Operação tartaruga

Morosidade da Justiça não pode gerar prescrição, diz advogado

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7 de março de 2006, 18h43

Em abril de 2002, uma família ofereceu queixa-crime contra um casal que teria agredido sua filha menor, em Bertioga, litoral de São Paulo. O interrogatório dos acusados aconteceu em novembro de 2003. Em outubro de 2005 foi designada audiência para oitiva da testemunha. Em 2006, os réus pediram a extinção da punibilidade alegando prescrição.

Para o advogado da família da menor, embora tecnicamente o pedido dos réus seja correto, não pode ser aceito, já que a situação, por mais absurda, só se deu por culpa direta da morosidade da Justiça.

O advogado afirma que “se o lapso temporal se expirou, tal fato ocorreu por inexistência de celeridade no andamento do processo, que, aliada às greves dos servidores do Judiciário, de fato, ensejam, sob uma análise fria da lei, a aplicação do disposto no artigo 107, inciso IV do Código Penal, declarando extinta a punibilidade dos querelados”.

Segundo o advogado, não há como a “querelante concordar com o fato de que o Estado se quedará inerte em dar-lhe a devida resposta por fatos a que não deu causa, restando-lhe, neste momento, impugnar a pretensão dos querelados”.

Leia contestação do advogado

EXCELENTISSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DO FORO DISTRITAL DE BERTIOGA, COMARCA DE SANTOS, ESTADO DE SÃO PAULO.

Processo nº 286/2002.

A requerente, por seu procurador infra-assinado, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, em atenção ao r. despacho de fls., pedir vênia para expor e ao final requerer o que segue.

Pretendem os querelados, segundo se infere da petição de fls., a extinção da punibilidade ante a ocorrência da prescrição, conforme disposto no artigo 107, inciso IV do Código Penal.

Com a devida vênia, não merece prosperar o intento.

Com efeito, em 26 de abril de 2002, ofereceu a querelante queixa-crime em face dos querelados, por conta dos fatos narrados na exordial, que subjetivamente lhes acarretou ofensa na sua honorabilidade e dignidade pessoal, estando caracterizado o crime de injúria.

Designada audiência de conciliação, foi a queixa-crime recebida por esse culto juízo, isto em 20.08.02, sem que, no entanto, fosse naquele ato, até mesmo por economia processual e celeridade do feito, ouvidos os réus em interrogatório, vez que residem na Comarca da Capital.

O interrogatório somente se deu no Juízo Deprecado em 05.11.03, ou seja, mais de um ano após o recebimento da queixa-crime, advindo, de forma intempestiva, defesa prévia nos autos.

Saliente-se, que desde a protocolização da defesa prévia (20.11.03), não foi a querelante intimada nos autos, fato que ensejou manifestação da querelante em 21.05.04, impugnando a defesa prévia pela intempestividade e requerendo a designação de audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela prefacial, QUE COMPARECERIAM INDEPENDENTEMENTE DE INTIMAÇÃO.

Conquanto tenha assim se manifestado em 21.05.04, somente em 03.10.05, ou seja, um ano e cinco meses após, foi designada audiência para oitiva da testemunha de defesa, isto na Comarca da Capital.

Esses são os fatos extraídos dos autos.

Pois bem, a rigor, inegável se mostra que poder-se-i-a acolher o pedido de prescrição, vez que estaria superado o lapso temporal legal.

No entanto, ainda que o seja, não há como se esquivar do fato de que a querelante não contribuiu para a morosidade do processo, seja pela inércia no cumprimento dos atos processuais, ou até mesmo pelas greves dos funcionários que ocorreram no período descrito na presente.

Dentre as várias críticas, está a morosidade do Judiciário em dar a tutela almejada dentro do prazo ideal, o que certamente gera nos cidadãos, se a prestação fosse ágil, o sentimento de justiça realizada e temeridade à violação da norma posta.

Com efeito, é cediço que, ultrapassada a fase da vingança privada e da autotutela como forma de promoção de justiça, o Estado passou a ser o único detentor do direito de punir.

O direito de punir ou jus puniendi decorre do ordenamento legal e consiste no poder genérico e impessoal de sancionar qualquer pessoa que tenha cometido uma infração penal, onde temos o jus puniendi in abstracto.

No momento em que a infração penal é cometida, o direto que até então é abstrato, concretiza-se, individualizando-se na pessoa do agente, fato este que faz nascer o jus puniendi in concreto.

Desta feita, a partir do instante em que é praticada a transgressão, nasce para o Estado o direito de aplicar a punição prevista em sua lei àquele que agiu de forma reprovável.

Porém, a pretensão estatal de punir será obrigatoriamente resistida pelo autor do ilícito, o que gera um conflito de interesse entre a pretensão punitiva e o direito de defesa, somente podendo ser solucionado por um órgão deste mesmo Estado e que detém a função jurisdicional, qual seja, o Poder Judiciário.

Mas para que isso ocorra, essencial se torna que a jurisdição seja exercida por intermédio de um processo, cujo início se dá mediante o desencadeamento de uma ação penal, que nada mais é do que o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto, a fim de que seja satisfeita a pretensão punitiva.

Para que referida ação penal seja admitida na ordem jurídica, deve estar subordinada a determinados requisitos denominados condições da ação, no âmbito criminal, condições da ação penal. Tais condições são a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse de agir.

Com a devida vênia, cumpriu a querelante todos os requisitos impostos pela lei, procurando no Poder Judiciário o socorro para que seus ofensores fossem julgados dentro de um processo legal.

Dúvidas não há, de que na esfera penal, com base na prescrição, seja ela retroativa punitiva (pena em abstrato) ou em perspectiva (pena em concreto antevista a ser aplicada futuramente ao infrator), deve o processo alcançar o seu êxito no prazo legal, sob pena de extinção da punibilidade do agente.

De igual modo, não restam dúvidas de que procurou o legislador oferecer causas suspensivas e interruptivas dos prazos prescricionais, a fim de que o ofendido não fosse duplamente prejudicado na sua pretensão.

No caso em liame, não se pode aferir qualquer menção na norma prevista no artigo 117 do Código Penal, que indique, nos autos, causa interruptiva da prescrição penal.

A bem da verdade, é que se o lapso temporal se expirou, tal fato ocorreu por inexistência de celeridade no andamento do processo, que, aliada às greves dos servidores do Judiciário, de fato, ensejam, sob uma análise fria da lei, a aplicação do disposto no artigo 107, inc. IV do Código Penal, declarando extinta a punibilidade dos querelados.

Entretanto, temos que não se mostra taxativo as regras ínsitas no artigo 117 do Código Penal, pois, de outra forma, não pode estar o interprete avesso as demais intempéries surgidas no decorrer dos anos, como, no caso presente, a própria greve dos servidores do Judiciário, que alcançaram não somente cem ou duzentos dias, mas deixaram também, no seu retorno, uma carga excessiva de processos acumulados.

Neste liame, não há como a querelante concordar com o fato de que o Estado se quedará inerte em dar-lhe a devida resposta por fatos a que não deu causa, restando-lhe, neste momento, impugnar a pretensão dos querelados, de forma veemente, requerendo a esse culto juízo que interprete de forma extensiva a norma prevista no artigo 117 do Código Penal, com o prosseguimento do feito nos seus termos, pois assim agindo estará aplicando a mais lidima medida de JUSTIÇA.

P. deferimento.

Bertioga, 1 de março de 2006.

pp. JOEL DE BARROS

OAB/SP 153.143

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