Visão policial

Entrevista: André Di Rissio

Autor

5 de março de 2006, 7h00

Delegado - por SpaccaSpacca" data-GUID="delegado.png">A questão está no Supremo Tribunal Federal com um placar apertado de 3 a 2 e nenhuma previsão de desfecho: o Ministério Público tem poder para conduzir inquérito penal? Para o delegado André Di Rissio, da Polícia Civil de São Paulo, a resposta é tão clara quanto a luz do meio dia: “O MP não pode investigar porque a Constituição não permite e se o fizer a sociedade será prejudicada”. Para ele, ao promotor cabe a denúncia, à polícia a investigação.

Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, o delegado Di Rissio está dividido entre defender os direitos trabalhistas da classe que representa e as atribuições constitucionais e legais da entidade policial. Assim como reclama a exclusividade do poder de investigação criminal para a polícia, clama também por melhores salários e melhores condições de trabalho para a Polícia Civil de São Paulo, na sua própria opinião, a melhor e a mais mal paga do Brasil.

Em entrevista à Consultor Jurídico, Di Rissio debateu com firmeza temas polêmicos, a progressão de regime para crimes hediondos, a absolvição do coronel Ubiratan Guimarães pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, os famosos casos de erros judiciais do Bar Bodega e da Escola Base. Neste último, afirmou: “Tenho a coragem necessária para dizer que, lamentavelmente, talvez tivesse tomado a mesma atitude do delegado”.

Uma dose de ousadia esteve sempre presente em sua vida. Foi assim que acabou fazendo concurso de delegado antes mesmo de receber o diploma de bacharel em Direito. “Estava no terceiro bimestre do último ano e eu, por já estar aprovado, pedi meu diploma. Como não me deram, obtive um Mandado de Segurança para consegui-lo e participar do concurso. No baile de formatura, eu já era delegado.”

Com 41 anos de idade e 16 de Polícia, além de presidente da ADPesp, é membro efetivo da IACP — Associação Internacional dos Chefes de Polícia. Tem mestrado em Cuba e na PUC de São Paulo, onde defende tese de doutorado.

Participaram também da entrevista os jornalistas Adriana Aguiar, Márcio Chaer e Maurício Cardoso.

Leia a entrevista

ConJur — O que o senhor achou da decisão do STF, que entendeu que condenados por crimes hediondos podem ser beneficiados pela progressão de regime?

André Di Rissio — Como delegado de Polícia, posso afirmar que foi uma frustração. Da forma como é hoje a progressão, um condenado pode estar em liberdade depois de cumprir apenas um sexto da pena. Será que é fazer Justiça permitir que a família de uma vítima pegue o mesmo ônibus que o criminoso depois deste ter cumprido um sexto da pena? Nos crimes de seqüestro, por exemplo, em que a pena é de 12 anos, em dois anos, o condenado volta para o convívio social. Acho essa possibilidade de progressão um risco para o Brasil, que já vive sob essa sensação de impunidade.

ConJur — Proibir a progressão de regime diminui a sensação de impunidade?

André Di Rissio — A sensação de impunidade existe porque as pessoas não acreditam que a decisão judicial será efetivamente cumprida. A Polícia faz a investigação, prende o acusado, o promotor acusa, o réu é condenado e, no final do ano, o presidente da República concede indulto natalino para ele, que sai, foge e nunca mais volta para a cadeia. Isso é impunidade. E é frustrante.

ConJur — O impacto do crime sobre a sociedade deve influenciar na imposição da pena?

André Di Rissio — Há um risco na sociedade de se discutir duas coisas que são conceitos completamente diferentes: interesse público e interesse do público. O juiz não pode ficar sujeito à pressão que a opinião popular faz. No mundo civilizado, só o direito belga prevê o clamor público como motivo exclusivo para a prisão de alguém. No Brasil, os requisitos para a prisão — clamor social, risco de fuga, entre outros, estabelecidos pelo Código de Processo Penal — têm de ser conjugados, e não analisados isoladamente.

ConJur — No caso de crimes com requintes de crueldade ou de violência com grande repercussão social, a opinião pública costuma condenar o acusado antes do julgamento. Nesta situação, a tendência do juiz não é atender ao apelo popular?

André Di Rissio — Nós vimos exatamente o contrário no julgamento do coronel Ubiratan Guimarães, no caso do massacre do Carandiru.

ConJur — Neste caso, o senhor não acha que a decisão do Tribunal de Justiça paulista foi de encontro à vontade da sociedade?

André Di Rissio — Eu acho que a população gostou sim da absolvição do coronel, tanto que permitiu que ele se elegesse deputado, usando o número que representa a quantidade de vítimas da tragédia. Mesmo assim, o Tribunal de Justiça teve um julgamento incontestável e, acima de tudo, corajoso porque causou surpresa na comunidade jurídica, inclusive uma celeuma no seio do Judiciário, o que é absolutamente incomum. Eu sou delegado há 16 anos e nunca vi um juiz criticar uma decisão colegiada do órgão máximo de um tribunal, como ocorreu neste caso.


ConJur — O juiz, como cidadão comum, também é vítima de crimes. O senhor acha que isso influencia na hora de eles julgarem outros casos?

André Di Rissio — O juiz é um homem do seu tempo. Ele corta o cabelo, vai ao supermercado, freqüenta um clube. Enfim, faz aquilo que um homem de classe média faz e assim deve ser. Se ele se sente inseguro nesse contexto, vai reproduzir isso nas suas decisões. Isso é uma realidade. Por isso, as decisões de juízes do interior têm um caráter completamente diferente das decisões de juízes da capital. Numa cidade do interior paulista, por exemplo, um roubo causa um estrépito maior do que em São Paulo.

ConJur — O senhor está dizendo que essa mudança de cultura influencia nas decisões judiciais. Influencia também no trabalho da Polícia?

André Di Rissio — Influencia sim. Em cidades pequenas, todo mundo conhece o padre, o juiz, o médico. A abordagem do bandido é diferente. O delegado chega e fala: “olha, sou delegado. Vá agora para a delegacia”. E o sujeito vai. Na cidade grande, onde o princípio da identidade se dilui e cada um representa apenas um número, essa abordagem não existe mais. Se eu tentar abordar um suspeito desse jeito no centro de São Paulo, não vou conseguir arrematar nem um pregador de Bíblia.

ConJur — Qual é o papel do delegado na sociedade?

André Di Rissio — No ordenamento jurídico pátrio, o delegado é o primeiro juiz da causa. Imagine uma relação triangular. No vértice principal, está o juiz, que representa o Estado no monopólio de fazer Justiça. No vértice inferior esquerdo, está o promotor de Justiça, que também detém o monopólio do Estado de denunciar. No outro vértice, está a defesa. É uma luta de espadas com as mesmas armas, e esse é o brilho do processo. Faz parte da nossa alegria e também da nossa mazela, porque são regras iguais para todo mundo. Coligado ao promotor, fora da relação triangular, está o delegado. É ele quem supre a necessidade do Estado de individualizar quem comete um crime. O delegado identifica, individualiza e prende. Ele tem formação jurídica para determinar se uma pessoa deve ser presa ou não, para evitar abusos. Vou dar um exemplo: um policial militar leva alguém para a delegacia e fala: “ele estava atrás de uma rua, na periferia, em atitude suspeita, é negro, tinha um pó branco e achei que seu nariz estava sujo”. Depois, verifica-se que o homem era trabalhador, estava parado com seu carro velho na periferia, mas isso não quer dizer que ele é bandido, muito menos o fato de ser negro. O pó é analisado e se constata que era talco. Embora ele quisesse cheirar cocaína, foi enganado pelo traficante e comprou talco. Não é crime cheirar talco. Então, quem tem de ser preso? O traficante? O policial por abuso de autoridade? O cara que estava cheirando talco? Quem decide esse imbróglio é o delegado. É ele o primeiro juiz da causa.

ConJur — Do ponto de vista da opinião pública, o delegado tem uma imagem um pouco diminuída em relação aos outros profissionais do Direito?

André Di Rissio — A imagem do delegado foi diminuída nos últimos 12 anos porque as nossas mazelas foram comentadas no amplificador por alguns promotores absolutamente inescrupulosos. A tudo isso, some o desmazelo do governo do estado com a sua polícia judiciária, os baixos salários, o pouco incentivo da carreira, falta de estrutura e a falta de recurso humano. Falta delegado porque falta salário.

ConJur — O senhor está dizendo que falta investimento na Polícia?

André Di Rissio — Falta, e isso resulta num descrédito da instituição. Estou convencido de que a melhor Polícia da República é a de São Paulo. Mesmo assim, é a que paga o salário mais baixo. O salário inicial para o delegado, pela sua atividade, é ridículo. São R$ 3 mil brutos. Além disso, o governo furta o discurso da Polícia paulista. Faço um desafio: quem conhece um bandido famoso no estado de São Paulo que não esteja preso ou morto?

ConJur — Talvez porque aqui o crime não seja tão organizado como no Rio de Janeiro.

André Di Rissio — Não, não é isso. Em São Paulo, nós não permitimos que os criminosos se organizem como eles conseguem fazer no Rio. São Paulo também tem favela e bandido perigoso como tem no Rio, mas não deixamos que chegue ao ponto que chegou lá. Quem não deixa é a Polícia, e não o governador, porque não há uma política de segurança pública. Eu estou provando por A mais B que o estado não investe na Polícia.

ConJur — Nem em capacitação do pessoal?

André Di Rissio — Em São Paulo, por exemplo, depois de aprovado em concurso, o delegado fica quase um ano na Academia de Polícia da Universidade de São Paulo, aprendendo a investigar, que é nossa principal função. Ficamos especialistas em investigação. Mas, de cada 10 delegados que a academia admite na USP, ficam na Polícia apenas seis. Os outros quatro ou vão para outros estados, onde o salário é maior, ou para a iniciativa privada, que descobriu que o delegado é mão-de-obra barata. Essa é a realidade da Polícia Civil de São Paulo. Temos um déficit de 260 delegados.


ConJur — O salário baixo estimula a corrupção?

André Di Rissio — Claro que estimula. É um raciocínio pobre dizer que todo pobre é criminoso. Se fosse assim, na Índia, todo mundo seria ladrão. Mas nós chegamos, em São Paulo, a salários quase humilhantes. O governo fala que não tem dinheiro para pagar mais por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Será que só São Paulo tem essa lei? Além disso, o salário é muito desigual em comparação com o que recebe um promotor de Justiça. É uma vergonha. Um promotor recém saído da faculdade ganha mais do que o maior salário da Policia.

ConJur — E qual é o maior salário na Polícia?

André Di Rissio — Em São Paulo, é R$ 7.600. Um delegado com 40 anos de serviço ganha isso. O delegado-geral de Polícia ganha R$ 8.500 bruto por mês. Eu não estou me pautando pelo salário dos outros, mas sou filho de desembargador. Meu pai não recebe R$ 1 de aumento sem que um promotor venha atrás reivindicar. Para eles, funciona. Para nós, não.

ConJur — Qual seria um salário justo para um delegado?

André Di Rissio — Eu me baseio no salário de um delegado federal, que é de R$ 8.500, o inicial. São Paulo é o estado mais rico da federação, a complexidade da segurança pública aqui é muito maior. Não vejo o porquê de não fazer esse parâmetro com a Polícia Federal.

ConJur — O senhor cogita fazer greve para reivindicar melhores salários?

André Di Rissio — Eu penso em greve, mas teria muito constrangimento em deflagrar uma, embora tenha liderança para isso. O governo que não duvide.

ConJur — Mas o senhor acha que é cabível a Polícia fazer greve?

André Di Rissio — Como paulista e como delegado, eu teria muito constrangimento, mas não descarto.

ConJur — E como presidente da Associação dos Delegados?

André Di Rissio — Eu repito. Não descarto, mas teria constrangimento em deflagrar uma greve. É ruim privar a população, que não tem nada a ver com isso, de um serviço essencial.

ConJur — Qual é a função da Polícia Civil?

André Di Rissio — Existe a polícia ostensiva, que pretende evitar o crime. A mera figura física de um policial fardado em algum lugar impede a ocorrência de crime porque o bandido não quer confronto. No entanto, e se a despeito do esforço do estado acontecer o crime? É aí que entra a Polícia Civil. Temos de identificar e prender o acusado para levá-lo a julgamento. Existimos para responder perguntas básicas depois do ter ocorrido o crime: Quem? Onde? Como? Quando? Por quê? Essas respostas formam o inquérito policial. Muitos podem perguntar: mas por que inquérito, e não algo mais democrático? O tempo faz a verdade fugir. Por isso o princípio do inquérito inquisitivo. O delegado interroga acusado e testemunhas quando o cadáver ainda está quente. Esse é o papel da Polícia Civil.

ConJur — Quais são os limites de atuação da Polícia Civil?

André Di Rissio — Todos os limites estão definidos na lei. A polícia judiciária tem esse nome porque ela tem a sua história calcada na República, que define as garantias básicas do cidadão e da investigação. Nós partimos do crime para o criminoso, não ao contrário.

ConJur — Mas às vezes acontece o contrário.

André Di Rissio — Acontece como erro pontual, assim como acontece de prender a pessoa errada, de o promotor acusar a pessoa errada e de o juiz condenar a pessoa errada. Todos são falíveis. Admito que essa falha pode ser motivada por outras mazelas, como corrupção e desvio de caráter.

ConJur — Existem casos simbólicos de erros da Polícia, como o caso do Bar Bodega[durante um assalto à choperia em São Paulo, em 1996, duas pessoas foram mortas. Nove suspeitos foram presos e confessaram o crime. Mais tarde provou-se que os nove eram inocentes e que as confissões foram obtidas sob tortura] e da Escola Base [pais de alunos, com base em depoimento das próprias crianças, acusaram funcionários da escola de abuso sexual. O delegado do caso confirmou as acusações que tiveram ampla divulgação na imprensa. A escola foi depredada e os acusados execrados. Depois, ficou comprovado que não houve o crime]. Como o senhor avalia esses casos?

André Di Rissio — No caso do Bar Bodega, foi um erro pontual. Na Escola Base, não, e nem acho que poderia interpretar como um erro. Vamos imaginar a situação. O delegado está de plantão e, numa bela noite, chega uma mãe com o filho pequeno, que fala: “o tio tirou o piu-piu e colocou em mim”. E ele conta a história. A criança vai para o IML para fazer exame e constatar se há um pingo de veracidade técnica na sua história. O laudo diz que há fissuras anais, que podem ser congênitas ou causadas por penetração de órgão masculino. Há 50% de chances para cada uma das opções. Também não há como afirmar se crianças nunca mentem ou se sempre mentem. Quando o laudo volta para a delegacia, está todo mundo lá: o acusado, a criança chorando, a mãe revoltada, o pai e outros parentes do menino exigindo justiça. A decisão tem de ser arbítrio do delegado. Eu tenho a coragem necessária para dizer a você que, lamentavelmente, talvez tivesse tomado a mesma decisão.


ConJur — E no caso do Bar Bodega?

André Di Rissio — Este caso é completamente diferente. Se a memória não me trai, houve métodos de investigação [os policiais foram acusados de torturar os suspeitos para que eles confessassem o crime] que não foram referendados pelo delegado de Polícia. Infelizmente, foi o delegado, que era o chefe da equipe, quem teve de responder por isso.

ConJur — A quem cabe investigar? Apenas à Polícia ou o Ministério Público também pode?

André Di Rissio — O Ministério Público não pode investigar por uma razão que, embora os promotores não aceitem, é nobre. O MP é parte da relação processual. Lembra da relação triangular que eu falei? Se o MP puder investigar, ele terá armas que não foram dadas para a defesa. A principal prejudicada não será a Polícia, mas a sociedade, porque a balança penderá para um lado. Essa é a engenharia do Direito. Além disso, não existe nenhuma investigação conduzida exclusivamente por promotor de Justiça que tenha tido resultado.

ConJur — Nenhuma?

André Di Rissio — Não. O que acontece é que o delegado de Polícia não é mais fonte da imprensa porque ele é subordinado ao delegado-geral, que o impede de dar entrevistas. Aí, quem é procurado para falar com os jornais é o promotor. E ele fala. Por isso, o promotor passou a ser referencial nesse vácuo da Polícia. Mas eu afirmo que o Ministério Público não pode investigar porque a Constituição não permite. Se a Constituição for alterada, serei o primeiro a reconhecer o poder investigatório do MP. Não sou contra o promotor, embora tenha mágoa de alguns pela forma como expõem a Polícia. Eu acho que temos de trabalhar junto, se não, quem perde é a sociedade. Eu não quero divisão, quero colaboração.

ConJur — Um dos argumentos usados para defender a proibição do MP investigar é de que a instituição tem propensão natural para a acusação e, portanto, só colherá dados que lhe interessam.

André Di Rissio — Esse é um raciocínio de bom senso, mas existem outros. No nosso país, até cachorro investiga. O cachorro que fica lá no aeroporto cheirando a mala dos viajantes, está investigando. Detetive particular não investiga para saber se a mulher é adultera? O dono da seguradora não tem um corpo de investigadores privados para saber se o carro sai dos limites da circunscrição ou não? A imprensa não investiga? Nesse país, todo mundo investiga. A diferença é que a investigação da Polícia é produzida sob a fiscalização de diversos órgãos do estado.

ConJur — Sob a fiscalização do Ministério Público?

André Di Rissio — Claro. E nós não nos insurgimos contra isso porque o controle externo é uma atividade constitucional do Ministério Público e legitima a investigação da Polícia. As investigações feitas pelo MP funcionam assim: eles decidem investigar alguém, montam uma coisa sem pé nem cabeça e, dois anos depois, não há conclusão nenhuma. O investigado fica sem saber que foi investigado, não tem como arquivar o inquérito e nem fiscalizar. É isso que eu reclamo: quem fiscaliza o fiscal? Não quero controlar, mas abusos têm de ser evitados. Eu quero que sejam criadas formas de evitar, por exemplo, que o secretário [Eduardo Jorge Caldas Pereira] de um ex-presidente da República [Fernando Henrique Cardoso] seja investigado por quatro anos. Lembram disso? O promotor, que era corcunda como um inquisidor, passou quatro anos pegando no pé do secretário.

ConJur — E quando o investigado é um policial? Ainda assim, é a Polícia quem tem de investigar?

André Di Rissio — Ele vai ser investigado da mesma forma, porque não há corporativismo na Corregedoria. Eu reclamo do Ministério Público quando denigrem a imagem da Polícia com colocações públicas que são perenes. Ninguém pode ser senhor dos bons costumes dos outros. Eu cobro deles o mesmo exemplo que exigem de mim. O problema é que as mazelas da Polícia são conhecidas por meio dos jornais que são vendidos nas bancas. As mazelas das outras instituições são divulgadas apenas no Diário Oficial. Quem lê um e quem lê outro? Ou será que, ao ser aprovado no concurso para o MP, o promotor recebe duas carteirinhas: uma de promotor e a outra de santo? Eu não tenho intenção de fazer luta de classes com ninguém. Eu quero preservar a minha instituição. Se ela tem mazelas, vamos saneá-las. Mas por meio de interação positiva. A Polícia não tem bandido, mas existe bandido infiltrado na Polícia. Isso é diferente. Se o policial virou criminoso, ela passou para o outro lado e não é mais meu colega.

ConJur — E quando a Corregedoria cai no corporativismo?

André Di Rissio — O controle externo existe exatamente para isso. Se eu estou sendo investigado e a minha Corregedoria não investigou corretamente, o controle externo serve para resolver isso. Mas existe uma diferença entre controle externo e controle interno. Recentemente, conseguimos na Justiça liminar para barrar dispositivo de ato normativo do MP que permitia que promotor instaurasse procedimento administrativo criminal contra policiais civis. Não posso admitir ingerência indevida de uma instituição na outra. Nesse ponto, quero comentar outro fato. Quem investiga promotor? A revista Veja publicou uma reportagem, intitulada O intocável sob suspeita, sobre o promotor José Carlos Blat [que integrou o Gaeco — Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado]. A revista levantou situação de um homem que foi paladino da moral no estado de São Paulo e, atrás dele, foram muitos órgãos de imprensa, censurando um delegado de Polícia. Foram vários casos de Blat que resultaram em reportagens sensacionalistas, com ele exibindo um revólver na cinta, prendendo criminosos. Hoje, os bandidos estão processando os promotores. Por que as investigações foram paradas? Porque Blat estava envolvido. Mais uma vez, eu insisto: quem fiscaliza o fiscal? E repito: não quero confronto, quero igualdade de condições.

ConJur — Segundo estatística divulgada pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mais de 90% dos policiais militares expulsos da corporação foram acusados de violência e mais de 90% dos policiais civis, de corrupção. Como o senhor analisa esses dados?

André Di Rissio — Culturas diferente e atividades absolutamente distintas. A Polícia Militar é ostensiva, preventiva, tem o contato corpóreo físico no dia a dia. É por isso que é mais explicável, embora não justificável, que quem tem de pegar o suspeito pelo braço, trocar tiro e levá-lo para a delegacia se envolva mais em incidentes de violência. Já a Polícia Civil só existe depois de o crime ter acontecido. Por isso, o crime de policial é relacionado a papel.

ConJur — Como é a relação da Polícia Civil com a Polícia Federal?

André Di Rissio — Ambos somos Polícia do Judiciário. A diferença é que um delegado federal começa na carreira ganhando quase R$ 9 mil. Embora reconheça o mérito da Polícia Federal, a Polícia que está perto do cidadão, que representa a última luz acessa para ele reclamar, é a Polícia Civil.

ConJur — Atualmente, qual é o desafio da Polícia?

André Di Rissio — Os crimes de informática, que são o crime do terceiro milênio. O estado precisa investir maciçamente nas investigações desses crimes. Nenhuma Polícia do Brasil está preparada para isso, acho que nem a Federal. Precisamos formar policiais especializados no combate ao crime de informática. Precisamos de recursos, de equipamento, de maquinário, de investimento em segurança pública. Mas, reafirmo, não existe política pública de segurança que não seja calcada em salário.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!