tutela para se determinar aos réus a realização do censo agropecuário, iniciando-o em três meses da data da decisão que antecipar a tutela, ou outro prazo definido pelo Juízo, e o continuando, sem interrupção, até sua devida conclusão, tanto sob pena de multa diária ou dos demais termos do art. 461 do CPC;

b) a citação dos réus;

c) a condenação dos réus em obrigação de fazer, qual seja, em realizar o Censo Agropecuário, confirmando-se a antecipação da tutela, ou, na falta de antecipação da tutela, a determinação de seu início em três meses da data de publicação da sentença, ou outro prazo definido pelo Juízo, e o continuando, sem interrupção, até sua devida conclusão, tanto sob pena de multa diária ou dos demais termos do art. 461 do CPC.

Provará o alegado por todos os meios em direito admitidos.

Dá-se a causa o valor de R$ 1000,00.

São Paulo, 07 de março de 2006.

Márcio Schusterschitz da Silva Araújo

Procurador da República

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