Culpa indivisível

Supremo suspende ação penal de Bermudes contra Boechat

Autor

3 de março de 2006, 21h28

A ação penal privada é regida pelo princípio da indivisibilidade. Ou seja, tem de ser proposta contra todos os supostos autores do crime. Com esse entendimento o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu liminar para suspender audiência marcada para a próxima quarta-feira (8/3) no processo criminal que o advogado Sérgio Bermudes move contra o jornalista Ricardo Boechat.

Bermudes alega que se sentiu ofendido com duas notas publicadas na coluna assinada por Boechat, do Jornal do Brasil, nas quais é associado com um esquema de fraudes na distribuição de processos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O advogado também processa o jornalista e a Editora JB na esfera cível.

Apesar de Boechat ser o titular da coluna no JB, a ação deveria ter sido proposta contra todos os jornalistas que assinam o espaço junto com ele.

O ministro Celso de Mello considerou relevante o argumento de que o fato de a ação penal privada ter sido proposta apenas contra Boechat configura renúncia tácita e gera a extinção da punibilidade. A decisão suspende o andamento da ação penal até o julgamento do mérito do pedido de Habeas Corpus pelo Supremo.

Leia a decisão

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 88.165-3 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): RICARDO EUGÊNIO BOECHAT

IMPETRANTE(S): ARY BERGHER E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DECISÃO: Os fundamentos em que se apóia a presente impetração assumem relevo jurídico, pois nela se sustenta que teria ocorrido, na espécie, quando do ajuizamento da ação penal privada, ofensa ao princípio da indivisibilidade consubstanciado no art. 48 do CPP, cuja transgressão – consoante alegado pelos autores desta ação de “habeas corpus” – implicaria renúncia tácita ao direito de queixa, do que resultaria a extinção da punibilidade do ora paciente, consideradas as normas inscritas no Código de Processo Penal (arts. 48 e 49) e no Código Penal (art. 107, V, c/c o art. 104).

A tese exposta nesta sede processual, analisada em juízo de estrita delibação, encontra suporte no magistério da doutrina (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 210/213, itens ns. 48.1 a 49.2, 7ª ed., 2000, Atlas; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 169/170, itens ns. 152 e 155, 4ª ed., 2005, RT; CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. 1/720 e 725, itens ns. 189 e 192, 2002, Edipro; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN/JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 130, item n. 5.6.2.3, 3ª ed., 2005, Forense; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 1/178-180, 9ª ed., 2005, Saraiva, v.g.), merecendo, ainda, o beneplácito dos Tribunais em geral (RT 536/362 – RT 713/338), inclusive o do Supremo Tribunal Federal (RTJ 179/160).

É por essa razão que se tem acentuado, tratando-se de ação penal exclusivamente privada (RT 546/447-448), que o oferecimento de queixa-crime somente contra um ou alguns dos supostos autores ou partícipes da prática delituosa, com exclusão dos demais envolvidos, configura hipótese de renúncia tácita, cuja eficácia extintiva da punibilidade estende-se a todos quantos alegadamente hajam intervindo no cometimento da infração penal (RT 437/418 – RT 619/302 – RT 653/337):

(…) A queixa deve abranger todos os injuriadores ou difamadores, não podendo abstrair nenhum, a menos que seja desconhecido. Excluído algum deles, tem-se que o querelante tacitamente renunciou ao direito de processá-lo, devendo ser estendida a todos sua abdicação.

(RT 585/370, Rel. Juiz EGON WILDE – grifei)

Constitui renúncia tácita ao exercício do direito de queixa-crime deixar o ofendido de incluir na queixa-crime – sem qualquer justificativa explicita – um dos pretensos agentes do delito contra a honra. Em crime contra a honra praticado por pluralidade de agentes, a exclusão injustificada de um deles equivale à renúncia e se estende aos demais infratores, por força do princípio da indivisibilidade da ação penal, contido no art. 48 do CPP.

(RT 729/588, Rel. Juiz RENATO NALINI – grifei)

Sendo assim, considerando as razões expostas e tendo em vista a densidade jurídica de que se reveste a pretensão ora deduzida nesta sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o andamento do procedimento penal instaurado contra o paciente e ora em tramitação perante o X Juizado Especial Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ (Processo-crime nº 2004.800.063321-4), sustando-se, inclusive, a realização da audiência de instrução e julgamento designada para o próximo dia 08/03/2006 (fls. 201).

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Senhor Juiz Presidente do órgão ora apontado como coator (HC nº 2005.700.016754-2 – fls. 183/190) e ao MM. Juiz de Direito do X Juizado Especial Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ (Processo-crime nº 2004.800.063321-4 – fls. 201).

Publique-se.

Brasília, 03 de março de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!