Irregularidades processuais

Acusado por acidente em feira em MT quer anular processo

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7 de março de 2006, 15h00

Se o acusado não foi intimado para a sessão, como receber denúncia contra ele? Esta é a pergunta que se faz o advogado Eduardo Mahon, responsável pela defesa de Jackson Kohlhase Martins, um dos acusados por um acidente durante uma feira de eventos no Mato Grosso, em 2005.

Em maio, durante o evento, a arquibancada do rodeio desabou, deixando 400 pessoas feridas. Martins, que é filho do deputado estadual José Carlos de Freitas, responsável pela feira, foi denunciado junto com o pai e outras quatro pessoas. Mahon contesta o recebimento da denúncia contra Martins por entender que seu direito à ampla defesa foi cerceado.

Isso teria ocorrido porque, segundo o advogado, Martins não foi intimado e, por isso, não participou da audiência de recebimento da denúncia e nem pode apresentar defesa. Ele levou a questão ao Superior Tribunal de Justiça nesta terça-feira (7/3), pedindo Habeas Corpus para suspender a audiência e, consequentemente, o recebimento da denúncia.

Mahon explica que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Mato Grosso recebeu a denúncia e justificou que Martins já sabia desta uma vez que seu advogado compareceu, espontaneamente, para comunicar que Martins havia mudado de endereço. Para o advogado, a petição informando o novo endereço não pode ser tomado como comparecimento espontâneo do réu. Além disso, Mahon alega que não tinha procuração com poderes especiais para receber intimação em nome do seu cliente.

A outra irregularidade levantada pelo advogado é que, se o acusado não apresentou defesa, deveria ter sido nomeado um defensor dativo, o que, segundo ele, não ocorreu. Assim, para Mahon, seu cliente não teve seu direito, garantido pela Constituição, de se defender.

“Ate a presente data, nem o paciente nem seu advogado constituído sabem do inteiro teor da acusação”, escreve Mahon no pedido de Habeas Corpus. Para amparar sua tese, ele cita entendimentos de tribunais, do STJ e do STF de que o comparecimento espontâneo por advogado não habilitado para receber intimação não pode substituir a citação. Além disso, ele explica que, se não foi encontrado o acusado, deveria então ter sido notificado por meio de edital, o que também não ocorreu.

Com esses argumentos, Eduardo Mahon pede ao STJ que suspenda a audiência e consequentemente o recebimento da denúncia.

Leia a íntegra do pedido de Habeas Corpus

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA — STJ.

Prevenção Indicada no STJ: HC 54967/STJ

Se o advogado constituído não está habilitado a praticar o ato em nome do mandatário, não se pode falar que o comparecimento espontâneo supriu a citação. (RAI 14904/2005 – TJMT)

EDUARDO MAHON, brasileiro, solteiro, professor universitário de Direito Processual Penal e advogado regularmente matriculado sob o número 6363 junto à Seccional Mato-Grossense da Ordem dos Advogados do Brasil, com endereço profissional à Av. Estevão de Mendonça, 1.650, Morada do Sol, Cuiabá-MT, em favor de JACKSON KOHLHASE MARTINS, brasileiro, solteiro, auxiliar administrativo, residente e domiciliado à Estrada Nazaré, s/n, Setor Aeroporto, Ji-Paraná-RO, doravante qualificado apenas como paciente, com arrimo no art. 648, I e IV do CPP, IMPETRAR:

HABEAS CORPUS

c/c pedido de medida liminar initio litis

em face ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso que, por meio de seu Órgão Especial e conduzido pelo voto do Exmo. Sr. Dr. Desembargador-Relator Mariano Alonso Ribeiro Travassos, recebeu denúncia contra o paciente na ação originária 38764/2005, sem antes intimá-lo pessoalmente ou por meio de edital, causando nulidade absoluta, consoante art. 564, III, “e”, “l” e IV do CPP. Os fatos e os fundamentos da impetração vão, a seguir, expendidos:

Preambularmente, urge indicar a prevenção ao HC 54967/2006/STJ, onde cadastrado como processo de origem é o mesmo contra o qual se insurge o impetrante. Naquele mandamus of writ, trata-se do paciente Deputado Estadual José Carlos de Freitas, co-denunciado no mesmo feito 38764/TJMT. De forma que, por lealdade, apontamos o Exmo. Sr. Min. PAULO GALOTTI como relator.


Excelência, importa saber, antes de tudo, se o processo penal presta-se a cumprir à tradicional tarefa de levar um acusado ao patíbulo ou se, efetivamente, há de se garantir o amplo direito de defesa e o contraditório daí decorrente. Veremos que o art. 353 do CPP foi simplesmente ignorado, assim como art. 4º da Lei 8.038/90. Na atual irresignação, outra não pode ser a forma adotada que não manejar o art. 648 e incisos, objetivando fulminar de nulidade o recebimento da denúncia junto ao TJMT.

Foi denunciado o paciente juntamente com outros acusados, incluindo aí o Deputado Estadual de Mato Grosso, Exmo. Sr. José Carlos de Freitas. Por isso, o rito adotado foi o constante da Lei 8.038/90, consoante ações penais originárias, mandando o Exmo. Sr. Dr. Relator intimar a todos para apresentcao de defesa preliminar em complexo processo de dezenas de volumes. Até a presente data, nem o paciente, nem seu advogado constituído sabem do inteiro teor da acusação.

Os denunciados contrataram patronos, incluindo aí o paciente. Notificados para apresentarem defesa preliminar, compareceram em juízo originário competente, qual seja, o Tribunal de Justiça a quo. O paciente, após mudança de residência, contratou o impetrante, conferindo-lhe poderes para acompanhar o processo, como é do feitio normal da advocacia aviar procuração.

Como o paciente estava sem defesa constituída nos autos da ação penal originária, houve por bem o impetrante peticionar conforma a praxe quotidiana, juntando procuração-padrão sem poderes especiais para receber citação ou intimação.

Por outro lado, logo após, preocupado com eventual notificação por meio de edital, informou o novo endereço do acusado em 18/11/2005, juntando inclusive Carteira Profissional CTPS-2255012, onde comprova a contratação do paciente por Frigorífico Tangará Ltda, em Ji-Paraná, Rondônia.

Sem mais, o impetrante foi colhido de surpresa…Sem notificação naquele endereço indicado, o paciente teve contra si a denúncia recebida. Portanto, não foi oportunizado o direito de ver a peça inaugural do processo, assim como não teve vista dos autos o impetrante na condição de advogado do paciente.

Isso porque apenas peticionou informando o patrocínio da causa, juntando procuração e, após, o novo endereço do paciente. Nada mais.

O advogado que subscreve, qualificado como impetrante, por aviar com denodo seu mister, auxiliando o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, foi penalizado duplamente – primeiro, porque resultou sua participação em “notificação presumida”; segundo, porque a notificação editalícia, anteriormente determinada, foi deixada de ser ultimada, dada a simples petição informativa do impetrante.

É até risível: sem vista dos autos, sem carga do processo, sem a posse da denúncia, correu o prazo para o acusado defender-se, isso por meio de advogado sem poderes especiais para tanto! E, por fim, tal nulidade deu-se, ainda ciente o r. TJMT do novo endereço do paciente.

O paciente não era encontrado na cidade de Cuiabá-MT, por ter viajado para Rondônia. Nesse ínterim, contratou o impetrante. Ainda assim, determinou o d. Relator a notificação por meio de edital. Todavia, uma guinada processual mudaria a sorte dos autos, descambando para a insuperável nulidade processual.

O ilustre Relator da ação penal originária 38764/2005, Des. MARIANO ALONSO RIBEIRO TRAVASSOS, dada a certidão passada pelo Oficial de Justiça e frente à petição do impetrante informando novo endereço, despachou da seguinte forma:

De todos os denunciados pelo Ministério Público nesta ação penal que recebeu o n. 38764/2005, até então, não foi possível notificar o co-denunciado Jackson K. Martins, em razão de dificuldades que o co-denunciado tem causado para ser encontrado em sua residência e notificado na forma da lei.

Numa das certidões do Sr. Oficial de Justiça faz-se referência que o Sr. Jackson se encontra viajando sem data prevista para o retorno.

Agora, este co-denunciado, através de advogado constituído comparece aos autos espontaneamente e informa que seu novo endereço para notificação fica no Estado de Rondônia, na cidade de Ji-Paraná.


É óbvio que com a sua vinda aos autos espontaneamente, este co-denunciado se deu por notificado nos termos da lei 8038 de 28.05.1990. Tem plena ciência da denúncia formulada contra si, constituiu advogado nos autos, cabe-lhe agora, no prazo de 15 dias, querendo, oferecer resposta à denúncia formulada pelo Ministério Público. Seu prazo de resposta começou a fluir da data do protocolo de ingresso de sua petição nos autos, isto é, 18.11.2005.

DETERMINO à Secretaria que conte o prazo a partir desta data, certificando nos autos a sua expiração e encaminhando o processo a este relator para as demais providências previstas em lei.

Publique-se e intime-se com urgência.

Anote-se um dado pitoresco. Em duas oportunidades, o distinto Relator fez sublinhar o ingresso “espontâneo” do paciente nos autos, por meio de advogado. Mas mais insólita foi a determinação daí advinda da contagem de prazo para a defesa, partindo de simples petição de informação de endereço.

O processo seguiu então à douta Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso. De plano, observou o Procurador de Justiça: “preliminarmente, cumpre-me registrar, para coibir qualquer alegação futura e infundada de nulidade processual, a regularidade da notificação do co-denunciado Jackson Martins para apresentação de defesa preliminar, em virtude do que determina a legislação processual penal”.

Argumentou ainda o Parquet, juntando arestos óbvios, que o “comparecimento espontâneo” do acusado supre eventual ausência de citação válida. Evidentemente, concordamos com o Ministério Público com os argumentos lançados, se o acusado tivesse comparecido em juízo.

Mas o paciente efetivamente não compareceu em juízo para se ver citado/notificado. O advogado, atualmente impetrante, não foi intimado, não fez carga dos autos, não providenciou reprografia, nem sequer folheou o processo: apenas e tão-somente informou nos autos: 1) sua contratação; 2) o novo endereço do acusado, seu cliente. Apenas isso.

Jamais o advogado que subscreve compareceu ao processo carreando consigo procuração com PODERES ESPECIAIS PARA RECEBER intimação para defesa preliminar ou mesmo citação para interrogatório. Apenas foi contratado, como a maciça maioria dos patronos, para especialmente acompanhar processo 38764/2005. Apenas. E desde quando o simples peticionamento informando endereço pode ser tomado como comparecimento espontâneo do réu em processo penal?!

O impetrante nem quer discutir se a nomeação de defensor dativo para oferecer a defesa é ou não obrigatória. Acreditamos que, por analogia com todos os demais procedimentos preliminares (concatenação com o art. 513/514 do CPP?) previstos em lei e, hodierna e particularmente com a novel Lei 10.409, evidentemente há de haver um advogado particular, público ou dativo para ofertar a resistência processual necessária.

A nulidade, in casu, é muito mais visível. Além de não nomear defensor dativo (matéria controversa que poderá ser analisada), o d. Relator nem mesmo intimou regularmente o acusado.

Se fôssemos trilhar a senda da nulidade por ausência da imprescindível defesa prévia, reproduziríamos o ilustre Prof. Dr. Rômulo de Andrade Moreira, ao comentar a nova Lei 10409/2002 e traçar um paralelo com a Lei 8.038/90:

Aqui temos uma primeira disposição absolutamente salutar, já prevista em nosso ordenamento jurídico (artigo 514 do CPP, artigo 4o da Lei nº 8038/90, artigo 43, § 1º da Lei de Imprensa e artigo 81 da Lei dos Juizados Especiais Criminais, além do artigo 395 do Projeto de Lei nº 4201/0150). Temos, efetivamente, uma defesa prévia, anterior ao recebimento da peça acusatória, dando-se oportunidade ao denunciado de contrariar a imputação feita pelo Ministério Público, rechaçando-a e tentando obstaculizar a instauração da ação penal.

Esta resposta é obrigatória e deverá ser necessariamente subscrita por um advogado. Neste sentido, dispõe o § 3º. que se “a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em dez dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação.”


“Habeas Corpus – Entorpecente – Denúncia recebida – Inobservância do disposto no artigo 38, caput da Lei nº 10409/02 – Nulidade – Infringência ao princípio da ampla defesa – Ordem parcialmente concedida, para anular o processo criminal ab initio, impondo-se observar o rito especial da lei em vigência. A inobservância da regra prevista no artigo 38 da nova lei de tóxicos impõe seja declarado nulo ex radice o procedimento, por importar óbvia violação do direito constitucional à ampla defesa.” (Tribunal de Alçada do Paraná. Habeas Corpus nº 206.389-4, 4ª Câmara Criminal, Relator Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo, DJ de 13/09/2002).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua 4ª Câmara Criminal, em 10/09/02, também assim o entendeu, concedendo habeas corpus e anulando um processo criminal a partir da citação (HC nº 390.665.3/6, Relator Desembargador Hélio de Freitas). No mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ao julgar o Habeas Corpus nº 200300143650, 1ª Câmara Criminal, Relator Desembragador Noé Gonçalves Ferreira, julgada em 25/02/03, votação unânime.

(A nova Lei de Tóxicos: aspectos processuais http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=5490)

Ora, não fosse assim, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Min. CÉZAR PELUSO, não teria nomeado defensor dativo, face à não apresentação de defesa preliminar pelo advogado constituído, em procedimento especial da Lei 8.038/90, no processo originário INQ 1584. Ao que tudo indica, o disposto na Lei 10.409/02, inspirou-se justamente na Lei 8.038/90, como dizem todos os melhores doutrinadores.

Ou ainda, das lições do pioneiro do garantismo processual penal, TOURINHO FILHO, no seu Código de Processo Penal Comentado, Vol. II, Saraiva, 1996, pág. 146:

Notificado o réu, disporá ele do prazo de quinze para contestar a acusação. Se não for conhecida a sua residência, ou ele se achar fora da jurisdição do juiz, ser-lhe-á nomeado Defensor, a quem caberá apresentar resposta preliminar. (…)Sustentamos que, em vista do princípio da ampla defesa, não tem sentido o juiz saber que o réu reside em outra comarca e não diligenciar sua notificação. Tal entendimento, com o respeito que merecem os pronunciamentos dos Tribunais, afronta a própria Constituição. Ademais, pense-se na hipótese de réu ter sido transferido de comarca ou para outro Estado…Teria sentido privá-lo da sua defesa-contestação? Certamente não.

De outro giro, leciona Heráclito Antônio Mossin em Comentário ao Código de Processo Penal, Ed. Manole, 2005:

Tendo em vista essa excepcionalidade, a citação por edital somente deve prevalecer como ato jurídico de comunicação processual, quando forem esgotados todos os meios possíveis para a localização do réu. Todavia, se o réu não comparecer em juízo, na data aprazada pelo edital, para seu interrogatório, mesmo que somente para argüir a falta de citação, e o juiz decretar sua revelia, nomeando-lhe defensor dativo, e, após, dando continuidade ao procedimento instrutório e o réu, tendo conhecimento dessa situação, comparecer em juízo alegando não ter sido citado pessoalmente no endereço constante dos autos, cumprirá ao magistrado declarar todo o processo, determinando a expedição de mandado citatório, renovando os atos processuais até então praticados.

Finalmente, ocorreram dois outros comodismos processuais – a um, que o Ministério Público, após a apresentação das defesas dos co-denunciados, manifestou-se e reiterou a formulação pelo recebimento da denúncia (invertendo ordem processual); a dois, que o advogado do paciente não foi intimado para o dia da sustentação oral no Tribunal de Justiça.

É curioso o fato de que, de um lado considerou aquele pretório o paciente regularmente notificado por meio de seu advogado sem poderes especiais para tanto e sem ter visto o processo, mas, de outro lado, não foi intimado para sustentar na audiência de recebimento da vestibular peça acusatória.


Consta do acórdão de recebimento de denúncia, já no relatório inaugural, nova menção à “notificação presumida”, licenciando-nos por chamar assim tal ato. Da coleção de tropeços processuais, afora a inversão tumultuária da petição ministerial, na sessão de recebimento da denúncia, primeiramente cedeu o Presidente a palavra à defesa dos co-denunciados e, após, ao Ministério Público Estadual. Apercebendo-se do linear equívoco, volveu a palavra à defesa que, por sua vez, argumentou a patente nulidade.

Já no prólogo do acórdão, inaugura o Relator do TJMT a nulidade, vazando-a nos seguintes termos: “o denunciado Jackson K. Martins procurou dificultar o recebimento da notificação. Por último, espontaneamente, veio aos autos, através de seu advogado, informando que seu novo endereço fica no Estado de Rondônia, na cidade de Ji-Paraná, dando-se assim, como notificado, nos termos da Lei 8.038/90, tendo, consequentemente, plena ciência da denúncia formulada contra si pela douta Procuradoria Geral de Justiça, pelo que poderia, a partir daí, data do protocolo (18/11/2005) de interposição da mencionada petição, oferecer no prazo de 15 (quinze) dias resposta preliminar à respectiva denúncia”.

Portanto, o paciente passou incólume de qualquer chamamento aos autos, mesmo informando novo endereço e peticionando o advogado nos autos. Deu-se vista ao Parquet, houve audiência e onde estava o advogado do paciente? Não foi intimado, Excelência!

Recentemente, em 16 de Setembro de 2005, o próprio STJ manifestou-se em caso idêntico ao ora apresentado, no HC 43792/2005. Para o Exmo. Sr. Ministro PAULO MEDINA, constitui nulidade absoluta, por cerceamento de defesa, a realização do julgamento que delibera sobre o recebimento da denúncia, sem que tivesse havido a intimação prévia do acusado e de seus advogados. Concedeu, por isso, em parte a ordem de habeas-corpus, apenas para anulara a sessão que recebeu a denúncia contra o Deputado José Edmar de Castro Cordeiro e Marlene Mendes, determinando que outra sessão seja realizada, de forma a que seja garantido o exercício a ampla defesa aos acusados. No caso em tela, por outro lado, o Paciente não fora efetivamente intimado nem do dia do julgamento nem da necessidade de constituir novo patrono. E, ainda, não foi nomeado defensor em substituição especial para que o Paciente tivesse bem defendido os seus interesses na ampla defesa que, em última análise, também são interesses públicos. Da farta jurisprudência do STF, podemos bem apontar os julgamentos de outros tantos arestos, como por exemplo: Ap-307 (RTJ-162/3), HC-69818, (RTJ-148/213), HC-69912 (RTJ-155/508), HC-69204, (RTJ-144/213), HC-70277 (RTJ-154/58), HC-72588, (RTJ-174/491), HC-73351 (RTJ-168/543), HC-74356, (RTJ-165/934), HC-74678, EDHC-74678, HC-75232, HC-75338, (RTJ-167/206), HC-79191 (RTJ-171/258), HC-80100, HC-80420, RE-212081.

Pergunta-se: um defensor dativo foi nomeado para o paciente? Nem mesmo isso, Excelência. A sessão transcorreu aos tropeços, sem o conhecimento do advogado da causa, e nem muito menos do próprio acusado. Até mesmo a ordem das falas foi invertida naquela fatídica sessão.

Extrai-se uma lição em Mato Grosso: não se habilitar nos autos e deixar correr a citação editalícia. Em que pese a práxis claudicante, dessa conclusão não pode partilhar o impetrante que é advogado do acusado e informou, com zelo e presteza, o atual endereço do paciente, não encontrado por oficial de justiça.

De outra sorte, o TJMT não é coerente com o próprio TJMT. Vejamos o que entende aquele sodalício estadual, em outro processo:

Se o advogado constituído não está habilitado a praticar o ato em nome do mandatário, não se pode falar que o comparecimento espontâneo supriu a citação. (RAI 14904/2005 – TJMT. Relator – Rubens de Oliveira)

Ora, pergunta-se por que o TJMT acredita que uma simples petição supre notificação nesse caso e, num outro processo, entende justamente o oposto.

Retornando à cilada civilista na qual emaranharam-se o impetrante e o paciente, faz-se necessária uma redobrada digressão sobre o tema. Preambularmente, o impetrante procurou fazer levantamento de idênticas questões em Tribunais Superiores, a fim de prospectar entendimento alinhado ou dissonante com a atual impetração mandamental. Todavia, permissa concessa vênia do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, a polêmica de há muito não é levantada pela primariedade do direito processual.


Malgrado o bom-senso, o distinto Desembargador-Relator ignorou o razoavelmente recomendado para o caso. O impetrante exonera-se do forçoso mister de citar caudalosa doutrina processual a comparar a incidência do art. 570 do CPP, interpretado à luz do art. 38 do CPC. Bastam os arestos que igualmente ensinam.

Vejamos a dicção da diretiva legal constante da Lei 8.038/90:

Art. 4º Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias.

§ 1º Com a notificação, serão entregues ao acusado cópia da denúncia ou da queixa, do despacho do relator e dos documentos por este indicados.

§ 2º Se desconhecido o paradeiro do acusado, ou se este criar dificuldades para que o oficial cumpra a diligência, proceder-se-á a sua notificação por edital, contendo o teor resumido da acusação, para que compareça ao Tribunal, em 5 (cinco) dias, onde terá vista dos autos pelo prazo de 15 (quinze) dias, a fim de apresentar a resposta prevista neste artigo.

Art. 5º Se, com a resposta, forem apresentados novos documentos, será intimada a parte contrária para sobre eles se manifestar, no prazo de 5 (cinco) dias.

Portanto, a notificação é obrigatória no procedimento especial de ações penais perante os tribunais. A resposta ou o silêncio pouco importa, mas o ato processual de notificar o acusado é taxativa, essencial e indeclinável. A legislação não discerniu entre acusados, não prevendo nenhuma hipótese de facultatividade na obrigação de notificar um acusado.

Insta saber se o advogado pode receber notificação/citação, sem poderes especiais, expressamente apontados no instrumento particular outorgado. A negativa é óbvia.

O grande jurista italiano Francesco CARNELUTTI em “Instituições do processo civil”, Ed. Classic Book, – 2000, pág. 239, leciona que o advogado não pode fazer mais do que estipulado do mandato, sob pena de responsabilização. Portanto, não poderá jamais receber notificação penal ou mesmo citação, sem antes ter poderes expressos para tanto. Vejamos a lição do eterno mestre:

"Os atos levados a cabo pelo defensor ativo e as razões expostas pelo defensor-consultor no lugar da parte têm efeito como se proviessem da própria parte, e esta não poderia de modo algum fazer valer uma transgressão das instruções que ele tenha dado, senão aos fins da responsabilidade dele."

Já em solo pátrio, da doutrina nacional e da percepção do Prof. Dr. Ricardo Canguçu Barroso de Queiroz, exsurge lição em magnífico ensaio “Natureza da Atividade de Advocacia”:

A procuração que contiver somente "poderes para o foro em geral" habilita o advogado a exercer a advocacia na defesa dos interesses do cliente em qualquer ação e em qualquer juízo ou tribunal. Há casos, porém, em que são necessários poderes especiais, não contidos na cláusula "para o foro em geral", antiga cláusula “ad judicia”, e aí devem eles ser mencionados expressamente, sem o que o advogado não os poderá exercer, como , por exemplo , para receber citação, notificação, para receber importâncias depositadas, para requerer falência, para desistir de processo etc. ..

Fazendo coro com a doutrina alienígena e nacional, os arestos buscados para ilustrar o caso são todos uníssonos.

COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU ALEGATIVA DE INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO – Se foi o advogado que peticionou em nome próprio, antes da citação do réu, requerendo a juntada da procuração outorgada por este, não há como aplicar-se, no caso, o disposto no art. 214, § 1º, do CPC, que tem como suprida a falta da citação o comparecimento espontâneo do réu ao processo. Feita a citação em comarca ou jurisdição diversa da do Juízo da causa, o prazo para a contestação começa a partir da data da juntada da respectiva carta precatória aos autos. (TRF 5ª R. – AI 1.051 – AL – 1ª T. – Rel. J. Orlando Rebenças – DJU 26.04.91).


A polêmica é resolvida ainda na cátedra universitária. Todavia, há casos mais complexos que necessitam de intervenção judiciária, ainda que demande análise perfunctória.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já cuidou do tema outras tantas vezes. Da lavra do eminente Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO é o Resp 133861/MG/1997/0037039-9. Entendeu a 3ª Turma do STJ, acompanhando o relator à unanimidade, que:

Processual Civil. Citação. Comparecimento espontâneo. Pedido de juntada de procuração pelo réu sem poderes especiais. Recurso especial. Presquistionamento. Matéria probatória.

I. o pedido de juntada de procuração por advogado sem poderes para receber citação não se assimila ao comparecimento espontâneo do réu a que se refere o art. 214, Parágrafo Primeiro do CPC. Precedentes.

II. (…)

III. (…)

IV. recurso especial não conhecido.

Não só. Também a 4ª turma do STJ, conduzido o voto vencedor à unanimidade pelo insigne Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, no Resp 213063/SP/1999/0039975-7. Veja a lucidez do pretor maiorino:

Processual Civil. Liquidação de sentença. Execução. Citação pessoal. Art. 611, CPC. Juntada de procuração pelo réu sem poderes especiais. Comparecimento espontâneo. Inocorrência. Precedente. Recurso desacolhido.

I. (…)

II. No caso, a procuração anexada aos autos não conferia esses poderes ao advogado para receber citação. Assim, não estando o advogado habilitado a praticar o ato em nome do mandante, a juntada da procuração não eve a pretendida eficácia.

A mesma 4ª Turma do STJ, dessa vez em atenção ao judicioso Min. BARROS MONTEIRO, em apreciação ao Resp. 92373/MG/1996/0021581-2 deixou assentado:

Citação. Comparecimento espontâneo. Pedido e vista formulado por procurador do réu.

O simples pedido de vista, subscrito por advogado sem poderes especiais para receber citação, não pode ser considerado como comparecimento espontâneo do réu, hábil a suprir o ato citatório. Precedentes do STJ.

Recurso Especial não conhecido.

Idêntico entendimento, já sedimentado no STJ, deu-se com o douto Min. CASTRO FILHO, relator do Resp. 249769/AC/2000/0019769-6. Vejamos a ementa:

Direito Processual Civil. Pedido de vista. Procuração sem poderes especiais. Comparecimento espontâneo do réu. Inocorrência. Monitória. Prazo para embargos. Termo a quo. CPC, 241, II.

I – a juntada de procuração e requerimento de vista dos autos por advogado sem poderes especiais para receber citação não constitui, em princípio, comparecimento espontâneo do réu, hábil a suprir a ausência do chamamento (CPC, art. 214, par. 1º).

II – (…)

III – (…)

Da inteligência do eminente Min. ARI PARGENDLER, em julgamento do Resp 193106/DF/1998/0078887-5, acompanhou a 3ª Turma do STJ o seguinte verbete:

Processo Civil. Comparecimento espontâneo. Não se assimila ao comparecimento espontâneo, a que alude o art. 214, 1º, do CPC, a petição em que o advogado, sem poderes para receber citação, requer, simplesmente a juntada de procuração aos autos. Recurso especial conhecido e provido.

Ou seja, entende o STJ que o comparecimento espontâneo do réu, seja em processo civil, seja em processo penal (principalmente) dar-se-á mediante duas possibilidades: a) pessoalmente; b) mediante procurador com poderes especiais e expressos em instrumento particular. Hermenêutica alguma do STJ apontou para o suprimento da falta de citação/notificação com o simples ingresso de advogado nos autos, a contar prazo em desfavor de um acusado.

Outrossim, importa salientar que os julgados apontados acima cingem-se a hipóteses mais complexas, onde o patrono RETIROU EM CARGA O PROCESSO, ou providenciou reprografias, enfim. Aqui, no caso versado no atual mandamus of writ, nem mesmo isso ousou fazer o impetrante. Nem vista, nem carga, nem cópia. Apenas fez internar petições, habilitando-se de um lado e informando novo endereço, de outro.


Daí teratológica solução encontrada da coordenação descompassada entre os arts. 570 do CPP e 241 do CPC. Resta interpretar o “entendimento” do Ministério Público como inaceitável. Vejamos o “parecer” do punho do Procurador de Justiça: “na sistemática do CPP, comparecer não significa necessariamente ir à presença física do magistrado ou estar no mesmo ambiente. Comparece aos autos ou atos do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual, ainda que por escrito, ou quem se faz presente por meio de procurador”.

Convenientemente, esqueceu-se o Procurador de Justiça PAULO FERREIRA DA ROCHA que o comparecimento por meio de procurador exige, ineludivelmente, poderes especiais para receber a inicial acusatória. Esse inarredável “lapso” de técnica, avulta a nulidade processual de agora. Assim, infelizmente, o Órgão Especial do TJMT deu guarida a esse tipo de entendimento, menoscabando a integridade defensiva do paciente.

Excelência. É processo penal! Trata-se de observar a forma e não padecer ao comodismo. Primeiro, o Relator observa o art. 362 do CPP em consonância com o art. 4º, par. 2º, da Lei 8.038. Não por outra razão é que se dá a incidência de nulidade constante no art. 564, III, “e”, “l”, e IV do CPP, atacável por meio de hábeas corpus, discriminada a hipótese no art. 648, I e IV do mesmo Diploma.

Ora, nem mesmo pela “lógica” hostilizada toda própria do TJMT, poderia prosperar a aplicação do art. 570 do CPP. Uma vez que o ato não fora suspenso, nem adiada foi a sessão de julgamento, malgrado o prejuízo da parte.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, da primeira versão do Código de Processo Civil, transitando por todas as sucessivas alterações legislativas, sempre definiu com meridiana clareza que é imperiosa a necessidade de poderes especiais e expressos para que o advogado seja citado, em nome do cliente outorgante. Do cotejo dos julgados encontrados, vejamos o entendimento do saudoso Ministro THOMPSON FLORES:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº. 109. 091— SÃO PAULO

CITAÇÃO. ART. 38 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Sem poder especial para tanto, expresso no instrumento de mandato, não pode o advogado receber citação inicial, o que é de igual natureza e conseqüências – dar noticia, em juízo, da ciência do feito por seu constituinte “ad judicia”.

Recurso extraordinário provido.

E mais:

PRIMEIRA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 9 90.464-6 – RIO GRANDE DO SUL

RELATOR: SENHOR MINISTRO THOMPSOM FLORES

Apreciando o apelo proveu-o a Egrégia Câmara Cível, em acórdão Unânime de 14/12/1976, para anular o processo por falta de citação, após rejeitar as preliminares de intempestividade do recurso e de Ilegitimidade.

Sua ementa dispõe fls. 75:

NULIDADE DO PROCESSO.

Falta de citação

Para se dar por citado necessita o mandatário de poderes expressos na procuração, a tanto não equivalendo a simples referencia do art. 38 do Código de Processo Civil.

Inexistências de citação são nulos todos os atos praticados no processo.

Opostos os embargos declaratórios fora rejeitados e, considerados protelatórios, foi aplicada sanção processual, fls. 91.

Dai o recurso Extraordinário fundado nas letras A e D da permissão Constitucional, na qual se alega denegação de vigência dos artigos, alem dos outros, 38 e 214, § 1º, da CPC, bem como o art. 1030, do código Civil, e ainda dissídio na aplicação de alguns daqueles preceitos processuais.

Nem imaginava o impetrante que, por dever de lealdade, ao peticionar para informar e auxiliar o Poder Judiciário Mato-Grossense, informando o novo endereço do acusado, antes mesmo de ser o mesmo intimado, poderia gerar o gravame de: a) vislumbrar citação editalícia; b) dispensar-se a citação editalícia; c) dar o cliente por notificado.

Não merece prosperar um entendimento desse jaez. Tal condução temerária certamente fermentará outra sorte de nulidade – como será a conseqüente e iminente citação do paciente? Em Mato Grosso, por meio de advogado sem poderes para tal, em Rondônia ou via edital?


Pitoresca foi a solução lançada pela Colenda Corte Mato-Grossense, em sede de processo penal, onde deveria guardar-se a acuidade própria da garantia constitucional emprestada especialmente para temas que gravitam em matéria penal. Primeiro, onde se faria edital a chamar o acusado para integrar o procedimento criminal, este foi cancelado. E, segundo, ao dispensar o edital, deu-se por intimado o paciente da peça vestibular por meio de advogado sem poderes. Justamente aquele responsável por informar o endereço atualizado do acusado. E isso tudo, ainda, sem ter o advogado cópia da inicial!

Em que pese os sempre judiciosos entendimentos daquele juízo colegiado a quo, há de se reparar esse grave lapso processual que afronta o direito mínimo do paciente em tomar conhecimento da acusação que o órgão ministerial impinge ao mesmo. Se o impetrante, na condição de advogado constituído, a) tivesse ao menos retirado o processo com carga; b) tivesse recebido a inicial acusatória da lavra da Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso; c) tivesse folheado os autos com vista no balcão do Órgão Especial do TJMT…talvez, num devaneio processual, haveria uma infinitesimal possibilidade jurídica de “citação presumida”.

Todavia, Excelência, não houve vista, carga, cópia ou de recebimento de qualquer intimação ou de denúncia, conforme comprova a anexa certidão expedida pelo Oficial de Justiça. O impetrante, além de não aportar aos autos, munido de poderes especiais, ainda hoje desconhece o inteiro teor da peça madrugadora. Daí o desprezo pelas balizas mínimas do processo penal regulado no caso pela Lei 8.038/90, descartando-se a intimação obrigatória naquele endereço informado, olvidando-se mesmo uma alternativa de citação editalícia, houve por bem o TJMT percorrer a senda processual mais célere, mais fácil, mais cômoda e que, inevitavelmente, conduzirá à nulidade demonstrada.

O desenho processual que se configurou, no caso em estudo, é deveras teratológico e desinteligente. Vamos que, persistindo o vício insanável, a denúncia seja processada. Pergunta-se: como e onde será citado o paciente?! No Estado de Rondônia, onde informou o impetrante, ou via editalícia?! Ou será citado para interrogatório por meio do advogado, em seu escritório, mesmo sem poderes para tanto?!

Ora, citando o paciente no atual endereço em Ji-Paraná, confessará o TJMT que incorreu em erro invencível. De outro giro, citando-se o acusado via edital, permanecerá em obtuso equívoco o TJMT que não o fez para intimar da denúncia. E, finalmente, se houver citação por meio do advogado, ora impetrante, animar-se-á a nova impetração de remédio heróico.

Este advogado não pode receber citação!

Portando, não há saída lógica para o imbróglio. De tudo, infelizmente está a observar-se a demissão da legalidade, exonerando as garantias constitucionais da ampla defesa e admitindo-se turbação constrangedora que, ao que tudo indica, agrada mais ao comodismo do que à própria lei. Sendo assim, é preciso insurgir-se.

Excelência. Vamos tomar de empréstimo a ótica eminentemente civilista do digníssimo Dr. Relator Mariano Alonso Travassos. Ainda assim, perpetrou nulidade que se afigura constrangimento ilegal, tanto pelo prisma propriamente civil, como pela ótica penal.

Do ensaio civilista, ensejador do atual constrangimento ilegal pelo qual passa o paciente, temos o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso onde emerge a presunção de citação/intimação da simples vista e peticionamento nos autos por meio de advogado. Desse prisma, em 1991, divergiu o então Desembargador Federal Dr. VICENTE LEAL, (hoje eminente Ministro dessa Colenda Corte Especial). Vejamos a inteligência do nobre julgador:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL N 91.01.024060 – DF

RELATOR : O EXM SR. JUIZ VICENTE LEAL

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO. INEXISTNCIA. ADVOGADO SEM PODERES EXPRESSOS. CPC, ARTS. 38 E 214.

NULIDADE DO PROCESSO.

— A procuração “ad judicia” no confere ao advogado poderes para receber citação, nos termos do art. 38, do CPC.


— O comparecimento do advogado do réu ao processo somente supre a falta de citação se o mesmo exibe instrumento procuratório com poderes expressos para tanto.

— Precedentes judiciais.

— Apelação provida.

O EXM SR. JUIZ VICENTE LEAL (RELATOR): – A questão emoldurada no presente recurso tem sido objeto de longa discusão no âmbito da doutrina e da jurisprudências.

A questão decorre da interpretação conjugada do art. 38 com o art. 214, § 12, e o art. 215, tudo do CPC.

Ora, o art. 38 do CPC estatui que a procuração geral para o foro, a chamada procuração ad judicia, não habilita o advogado para receber a citação inicial.

De outra parte, o art. 215, do CPC, estabelece que a citação deve ser feita ao réu pessoalmente, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado. E o parágrafo lº do art. 214, do mesmo diploma legal, admite que o comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação.

Em face desse repositário normativo, formula—se a seguinte indagação: o comparecimento do advogado do réu ao processo, com simples procuração ad judicia, supre a falta de citação do réu?

Esta, a “vexata quaestio” emoldurada no presente recurso.

Sobre o tema, os praxistas e exegetas tem posições variadas. TEOTÔNIO NEGRÃO, em nota ao art. 214, registra a controvérsia, merecendo destaque as seguintes:

“Art. 214: 6. e, se der por citado, da{ passara a correr seu prazo para contestação (RT 508/147).

Se não se der por citado e no tiver poderes para receber citação, o prazo para defesa não se inicia pela juntada de sua procuração aos autos (RT 579/166), nem mesmo pelo pedido de vista para contestar (RJTJESP 83/175; contra, contando o prazo para contestação da data em que ingressa em juízo o advogado do ru ainda nao citado: RT 612/158).

Sem poderes expressos para receber citação, no pode o advogado, inclusive, tomar ciência da demanda, em nome de seu constituinte (RTJ 119/859 e STF—RT 613/259).” (Cf. Cod. Proc. Civil, 18 edição, pg. 132) .

Após demorada reflexão sobre o tema, tenho que há de prevalecer a orientação mais consentânea com a expressão literal das regras em comento, que conferem especial re1evânci ao primeiro chamamento do réu ao processo, o qual deve ser pessoal, não sendo admissível que tal chamamento se faça por intermédio de quem não recebeu expressos poderes para tanto. Por isso que o art. 215 do CPC somente admite a citação de procurador legalmente autorizado, seja, procurador com poderes específicos.

Esta linha de entendimento ja foi sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, no Julgamento do RE nº. 2 109.091—SP, do qual foi relator o Ministro FRANCISCO REZEK, sendo condensado na seguinte ementa:

“Citação”. Art. 38 do C6dgo’de Processo Civil.

– Sem poder especial para tanto, expresso no instrumento de mandato, no pode o advogado receber citação Inicial, nem — o que de igual natureza e conseqüências — dar noticia em juízo, da ciência do feito por seu constituinte “ad judicia”

“Recurso extraordinário provido” ( RTJ, 119, pg. 859).

Do voto do ilustre Relator, que foi prestigiado pela Egrégia Segunda Turma, merece destaque o seguinte excerto:

“Estimo, ademais, que a premissa jacente no ares to paradigma de correção absoluta. Nosso Código de Processo, prestigiando velha tradição, subordina ao requisito da pessoalidade o chamamento da parte no vestíbulo da causa. A regra da citação real esta sancionada no art. 215 do Código que motivou o magistério de Moniz de Aragão no sentido de que “a citação pessoal, real (…) a preferida, e as demais, presumidas, fictas, se tem cabimento quando a outra for impossível, salvo algumas hipóteses que o legislador excepciona”. (Comentários ao Código de Processo Civil; Rio, Forense, 1979, pág. 212).

É induvidoso que semelhante Princípio resultaria frustrado quando admitida a possibilidade de que o procurador vestido pelo cidadão com poderes meramente ordinários viesse ao feito com qualidade para dizê-lo citado. A presença espontânea do réu, versada no artigo 214, § 1, do Código de Processo, há, portanto, de ser pessoal para produzir o efeito ali previsto. Tal é a única interpretação do dispositivo capaz de harmoniza—lo com a regra da primeira citação real, que inspira a sistemática de nosso processo civil. Não é inconcebível, evidentemente, que o réu se veja representar nesse ato por seu patrono constituído. Este, porém, há de estar expressamente habilitado a tanto, nos termos da discriminação que o artigo 38 estabelece de modo claro.


Parece—me, isso posto, que só o poder especial para receber citação, expresso no instrumento de mandato, torna válido o gesto de igual natureza e conseqüências, qual seja sua assertiva em juízo de que o réu tem ciência do feito. A tese contrária vitoriosa na origem, não garante vigência ao artigo 38 do Código de Processo Civil.” (RTJ, 119/861).

No caso “sub examen”, o réu não outorgou ao seu advoga poderes para receber citação. Este compareceu em Juízo e requereu vista do processo para oferecer contestação, o que lhe foi deferido, consoante despacho publicado em 16.11.1989, esta foi considerada intempestiva, sendo aplicado ao réu as cominações da revelia.

Todavia, o réu não foi citado na forma inscrita no art. 215, do CPC, o que acarreta a nulidade do processo “ad initio”, impondo-se a rea1izaço de regular citação.

Isto posto, dou provimento ao apelo para anular o processo “ab initio”, para que se proceda a regu1a citação.

É o meu voto.

Ainda na prospecção pelo mais adequado entendimento, outra não foi a conclusão do Min. COSTA LEITE. Em estudo à questão da citação por meio de advogado desmuniciado de poderes especiais, pronunciou-se o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL N° 47.715-8 – RS – 94.0012853-3

RELATOR : EXM° SENHOR MINISTRO COSTA LEITE

EMENTA

Processo Civil. Edital. Comparecimento espontâneo.

Se o advogado não tinha poderes para receber a citação, a simples retirada dos autos de cartório pelo mesmo não induz a aplicação da norma inserta no art. 214, § 1°, do CPC. Recurso conhecido, pelo dissídio, mas não provido.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO COSTA LEITE:– Trata-se de recurso especial manifestado por Expresso Industrial Ltda., com arrimo no art. 105, III, ‘a” e “c”, da Constituição Federal. contra acórdão da e. Quinta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, que arredou decreto de revelia, a teor dos seguintes fundamentos constantes do voto condutor (fl. 94):

‘Na ação cautelar, a ré acostou procuração, fl. 53, outorgando ao mandatário poderes expressos para oferecer contestação na cautelar e na principal, não havendo, em momento algum, outorga com poderes expressos para receber citação. Poderes para contestar não se contundem com poderes para ser citado ou receber citação, pois a contestação pressupõe a ocorrência da citação.

Data venha de entendimentos que possa haver em sentido contrário, o procurador deve exibir poder especial para receber citação, sem o que. mesmo comparecendo em cartório e retirando os autos em carga, a citação, não se aperfeiçoou pela singela razão de que não era aquela a pessoa habilitada a praticar tal ato processual em nome do mandante.

Nesta linha de raciocínio, mister salientar que poderes outorgados não se presumem: ou se os declaram expressamente. ou se os têm como inexistentes.

VOTO

O SENHOR MINISTRO COSTA LEITE (RELATOR):- Afigura-se-me escorreita a fundamentação do acórdão recorrido. Não há dizer-se suprida a falta da citação, na espécie vertente, senão com a posterior apresentação da contestação. Com efeito, se o advogado não tinha poder para receber a citação, a simples retirada dos autos de cartório pelo mesmo não induz a aplicação da norma inserta no art. 214, § 1°, do CPC.

Conhecendo do recurso, pelo dissídio, nego-lhe provimento. É como voto, Senhor Presidente.

Excelência, no caso acima, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por bem anular o procedimento, desconsiderando a citação realizada por meio de advogado não habilitado com poderes especiais. Todavia, ressalte-se, o patrono no caso em estudo Resp. 47715-8/STJ, retirou os autos. No presente procedimento hostilizado, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, nem mesmo isso fez o impetrante: não viu os autos, não recebeu a exordial acusatória, não fez carga dos autos, enfim, apenas peticionou colacionando procuração para acompanhar processo de origem e, ainda, informou o novo endereço do paciente.


Não vamos nos escorar na malícia de anular o processo que tramitará anos. Não lançamos mão dessa gestão, muito embora válida, tida como maliciosa. Pelo princípio da economia processual, da lealdade que norteia a função advocatícia, rogamos a anulação logo no nascedouro do processo.

Reconheçamos a vigência do art. 570 do Diploma Processual Penal. Contudo, o acusado não compareceu espontaneamente em juízo, porque não pode ser aplicado o dispositivo dos arts. 38 e 214, 1º, do Codex Processual Civil. NÃO HÁ PODERES ESPECIAIS NA PROCURAÇÃO PARA RECEBER NOTIFICAÇÃO OU CITAÇÃO, pela enésima vez. Bastava ler a outorga.

Assim colocados os fatos, devidamente comprovados por meio da colação de cópias dos autos fornecidas por co-denunciados, em consonância com o que se alegou, o gravame processual penal infunde a necessidade de medida liminar de suspensão do processamento da ação originária 38764/2005/TJMT. A fumaça do bom direto transforma-se mesmo em verossimilhança das alegações, dada a juntada de: a) petição do impetrante na origem; b) certidões; c) manifestação ministerial extemporânea; d) acórdão de recebimento de denúncia.

Há nos autos de habeas corpus, todos os documentos imprescindível a uma cognição sumaríssima. Exsurge a nulidade e a afronta a preceitos processuais básicos, desde muito protegidos pelo próprio superior sodalício.

De outra sorte, o recebimento da denúncia contra o paciente, na dicção da Lei 8.038/90, sem mesmo o conhecimento da vestibular denúncia, gerando a expectativa de citação para interrogatório ou mesmo de intimações para todas as ulteriores fases do processo, mormente considerando-se a produção de provas, espelha-se suficientemente o perigo na demora da prestação jurisdicional.

Criou-se, do imbróglio, singular hesitação: e dos próximos atos do processo, deverá comparecer o advogado-impetrante? Por fim, pelo atual rumo processual, só falta a decretação da prisão preventiva, em função no não-comparecimento do acusado às audiências, ainda que não intimado!

Repita-se, em remate: não quer o impetrante fazer chicana com o processo, anulando-o ab initio já na fase de sentenciamento. Requer apenas seja o procedimento recolocado nos trilhos da legalidade.

De forma que a medida liminar de SUSPENSÃO DO PROCESSO, até o julgamento da presente ordem de habeas corpus não só é cabível, mas recomendável, pelo princípio da economia processual, e diante do embasamento documental que, prima facie, comprova as alegações mesmo as vislumbrando de relanço, requisito bastante para a liminar vindicada.

POSTOS OS FATOS, arrimando-se no melhor direito de ordem constitucional, baseando-se o impetrante na inteligência da sistemática processual penal e civil e nos arestos do próprio Superior Tribunal de Justiça, requer de Vossa Excelência:

1 – A concessão de medida liminar a suspender-se o procedimento penal originário, até o julgamento de mérito do presente remédio heróico, dada a reconhecida e certificada ausência de notificação pessoal ou editalícia para apresentação de defesa preliminar em procedimento especial;

2 – A concessão da ordem no mérito para anular o ato de recebimento da denúncia nos autos da ação penal originária 38764/2005/TJMT, reconhecendo-se como não notificado o acusado Jackson K. Martins por meio de advogado sem poderes para tanto e, ainda, com base na carência de intimação de defensor constituído para a sessão de recebimento de inicial acusatória e na inversão tumultuária do procedimento, com indevido privilégio ao órgão ministerial.

3 – Não entendendo assim, alternativamente, requer-se de Vossa Excelência a concessão da ordem pela ausência da nomeação de defensor dativo para ofertar defesa preliminar e acompanhar sessão de recebimento da exordial, junto ao TJMT.

4 – Havendo informações, se necessárias, colhamos o sempre benfazejo parecer ministerial.

Termos em que

Pede e Espera Deferimento.

De Cuiabá para Brasília,

Em 07 de março de 2006.

EDUARDO MAHON

OAB/MT 6363

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