De pai para filho

Pais não podem anular doação de filho que não lhes dá atenção

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2 de março de 2006, 11h02

Desapego afetivo e atitudes desrespeitosas não justificam a anulação da doação de imóveis dos pais para os filhos. É necessária a demonstração de uma das hipóteses previstas pelo artigo 1.183 do Código Civil de 1916 para que seja possível a anulação.

Pela regra, “só se podem revogar por ingratidão as doações: I – se o donatário atentou contra a vida do doador; II – se cometeu contra ele ofensa física; III – se o injuriou gravemente, ou o caluniou; IV – se, podendo ministrar-lhos, recusou ao doador os alimentos, de que este necessitava.”

A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Turma negou pedido de um casal que pretendia deserdar a filha, alegando que ela “nunca mais teve notícias de seus pais, não lhes dirigindo a palavra, ou mesmo telefonando para saber se estão passando bem, tendo inclusive deixado de visitar o pai no hospital, depois de ter ficado doente e precisado passar por cirurgia”.

Os pais alegaram ofensa ao artigo 1.183 do Código Civil de 1916, afirmando que precisavam dos imóveis doados porque toda fonte de renda tinha sido perdida. Também sustentaram abandono material e moral, devido à falta de visitação, carinho, respeito e atenção, ferindo seus “mais frágeis sentimentos de filiação”.

Como a primeira e a segunda instância negaram o pedido, o casal recorreu ao STJ. O relator do processo, ministro Humberto Gomes de Barros, esclareceu que “não é qualquer ingratidão suficiente para autorizar a revogação da doação. No caso dos autos, ainda que se considere desrespeitoso ou injusto o desapego afetivo da ora recorrida, não há como enquadrar sua conduta nas estreitas hipóteses previstas pelo Código Beviláqua”.

O ministro também explicou que a doação, conforme dispõe o artigo 1.181 do Código Civil de 1916, só pode ser revogada por esses três modos: pelos casos comuns a todos os contratos (vícios do negócio jurídico, incapacidade absoluta, ilicitude ou impossibilidade do objeto), por ingratidão do donatário e por inexecução do encargo, no caso de doação onerosa.

A advogada Renata Ferrara, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, afirmou que o artigo 1.183 do Código Civil de 1916 de fato é bastante taxativo e restringe as circunstâncias em que podem ser anuladas as doações, com exceção das hipóteses que podem ser declarados nulos os contratos em geral. Segundo ela, o texto do artigo já restringe as hipóteses no momento em que diz “só se pode revogar por ingratidão as doações.” E nesse sentido a decisão do STJ está correta.

Mas em casos amparados pelo Código Civil de 2002, podem haver outras hipóteses de revogação por ingratidão, de acordo com a advogada. Segundo ela, na promulgação do novo Código houve grande debate acerca da taxatividade do dispositivo, o que modificou a redação sobre o tema. Por isso, o artigo 557 do Código Civil de 2002 tem a seguinte redação: “Podem ser revogadas por ingratidão as doações.” O que admitiu, segundo Renata, outras hipóteses de anulação.

Resp 791.154

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