Fato cotidiano

Fim de namoro não é motivo para indenização por dano moral

Autor

8 de março de 2006, 13h58

O fim de um namoro, mesmo longo, sério e com promessa de casamento, não é motivo para indenização por dano moral. O entendimento á da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que negou pedido de indenização pleiteado por uma ex-noiva.

A mulher afirmou ter sofrido intenso abalo moral após o término da relação, por telefone. Segundo ela, o choque provocou perda de peso e cabelos e demissão do emprego, em decorrência de depressão. Durante quatro anos de namoro e dez meses de noivado, o casal comprou terreno, construiu casa e comprou móveis e enxoval. A pretensão também foi negada na Vara de Santa Maria (RS).

“Realmente essa história de amor teve desfecho que magoou profundamente a autora, mas é rigorosamente igual a centenas de outras e que acontecem a cada dia”, analisou o relator da apelação, desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. “Nada impede que as pessoas, livremente, possam alterar suas rotas de vida, quer antes, mesmo depois de casadas.”

O desembargador ponderou que as perdas que cada pessoa enfrenta — por morte, abandono, quebra de confiança ou descoberta do amor não-correspondido — geram desilusão e decepção, mas são próprios da vida. E esclareceu que o pedido de indenização por dano moral decorrente de ruptura é descabido quando o fato não é marcado por nenhum acontecimento excepcional, episódio de violência física ou moral ou ofensa contra a honra ou dignidade. Acompanharam o voto os desembargadores Ricardo Raupp Ruschel e Luiz Felipe Brasil Santos.

Leia a íntegra da decisão

Dano moral. indenização. rompimento de noivado prolongado. 1. Não se pode desconhecer que inúmeros fatos da vida são suscetíveis de provocar dor, de impor sofrimento, nem se olvida que qualquer sentimento não correspondido pode produzir mágoas e decepção. E nada impede que as pessoas, livremente, possam alterar suas rotas de vida, quer antes, quer mesmo depois de casadas. 2. Descabe indenização por dano moral decorrente da ruptura, quando o fato não é marcado por episódio de violência física ou moral e também não houve ofensa contra a honra ou a dignidade da pessoa. 3. Não tem maior relevância o fato do namoro ter sido prolongado, sério, ter havido relacionamento próximo com a família e a ruptura ter causado abalo emocional, pois são fatos próprios da vida. Recurso desprovido.

Apelação Cível: Sétima Câmara Cível

Nº 70 012 349 718: Comarca de Santa Maria

NÁDIA BEATRIZ FLECK: APELANTE

CLÓVIS ROGÉRIO LIMA DE ALMEIDA: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luiz Felipe Brasil Santos (Presidente) e Des. Ricardo Raupp Ruschel.

Porto Alegre, 07 de dezembro de 2005.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (RELATOR)

Trata-se de irresignação de NÁDIA B. F. com a sentença que julgou improcedente a ação de indenização por dano moral que move contra CLÓVIS R. L. A., condenando-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que foram fixados em R$ 1.000,00, ficando suspensa a exigibilidade dos encargos pela concessão da assistência judiciária gratuita.

Sustenta a apelante ter mantido relacionamento amoroso com o apelado por aproximadamente 14 anos, período em que adquiriram um terreno, edificaram uma casa de alvenaria e compraram móveis, tudo visando a efetivação do matrimônio. Narra que a ruptura do noivado, feita de forma inesperada, grosseira e unilateral, lhe causou abalo emocional, passando a apresentar quadro depressivo e fazer tratamento. Refere ter perdido peso e cabelos após a ruptura da relação e diz que em decorrência da depressão ausentou-se algumas vezes do trabalho, tendo sido demitida ao final, como comprovam as testemunhas inquiridas no feito. Comenta que os tribunais têm admitido a reparação por dano moral nos casos de quebra unilateral de promessa de casamento, sem justo motivo, aduzindo que na hipótese dos autos estão presentes os requisitos necessários ao acolhimento do pleito. Afirma que negação de dano por parte do recorrido carece de prova, sendo que a única testemunha trazida por ele deu depoimento que em nada serve para o deslinde da questão. Argumenta que a indenização pretendida tem também cunho sancionatório, na medida em que visa desencorajar a prática de tais atos por parte do apelado. Colaciona doutrina. Pretende a condenação do ex-noivo no equivalente a 300 (trezentos) salários mínimos. Pede a reforma da decisão, para fim de ser o feito julgado procedente.

Intimado, o recorrido ofereceu as suas contra-razões admitindo o tempo de relacionamento apontado pela recorrente, embora diga que este não foi ininterrupto. Argumenta que o rompimento do noivado foi conseqüência da relação conturbada que o casal mantinha, do desgaste de um relacionamento que já vinha se deteriorando no transcorrer dos anos. Afirma nunca ter havido união estável entre eles e diz que sequer angariaram patrimônio comum. Insiste que não houve participação da requerente tanto na aquisição do imóvel como na dos bens móveis. Entende inexistir, de igual forma, dano moral porque não houve a intenção de macular o estado físico e psicológico da recorrente, aludindo que a forma como pôs fim ao noivado não denota a sua má-fé, mas constitui tão-somente uma forma dentre tantas outras de findar compromissos. Colaciona doutrina e jurisprudência. Pede o desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer pugnando pelo desprovimento do recurso.

Considerando que esta Câmara adotou o sistema informatizado, friso que foi cumprido o disposto no artigo 551, § 2º, do CPC.

É o relatório.

VOTOS

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (RELATOR)

Estou confirmando a r. sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, aos quais acresço, também, os lúcidos argumentos postos no parecer ministerial.

A apelante ajuizou a presente ação objetivando ser indenizada por dano moral que lhe teria sido causado pelo ora apelado, seu ex-noivo, uma vez que mantiveram relacionamento por aproximadamente 14 anos, período em que teriam efetuado a compra de imóvel, bens móveis e enxoval, tudo visando a efetivação do matrimônio.

Alega, também, que o término do noivado partiu do varão, que lhe comunicou por telefone o fim do relacionamento, deixando-a profundamente abalada, com desenvolvimento de quadro depressivo, ausências ao serviço e conseqüente demissão, motivo pelo qual reclama seja o recorrido condenado a alcançar-lhe o equivalente a 300 salários mínimos.

Ora, consoante os elementos de convicção colhidos no decorrer da demanda, tenho que não resta dúvida quanto ao abalo emocional sofrido pela recorrente, que possuía intenção de construir sua vida com o apelado, cercada de certezas de que eles realmente encaminhavam-se para o casamento após longo período de relacionamento – cerca de três ou quatro anos de namoro e aproximadamente dez anos de noivado (fl. 92).

No entanto, tais sonhos ou expectativas acerca dessa relação amorosa terminaram de forma abrupta e até “pouco gentil”, como bem apontado pelo Ministério Público.

Segundo se depreende dos autos, o rompimento ocorreu em agosto de 2001 (fls. 02 e 38) provocando alteração na rotina da recorrente, que entrou em processo depressivo e viu-se obrigada a submeter-se a tratamento medicamentoso, tal como demonstra os atestados acostados a fls. 16 e 52/61. Ainda, observo que as informações dos autos sugerem a ocorrência de inação e perda de peso, não conseguindo mais a apelante exercer sua atividade laborativa em virtude do quadro de depressão, tendo sido demitida do emprego que possuía já há uns cinco anos nas Lojas Renner (fl. 92).

As testemunhas inquiridas demonstram que a recorrente havia motivos suficientes para crer na seriedade do compromisso assumido com o recorrido, bem como comprovam o abalo emocional provocado pelo desenlace, sendo uníssonas ao apontar a forma inesperada como que se deu o término do noivado.

MÁRCIO (fl. 96) afirma que “pelo que sabia, a casa recém construída e que estava recebendo móveis, era para o uso do casal de namorados, que viriam a casar logo em seguida” e diz que “acredita que o casal estava bem resolvido para casar e deveriam estar felizes, pois até já estavam com a casa pronta”, sendo que “a casa nova foi apresentada pela autora e pelo réu, juntos, onde diziam que iriam morar após o casamento”.

JUCIANE (fl. 97) também afirma “que a autora comprava panelas, jogo de talheres para o enxoval”. E WANY (fl. 98) declara que “pelo que sabe o noivado ia as mil maravilhas, tanto que o casal havia construído a casa e estavam comprando móveis”.

Tais declarações dão conta da seriedade do enlace assumido livremente pelas partes e vêm roboradas pelo depoimento pessoal do apelado (fl. 94), que admite que “o namoro com a autora era sério e que um dia até pretendia casar”. Declara CLÓVIS “que havia confiança mútua durante o namoro”, “que mantinha expectativa de casar com a autora, pois o namoro era sério”, referindo ainda que “considera a família da autora uma família boa e de princípios tradicionais”, tanto que nunca pernoitou na casa da apelante, embora mantivessem relacionamento sexual.

Conquanto o apelado insista que o imóvel jamais foi adquirido para fins de casamento, admite em juízo que “a autora tinha acesso a casa em construção”, tanto que mandou buscar as chaves após o término do noivado, e que “já haviam mandado instalar o quarto de casal na casa nova, mas algumas partes ainda estavam desmontadas” (fl. 95) – o que confirma as palavras de WANY de que “a autora limpava a casa em construção” e permite concluir, por certo, que a apelante assim agia com a certeza de que realmente estava a preservar bem que serviria de morada para ela, o futuro marido e os filhos que porventura adviessem dessa união…

E as testemunhas ouvidas dão conta, também, do profundo sofrimento que teve a recorrente em razão da ruptura desse relacionamento, e que isso a levou a um estado de depressão, inclusive com queda de rendimento profissional.

Realmente essa história de amor teve desfecho que magoou profundamente a autora, mas é rigorosamente igual a centenas de outros e que acontecem a cada dia.

As perdas que cada pessoa enfrenta a cada dia, pela morte, pelo abandono ou pela quebra da confiança ou pela descoberta do afeto não correspondido, que geram desilusão e decepção, são acontecimentos próprios da vida.

Não se pode desconhecer que inúmeros fatos da vida são suscetíveis de provocar dor, de impor sofrimento, nem se olvida que qualquer sentimento não correspondido pode produzir mágoas e decepção. E nada impede que as pessoas, livremente, possam alterar suas rotas de vida, quer antes, quer mesmo depois de casadas.

Assim, tenho que se mostra descabido o pedido de indenização por dano moral decorrente da ruptura, quando o fato não é marcado por nenhum acontecimento excepcional, nenhum episódio de violência física ou moral e também não houve ofensa contra a honra ou a dignidade da pessoa.

Entendo que não tem maior relevância o fato do namoro ter sido prolongado, ter sido sério, com promessa de casamento inclusive, bem como pelo fato de ter havido relacionamento próximo com a família, tendo a ruptura causado forte abalo emocional na recorrente, pois são fatos próprios da vida…

ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.

Des. Ricardo Raupp Ruschel (REVISOR) – De acordo.

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (PRESIDENTE)

Subscrevo o voto do em. relator.

Acrescento apenas, que o pressuposto para que se origine a obrigação de indenizar está na prática de um ato ilícito. Não consigo, porém, ver onde está o ilícito na circunstância de alguém NÃO CASAR. Acredito até que, se o réu desistiu do casamento, após um prolongado noivado, esse comportamento tenha sido até benéfico para a autora, pois muito pior seria se viesse a casar, mesmo não nutrindo mais qualquer afeto por ela, pela simples obrigação decorrente de haver mantido um noivado de longa duração.

Desse modo, por ausente o pressuposto para a concessão da pretendida indenização, outra não poderia ser a conclusão da sentença, que merece ser mantida.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Presidente – Apelação Cível nº 70012349718, Comarca de Santa Maria:

“NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: VANDERLEI DEOLINDO

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!