Nem um, nem outro

Juiz anula filiações partidárias de ex-deputado de Mato Grosso

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8 de março de 2006, 7h00

A dupla filiação partidária é proibida de acordo com a Lei dos Partidos Políticos. Apoiado nesta previsão legal, o juiz Paulo Sérgio Carreira de Souza, da 1ª Zona Eleitoral de Mato, declarou nulas as filiações partidárias do ex-deputado e atual secretário de Transportes do município de Cuiabá, Emanuel Pinheiro.

O ex-parlamentar constava como filiado a dois partidos: Partido Liberal e Partido Democrático Trabalhista. A existência de dupla filiação acarreta na nulidade de ambas.

“Pelos documentos carreados aos autos, temos que a filiação do requerido ao PL ocorreu em setembro de 2005, e, nos termos da legislação eleitoral vigente, após a vinculação do eleitor a um partido político, deverá no dia imediato ao da nova filiação comunicar a direção municipal do partido anterior e o juiz de sua respectiva zona eleitoral, sob pena de caracterizar-se a dupla filiação”, afirmou o juiz.

Segundo Carreira de Souza, “a dupla filiação é proibida, ensejando ao cancelamento, simultâneo, das inscrições, nos moldes do preceituado no artigo 22 da Lei 9.096/95”.

Leia a decisão

Vistos e examinados estes autos de Pedido de Anulação de Desfiliação sob o nº25/05 movido pelo Partido Democrático Trabalhista PDT em face de Emanuel Pinheiro.

Trata-se de Pedido de Anulação de Desfiliação proposta pelo Partido Democrático Trabalhista PDT, com sede na Rua Professor João Felix, nº301, Bairro Lixeira nesta Capital, em face de Emanuel Pinheiro, brasileiro, casado, advogado, portador do título de eleitor nº007106181813, inscrito na 1ª Zona Eleitoral, seção 192, residente e domiciliado na Rua La Paz, nº141, Bairro Jardim das Américas, em Cuiabá/MT, sob a alegação de que referido eleitor teria se desfiliado do Partido requerente visando sua vinculação ao Partido Liberal, com intuito de lançar-se candidato ao Pleito de 2006.

Ocorre que, segundo o autor, o requerido teria pleiteado o seu desligamento do Partido requerente após sua filiação ao Partido Liberal, que todavia, fora recebida retroativamente pelo Sr. Raymundo F. Souza Filho, caracterizando a fraude no procedimento, em total descumprimento à lei eleitoral.

Diante do acima contido, o Conselho de Ética do PDT decidiu pela expulsão do requerido do quadro de filiados, pugnando pela declaração de nulidade da desincompatibilização; anotação nos apontamentos individuais do eleitor acerca da sua exclusão do Partido requerente, por expulsão e por fim, seja encaminhada cópias ao Ministério Público Eleitoral para apuração de crime praticado pelos envolvidos.

Com a inicial, trouxe os documentos de fls. 05/23.

Às fls. 25/26, fora juntado o pedido de desfiliação efetuado perante esta 1ª Zona Eleitoral, datado de 11.10.05, onde consta que o desligamento do Partido requerente efetivou-se em 30.09.05, conforme requerimento recebido pelo Sr. Raymundo F. Souza Filho, confeccionado em 29.10.05.

O requerido apresentou defesa às fls. 33/36, onde aduz, preliminarmente a impossibilidade jurídica do pedido e da ilegitimidade ativa do requerente e no mérito discorre acerca da mudança partidária ter sido efetuada de forma escorreita.

Afirma que os documentos que acompanham a exordial narram fatos inverídicos, evidenciando a montagem de uma farsa para tentar impedí-lo de retirar-se do quadro de filiados, sempre agindo o requerido conforme os preceitos éticos e morais, não havendo que falar-se em tentativa de ludibriar a Justiça Eleitoral, mormente pelo encaminhamento da lista de filiados do PL à este juízo, por meio do ofício nº71/05, incluindo o nome do requerido.

Ademais, esclarece que por diversas vezes manteve contato verbal com o Presidente do Diretório do Partido requerente, que se esquivava de receber o pedido de desfiliação, obrigando-o a entrega-lo a um membro do Partido com poderes para tal finalidade.

Assim, requer o arquivamento do processo e a confirmação de sua filiação ao Partido Liberal, juntando aos autos os documentos de fls. 37/41.

A douta representante do Ministério Público Eleitoral, DrªRosana Marra, manifestou-se às fls. 43/47, pela nulidade do pedido de desvinculação efetuado junto ao PDT e conseqüente declaração da nulidade de ambas as filiações, nos termos do artigo 22, da Lei nº9.096/95, bem como, remessa de cópia dos autos à Polícia Federal.

Intimado o Partido Liberal, visto seu interesse no deslinde da causa, às fls. 53/56, ponderou a ausência de previsão legal do pedido, principalmente ante a observância dos mandamentos legais, corroborado pelo atestado de fls. 58, havendo, um descontentamento do Partido requerente com a saída de um dos membros mais representativos de seu quadro.

Não obstante, diz que no caso em tela não tem cabimento a declaração de nulidade de ambas as filiações, em sendo procedente o Magistrado deve ater-se aos termos do pedido, sob pena de proferir decisão extra-petita, contrariando as normas processuais, solicitando a improcedência do pleito, e o arquivamento do processo pelas suas características de inviabilidade.

É o relatório.

Decido.

Trata-se de Pedido de Anulação de Desfiliação formulado pelo Partido Democrático Trabalhista, em face de o eleitor Emanuel Pinheiro, ante a desconformidade com as normas eleitorais na realização do procedimento de desvinculação do requerido do Partido autor e sua filiação ao Partido Liberal.

A priori passo a análise das preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade ativa do requerente.

Discorre o requerido acerca da impossibilidade do Partido impedir a desfiliação de qualquer de seus membros, caracterizando-se pretensão esdrúxula a lançada na peça vestibular, competindo-lhe somente a rejeição de filiação caso o pretendente não preencha determinados requisitos, estando sua inviabilidade cristalina pelo preceituado no artigo 5º da Carta Magna, pois ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Requer o acolhimento das preliminares suscitadas, e o conseqüente arquivamento do feito.

No que concerne à ilegitimidade ativa do requerente, não merece ser acolhida, pois a desfiliação fora efetuada pelo Partido autor, contudo de forma viciada, portanto, parte interessada e legitimada a pleitear a sua anulação.

Ademais, insta salientar que o pedido formulado na inicial é perfeitamente possível, visto que, não há vedação no ordenamento jurídico, sendo, entretanto, autorizado por lei, o que evidencia a sua possibilidade.

Nesse sentido haurem-se os ensinamentos do ilustre processualista Nelson Nery Junior:

É juridicamente possível o pedido quando autorizado ou não vedado pelo ordenamento. Pedido está aqui como sendo o conjunto formado pela causa de pedir e pelo pedido. São juridicamente impossíveis, por exemplo, os pedidos de cobrança de dívida de jogo (CC 814; CC/1916 1477) e de revogação de adoção, se esta tiver sido concedida no sistema do ECA (ECA 48)

Diante do exposto, rejeito as preliminares levantadas passando ao exame do mérito.

Compulsando estes autos, tem-se que o eleitor requerido era filiado ao Partido Democrático Trabalhista desde 02.10.01, contudo, em 30.09.05, solicitara o seu desligamento da referida agremiação partidária, que fora recebido por um de seus membros, Sr. Raymundo F. Souza Filho.

O requerente sustenta que dita desfiliação efetivou-se sem a observância das normas eleitorais brasileiras, pugnando pela sua anulação.

Pelos documentos carreados aos autos, temos que a filiação do requerido ao PL ocorreu em 29.09.05, e, nos termos da legislação eleitoral vigente, após a vinculação do eleitor a um Partido político, deverá no dia imediato ao da nova filiação comunicar a direção municipal do Partido anterior e o Juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, sob pena de caracterizar-se a dupla filiação. Todavia, a comunicação a este juízo fora realizada intempestivamente, nos termos do contido às fls. 25, corroborado ao teor da ata de fls. 08/10.

Nesses termos, fora feita a comunicação de filiados pelo Partido requerente à esta Zona Eleitoral, datada de 11/10/05 constando o nome do requerido no rol de fls. 37/41, evidenciando o descumprimento das normas eleitorais para desvinculações dessa natureza.

Ademais, não merece sustentáculo a afirmação de que há uma farsa montada pelo requerente visando impedir o seu desligamento, mormente, face o pedido de anotação quanto a expulsão do requerido do quadro de filiação da referida agremiação.

Ante o exposto, não havendo observância das normas eleitorais, e em consonância com o parecer ministerial de fls. 43/47, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, declarando nula a desfiliação do eleitor Emanuel Pinheiro efetuada junto ao Partido Democrático Trabalhista, deferindo o pedido de registro e anotação nos apontamentos do eleitor acerca da sua exclusão do Partido requerente por expulsão.

No mais, ante a anulação do pedido de desfiliação, caracterizada a sua ilegalidade, tem-se a existência de dupla filiação do eleitor Emanuel Pinheiro, junto aos Partidos do PDT e PL, o que é vedado por lei.

A dupla filiação é proibida, ensejando ao cancelamento, simultâneo, das inscrições, nos moldes do preceituado no artigo 22 da Lei nº9.096/95.

Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de:Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos.

A nulidade da filiação não exige a má-fé do eleitor, decorrendo apenas de sua desídia, o que está cristalino nos autos.

Nesse sentido, a jurisprudência do colacionada:

Aquele que se filia a outro partido deve, no dia imediato, comunicar à agremiação à qual anteriormente filiado e ao juiz da respectiva zona eleitoral o cancelamento de sua filiação, sob pena de restar caracterizada a duplicidade de filiação (Lei nº9.096/95, art. 22, parágrafo único) (RO nº542 Classe 27ª/PB Rel. Min. Sepúlveda Pertence, in EMENTÁRIO decisões do TSE 2002, págs. 319/320).

Ademais, insta salientar que, verificada a existência de dupla filiação, o Juiz Eleitoral, determinará de ofício o cancelamento de ambas, declarando a sua nulidade, com fulcro no preceituado no artigo 22 da Lei nº 9.096/95 alterado pela Resolução nº22.086/05.

Não obstante, a prova de filiação partidária, é obtida por meio da última relação de eleitores recebida e armazenada no Sistema de Filiação Partidária, conforme o disposto no §6º, do art. 36 da Lei nº9.096/95.

Diante do exposto e por tudo mais que dos autos consta, declaro nulas as filiações do eleitor Emanuel Pinheiro, portador do título de eleitor nº007106181813, determinando o cancelamento das suas inscrições, junto ao PDT e PL, com base no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº9.096/95.

Transitada em julgado, arquivem-se procedendo as anotações e comunicações devidas, inclusive quanto ao Sistema de Filiação.

No mais, defiro a quota ministerial de fls. 47, determinando a remessa de cópia dos autos à Polícia Federal, para as medidas que julgar cabíveis.

P. R.

Intimem-se.

Cumpra-se.

Cuiabá, 01 de março de 2006.

Dr. Paulo Sergio Carreira de Souza

Juiz Eleitoral da 1ª Zona de Cuiabá/MT

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