Sem impacto

MP-SP entra com Ação Ambiental contra obra do Rodoanel

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1 de março de 2006, 16h57

O Ministério Público de São Paulo entrou, nesta quarta–feira (1/3), com Ação Civil Pública Ambiental a Dersa — Desenvolvimento Rodovioário S/A e o estado de São Paulo por desrespeitarem leis ambientais na construção do trecho oeste da obra do Rodoanel Mário Covas, o anel rodoviário que está sendo construído em volta de São Paulo.

A Dersa iniciou o licenciamento do trecho oeste do Rodoanel Mário Covas em 1977, as obras começaram em outubro de 1998 e a inauguração ocorreu em outubro de 2002.

Na ação, a promotora Claudia Cecília Fedeli afirma que “o referido segmento, hoje já construído, foi objeto de um licenciamento específico (Deliberação Consema 44/97), apesar de várias críticas que, de forma enfática, questionaram o equívoco da realização de uma avaliação de viabilidade ambiental fragmentada, por trechos, ao invés de avaliar os impactos do empreendimento como um todo, sendo certo que hoje a abordagem metodológica ensejou a instauração de procedimento e propositura de ação específica pelo Ministério Público Federal (Autos n. 2002.61.00.007971-4, em trâmite pela 8ª. Vara Cível da Justiça Federal), face aos impactos mal avaliados sobre bens de interesse ou pertencentes à União.”

Em 13 de novembro de 2000 a Dersa apresentou à Secretaria Estadual do meio Ambiente o documento Plano de Trabalho para Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental dos trechos Norte, Sul e Leste do Rodoanel de São Paulo. O Plano de Trabalho foi analisado pelo Departamento de Avaliação Ambiental – Dia, que definiu o Termo de Referência para o EIA/Rima do empreendimento. Em abril de 2002, foi concluído e apresentado EIA/Rima referente ao restante da obra, ou seja, Rodoanel Mário Covas Trechos Norte, Leste e Sul. Porém, em agosto de 2003 o empreendedor solicitou a suspensão da avaliação do estudo, obtendo a concordância do Daia.

Após, em julho de 2004, a Dersa solicitou a continuação do processo de licenciamento ambiental, agora somente para o trecho Sul. Em razão do disposto na Resolução SMA 44/97, que exigia análise metropolitana do empreendimento, e a fim de não apresentar EIA/Rima de todos os trechos, apresentou a Dersa documento intitulado Avaliação Ambiental Estratégica- AAE Com tal documento pretendeu a Dersa demonstrar a viabilidade ambiental do empreendimento Rodoanel Mario Covas como um todo, solicitando contudo fosse o licenciamento feito por trechos independentes, havendo o interesse em licenciar neste momento apenas o trecho Sul.

A Deliberação Consema 27/2004 aprovou, em 15 de setembro de 2004, o relatório da Comissão Especial sobre a Avaliação Ambiental Estratégica autorizando a continuação do processo de licenciamento ambiental por trechos, com prioridade para o trecho Sul e adotando a Avaliação Ambiental Estratégica como Termo de Referência com vistas à elaboração e análise dos EIAs/Rimas dos demais trechos

O EIA/Rima do trecho Sul, a partir de então chamado de Trecho Sul modificado, foi apresentado pela Dersa à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, para início do licenciamento, em outubro de 2004.

Surgiu disso decisão de primeiro grau da Justiça Federal, proferida no processo n. 2003.61.00.00.25724-4, 6ª. Vara da Justiça Federal em São Paulo, movida pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, do Estado de São Paulo e da Dersa, condenando o Ibama a realizar procedimento visando ao licenciamento ambiental federal da obra em questão, além daquele já em curso pelo Estado de São Paulo .

Em março de 2005, a Dersa apresentou ao Ibama o EIA/Rima e a AEE, atendendo à decisão judicial supra referida.

Mas segundo a promotora “no entanto, acordo homologado em junho de 2005 pelo Tribunal Regional Federal da 3ª. Região , determinou que o processo de licenciamento da obra Rodoanel Mario Covas fosse efetuado junto ao órgão seccional do Sissnama —Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo), em nível único de competência, nos termos do art. 7º. da Resolução Conama n. 237/97 e demais disposições aplicáveis, especialmente os arts. 8º, inciso I e 10 da Lei Federal 6.938/81 e que o Ibama acompanhasse e participasse do processo de licenciamento ambiental único (estadual) analisando e manifestando-se de forma vinculativa, no bojo do procedimento, quanto aos aspectos de avaliação de impactos ambientais diretos relacionados aos seguintes temas: Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, Ecossistema Mata Atlântica e Áreas Indígenas Barragem e Krukutu “

Claudia Fedeli ressalta que “ ocorre, no entanto, que nos autos do EIA/Rima ofertado pela Dersa, mostram-se claras deficiências dos estudos apresentados pelo empreendedor cuja delimitação será objeto de alguns exemplos a seguir, e tais deficiências indicam vícios insanáveis de origem na concepção do referido instrumento (Estudo de Impacto Ambiental em tela), que por ser apresentado desta forma não se mostra adequado ou suficiente para cumprir seu papel, qual seja, subsidiar de forma tecnicamente correta e transparente o debate público sobre os objetivos, as justificativas, os benefícios e prejuízos do projeto, para que este possa ser assumido ou refutado de forma consciente pela sociedade”.

Para ela, “maculado por lacunas de informações relevantes, imprecisões, insuficiências técnicas e/ou subestimativas em diagnósticos, na avaliação dos impactos ambientais, na proposição de medidas mitigadoras, de monitoramento e de compensação, o referido estudo de impacto ambiental, tal como se apresenta, não tem a consistência suficiente para ser submetido a análise pelo Consema, não sendo apto a alicerçar as discussões e a contribuir para a promoção de um processo de licenciamento ambiental legitimo e válido”

Leia a íntegra da ação:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE SÃO PAULO – COMARCA DE SÃO PAULO-SP

Ação Civil Pública Ambiental

Distribuição com urgência em face do pedido de Liminar

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos Promotores de Justiça que esta subscrevem, com .fundamento nos artigos 127 e 129, da Constituição da República Federativa do Brasil, Leis Federais n° 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), n° 8078, de 11 de setembro de 1990 (Título III, artigos 81 e seguintes), 6938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), n° 8625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e Lei Complementar Estadual n° 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),

vem à presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL com pedido de LIMINAR em face de

DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S/A – Dersa, empresa sediada na cidade de São Paulo, na Rua laiá, 126, ltaim Bibi, CNPJ/MF n° 62.464.904-­0001-25, devidamente representada por seu Presidente ou Diretor, ou por procurador estatutariamente habilitado a receber citações e intimações,

ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de Direito Público, que deverá ser citada na pessoa de seu representante legal, com endereço na Rua Boa Vista, 103, e no Pátio do Colégio, s/nº., ambos em São Paulo-SP,

pelas razões de fato e de Direito que doravante se explanam, estando a presente inicial acompanhada de 13 volumes do Inquérito Civil Público n. 295/02 – 1ª.E-PJMAC e de 06 anexos (num total de 22 volumes).

I – DO DIREITO

Segundo o artigo 225, § 3°, da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1°: Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de Impacto ambiental, a que se dará publicidade”

§ 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente das obrigações de reparar os danos causados.”.

Em contrapartida, a Lei Federal n° 6938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), em seu artigo 30 estabelece os conceitos utilizados na seara do Direito Ambiental Brasileiro, de modo a disciplinar que:

“Art. 3°: Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II – degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do melo ambiente;

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.


O mesmo Diploma supramencionado, em seu artigo 9°, inciso III, erigiu o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, como um dos componentes da avaliação dos impactos ambientais, à condição de instrumento da política nacional do meio ambiente.

O Decreto n°. 88351, de 01 de junho de 1983, ao regulamentar a Lei federal n°. 6938/81, estabeleceu a vinculação da avaliação dos impactos ambientais aos sistemas de licenciamento, outorgando ao Conselho Nacional do Meio Ambiente- Conama a competência para “fixar os critérios básicos segundo os quais são exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento”, com poderes, para tal fim, de baixar resoluções que entender necessárias (sendo substituído após pelo Decreto nº 99.274/90).

O Conama, por sua vez, baseado no referido decreto, expediu a Resolução 001, de 23 de janeiro de 1986, dando tratamento mais orgânico ao EIA, já que estabeleceu as definições, responsabilidades, critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.

A referida resolução dá a noção de impacto ambiental e fala da abrangência do EIA, condicionando o licenciamento à elaboração de um estudo prévio e respectivo relatório que devem ser submetidos à aprovação.

Por ela, parece-nos clara a intenção de que o EIA deve prever os impactos e as medidas que mitiguem ou, preferencialmente, evitem estes impactos.

O que implica em se reconhecer que o EIA está atrelado ao princípio constitucional da prevenção, do qual não podemos nos afastar e descurar.

Tal princípio decorre da constatação de que agressões ao meio ambiente são, não raras vezes, de difícil reparação.

Daí porque ser necessária a atuação preventiva para que se consiga evitar a ocorrência de danos ambientais.

Tal princípio encerra também a idéia de exigência estabelecida às presentes gerações no sentido de que venham a transmitir o ‘patrimônio ambiental’ às gerações que ainda estão por vir.

II – ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

Segundo BENJAMIN e MILARÉ (1993), o objetivo do Estudo de Impacto Ambiental é evitar que um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ou em relação a interesses imediatos de seu proponente, se revele posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente.

Os autores ressaltam que nenhum outro instituto de direito ambiental melhor exemplifica o direcionamento preventivo que o EIA, sendo que a finalidade de sua criação foi exatamente prever (e, a partir daí, prevenir) o dano, antes de sua ocorrência.

Além da prevenção do dano ambiental, seu desiderato básico, são dois os outros objetivos do EIA:

a) A transparência administrativa quanto aos efeitos ambientais de um determinado projeto, alcançada no momento em que o órgão público e o proponente do projeto liberam todas as informações que dispõem, respeitado apenas o sigilo industrial;

b) A consulta aos interessados, consistente na efetiva participação e fiscalização da atividade administrativa por parte da comunidade, de molde a poder exprimir suas dúvidas e preocupações. De fato, não basta que o procedimento seja transparente. Há que ser, igualmente, participativo, pois uma decisão ambiental arbitrária, mesmo que absolutamente transparente, não atende ao interesse público.

O Estudo de Impacto Ambiental, ainda segundo os autores supracitados, se insere na categoria dos atos formais, dado que está preso a diretrizes e atividades técnicas mínimas previstas em lei, que não podem, em hipótese alguma, ser descuradas, sob pena de sua invalidação.

Deste modo, a avaliação técnica de um documento como o Estudo de Impacto Ambiental, no âmbito do licenciamento ambiental, deve partir primordialmente da sistemática que é estabelecida pela Resolução Conama 01/86, que dispõe sobre os componentes essenciais e minimamente necessários que devem integrar a referida análise a partir de pressupostos bem definidos.

Evidentemente, na raiz de tal procedimento analítico, é imperativa a necessidade de que haja uma disponibilidade de dados e uma exposição de argumentos consistentes e procedentes na apresentação dos objetivos e justificativas do projeto, pois em essência, será com base nestes que o público se proporá a iniciar um amplo debate sobre os custos e benefícios, sociais e ambientais, associados. Neste campo destaca-se a necessidade imposta pelo Artigo 5°, item IV (Resolução Conama 01/86), que obriga a efetiva análise de compatibilidade do projeto com planos e programas governamentais propostos e em implantação.

A inconsistência técnica ou a superficialidade na apresentação dos objetivos e justificativas de um projeto, bem como o não esclarecimento efetivo de como atingi-los na prática, constituem vícios que podem comprometer toda a cadeia de procedimentos de licenciamento ambiental, induzindo a sociedade a equívoco.

O Estudo de Impacto Ambiental é, na verdade, o principal documento técnico do procedimento de licenciamento da atividade/obra ou empreendimento potencial ou efetivamente causador de uma degradação ambiental, haja vista que é de sua análise, feita pelo Poder Público – através do Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental – DAIA, no Estado de São Paulo, mais especificamente, que se emitirá um parecer técnico concluindo pela viabilidade ou não da atividade.

O Estudo deve conter a caracterização do empreendimento e do meio onde se pretende implantá-lo; a identificação, a previsão e avaliação dos impactos ambientais prováveis; a proposição de medidas capazes de atenuar os impactos negativos e potencializar os positivos.

Por isso, é fácil concluir que sua concepção é que encadeará informações que permitam a mais ampla discussão, a fim de se atingir conclusões apropriadas para sabermos da viabilidade ou não de um empreendimento.

A localização de informações em um documento é importante, pois está estreitamente relacionada com o fluxo de informações que se seguirão.

Quando as informações apresentadas se mostram insuficientes para as pessoas que estarão nas audiências públicas e para aqueles que participarão da deliberação sobre a viabilidade ambiental do empreendimento, o fluxo de informações que advirão de tal evento serão insuficientes também; se as informações forem deficientes, o fluxo de informações que advirá também o será; e assim por diante, até se chegar à conclusão de que, estando o EIA com lacunas, irregularidades ou vícios desde o início, as medidas que forem exigidas e que normalmente são apontadas no parecer do DAIA e transferidas para o licenciamento, na prática, também serão lacunosas, irregulares e viciadas, tornando o instrumento imperfeito e inócuo, não atingindo o fim a que foi destinado pela Constituição Federal e pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.

III – DOS FATOS

Em 1997 a Dersa deu início ao licenciamento do Trecho Oeste da obra Rodoanel Mário Covas. As obras tiveram início em outubro de 1998 e a inauguração ocorreu em outubro de 2002.

Diga-se, aliás, que o referido segmento, hoje já construído, foi objeto de um licenciamento específico (Deliberação Consema 44/97), apesar de várias críticas que, de forma enfática, questionaram o equívoco da realização de uma avaliação de viabilidade ambiental fragmentada, por trechos, ao invés de avaliar os impactos do empreendimento como um todo, sendo certo que hoje a abordagem metodológica ensejou a instauração de procedimento e propositura de ação específica pelo Ministério Público Federal (Autos n. 2002.61.00.007971-4, em trâmite pela 8ª. Vara Cível da Justiça Federal), face aos impactos mal avaliados sobre bens de interesse ou pertencentes à União.

Em 13 de novembro de 2000 a Dersa apresentou à Secretaria Estadual do meio Ambiente o documento “Plano de Trabalho para Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental dos trechos Norte, Sul e Leste do Rodoanel de São Paulo”. O Plano de Trabalho foi analisado pelo Departamento de Avaliação Ambiental – DAIA, que definiu o Termo de Referência para o EIA/Rima do empreendimento. Em abril de 2002, foi concluído e apresentado EIA/Rima referente ao restante da obra, ou seja, Rodoanel Mário Covas – Trechos Norte, Leste e Sul. Porém, em agosto de 2003 o empreendedor solicitou a suspensão da avaliação do estudo, obtendo a concordância do DAIA.

Após, em julho de 2004, a Dersa solicitou a continuação do processo de licenciamento ambiental, agora somente para o trecho Sul. Em razão do disposto na Resolução SMA 44/97, que exigia análise metropolitana do empreendimento, e a fim de não apresentar EIA/Rima de todos os trechos, apresentou a Dersa documento intitulado Avaliação Ambiental Estratégica- AAE (DOC. 33). Com tal documento pretendeu a Dersa demonstrar a viabilidade ambiental do empreendimento Rodoanel Mario Covas como um todo, solicitando contudo fosse o licenciamento feito por trechos independentes, havendo o interesse em licenciar neste momento apenas o trecho Sul.

Ato contínuo, a Deliberação Consema 27/2004 aprovou, em 15 de setembro de 2004, o relatório da Comissão Especial sobre a Avaliação Ambiental Estratégica autorizando a continuação do processo de licenciamento ambiental por trechos, com prioridade para o trecho Sul e adotando a Avaliação Ambiental Estratégica – AAE como Termo de Referência com vistas à elaboração e análise dos EIAs/RIMAs dos demais trechos (DOC. 07).

O EIA/Rima do trecho Sul, a partir de então chamado de Trecho Sul modificado, foi apresentado pela Dersa à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, para início do licenciamento, em outubro de 2004.


Sobreveio, então, decisão de primeiro grau da Justiça Federal, proferida no processo n. 2003.61.00.00.25724-4, 6ª. Vara da Justiça Federal em São Paulo, movida pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, do Estado de São Paulo e da Dersa, condenando o Ibama a realizar procedimento visando ao licenciamento ambiental federal da obra em questão, além daquele já em curso pelo Estado de São Paulo (DOC. 06).

Em março de 2005, a Dersa apresentou ao Ibama o EIA/Rima e a AEE, atendendo à decisão judicial supra referida.

No entanto, acordo homologado em junho de 2005 pelo Tribunal Regional Federal da 3ª. Região , determinou que o processo de licenciamento da obra Rodoanel Mario Covas fosse efetuado junto ao órgão seccional do SISNAMA (Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo), em nível único de competência, nos termos do art. 7º. da Resolução Conama n. 237/97 e demais disposições aplicáveis, especialmente os arts. 8º, inciso I e 10 da Lei Federal 6.938/81 e que o Ibama acompanhasse e participasse do processo de licenciamento ambiental único (estadual) analisando e manifestando-se de forma vinculativa, no bojo do procedimento, quanto aos aspectos de avaliação de impactos ambientais diretos relacionados aos seguintes temas: Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, Ecossistema Mata Atlântica e Áreas Indígenas Barragem e Krukutu (DOC. 22).

Após a realização de audiências públicas, sobrevieram os pareceres do Ibama – Parecer Técnico n. 05/2006 (DOC. 27) e da Coordenadoria de Licenciamento Ambiental e de Proteção de Recursos Naturais – CPRN/DAIA – Parecer Técnico CPRN/DAIA/044/2006 (DOC. 28).

Após análise do parecer do CPRN/DAIA, encaminhou o Ministério Público do Estado de São Paulo RECOMENDAÇÃO ao Excelentíssimo Presidente do Conselho Estadual do Meio Ambiente – Consema, recomendando que o Conselho não procedesse à deliberação sobre a viabilidade ambiental da obra no estágio em que encontrava o licenciamento, determinando ao empreendedor que apresentasse os estudos e complementações ao Estudo de Impacto Ambiental, a fim de que este não se apresentasse com irregularidades que violassem a legislação ambiental em vigor, notadamente o artigo 225, da Constituição Federal, a Lei Federal n. 6938/81 e a Resolução Conama 01/86 (DOC. 31).

A recomendação não foi atendida e o Consema, em reunião realizada em 22 de fevereiro de 2006, deliberou pela viabilidade ambiental da obra, nos exatos termos do parecer técnico CPRN/DAIA/044/2006 (Deliberação Consema 05/2006, de 22 de fevereiro de 2006 – Processo SMA 13.730/2004). A cópia já deliberação já foi solicitada ao Consema (DOC. 32), mas ainda não recebida pelo Ministério Público. A fim de não protelar a propositura da ação e, consequentemente, o encaminhamento adequado do licenciamento, permitindo até, caso atendidas as exigências necessárias, seja brevemente retomado, pede-se vênia para apresentar oportunamente a cópia da referida deliberação.

Conforme a informação contida no Capítulo 1, item 1.1 do EIA (DOC. 34), o objeto de licenciamento do presente Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é o Trecho Sul Modificado do Rodoanel Mario Covas, estendendo-se por 57 Km desde o ponto de entrega do Trecho Oeste já implantado, na travessia da rodovia BR-116 Régis Bittencourt no município de Embu, incluindo adicionalmente uma rodovia de interligação de 4,4 Km, que liga as alças do Rodoanel que terão continuidade com o futuro Trecho Leste com a Avenida Papa João XXIII, em Mauá. Trata-se de Rodovia Classe 0, mesmo padrão rodoviário do Trecho Oeste. Segundo as Normas para Projeto Geométrico de Estradas de Rodagem – Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes – DNIT – rodovias classe ) são caracterizadas como vias expressas, bloqueadas, com controle total de acessos, velocidade diretriz de 100 km/h, canteiro central com 11,0 m, faixas de rolamento com 3,6m e acostamento pavimentado com 3,0. Essa classificação também estabelece raios mínimos de curvatura e rampas máximas, variando conforme a topografia do terreno.

O traçado do trecho Sul encontra-se inserido na região de Proteção de Mananciais das Sub-Bacias Guarapiranga e Billings, percorrendo território dos Municípios de Embu, Itapecerica da Serra, São Paulo, São Bernardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires e Mauá.

Ainda de acordo com o EIA/Rima, Capítulo 2.0, item 1.1, os objetivos do empreendimento são:

– ordenar o tráfego de transposição da RMSP, separando-os dos fluxos internos e avaliando o sobrecarregamento do sistema viário metropolitano;

– hierarquizar e estruturar o transporte de passageiros e cargas na RMSP, servindo de alternativa para os fluxos de longa distância entre as sub-regiões da metrópole;

– articulado com o Ferroanel e com centros Logísticos Integrados (CLI), permitir a integração intermodal do transporte de cargas.

Ocorre, no entanto, que nos autos do EIA/Rima ofertado pela Dersa, mostramse claras deficiências dos estudos apresentados pelo empreendedor – cuja delimitação será objeto de alguns exemplos a seguir, e tais deficiências indicam vícios insanáveis de origem na concepção do referido instrumento (Estudo de Impacto Ambiental em tela), que por ser apresentado desta forma não se mostra adequado ou suficiente para cumprir seu papel, qual seja, subsidiar de forma tecnicamente correta e transparente o debate público sobre os objetivos, as justificativas, os benefícios e prejuízos do projeto, para que este possa ser assumido ou refutado de forma consciente pela sociedade.

Maculado por lacunas de informações relevantes, imprecisões, insuficiências técnicas e/ou subestimativas em diagnósticos, na avaliação dos impactos ambientais, na proposição de medidas mitigadoras, de monitoramento e de compensação, o referido estudo de impacto ambiental, tal como se apresenta, não tem a consistência suficiente para ser submetido a análise pelo Consema, não sendo apto a alicerçar as discussões e a contribuir para a promoção de um processo de licenciamento ambiental legitimo e válido.

Na realidade, levar à consideração, para deliberação sobre o licenciamento o referido documento tal como está, constitui fato que não atende ao princípio da transparência, pois a decisão administrativa que será tomada deve ser aquela que possibilita ao interessado ter suficientes elementos para a sua compreensão e, o que nos parece mais importante e relevante, fornecer meios bastantes para a efetiva fiscalização por parte da sociedade e do próprio Poder Público em face do empreendedor.

Vale dizer: imperfeições, lacunas, irregularidades, insuficiências ou deficiências apresentadas ab initio tendem inegavelmente a imperfeitas, lacunosas, falhas, irregulares, insuficientes ou deficientes conclusões sobre a viabilidade e sobre as medidas, obrigações e compensações a se exigir.

Todo ato deve ser apto e capaz de nada esconder. Falar por si mesmo. Por isso, é absolutamente correta a afirmação de que o EIA e o conseqüente RIMA devem representar atos ou atividades administrativos de planejamento de caráter público, propiciando maior transparência à decisão administrativa.

Na medida em que se mostram presentes alguns defeitos no EIA/Rima (os quais serão pontuados em seguida, exemplificativamente), imperioso que se faça o controle jurisdicional dos atos que vêm ocorrendo e que se seguirão, posto que tais equívocos colocam em risco os principais aspectos de nosso frágil meio ambiente metropolitano.

Salientamos, desde já, que, de maneira alguma, pretende-se, através da presente ação, que seja declarada judicialmente a inviabilidade do referido empreendimento.

Porém, necessário se faz, através da presente, evitar e impedir que ocorram erros comuns no passado, ao permitir-se que o procedimento de licenciamento, instaurado pela necessidade do devido e prévio estudo de impacto ambiental, seja desvirtuado de sua função precípua, que é a de prevenir e mitigar os danos ambientais.

A insuficiência e inadequação dos estudos apresentados foram apontadas por diversos órgãos públicos que se manifestaram sobre a obra, como a seguir será demonstrado, destacando-se, ainda a título exemplificativo a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e o próprio Ibama, bem como do Conselho Gestor da Reserva da Biosfera, organizações não governamentais de reconhecida importância e do meio acadêmico.

Ademais, os próprios Conselheiros do Conselho Estadual do Meio Ambiente – Consema, reunidos em um coletivo de entidades ambientalistas com cadastro junto àquele órgão, firmaram documento denominado “Manifesto contra o Projeto Transmanancial” apontando a falta de estudos e dados insuficientes, o que claramente torna vicioso e ineficaz o processo de licenciamento (DOC. 24).

Portanto, resta claro que, em atenção a um dos mais significativos princípios do Direito Ambiental, qual seja, o Princípio da Prevenção, que nada mais que é que a tradução jurídica do bom senso, do “é melhor prevenir do que remediar”, é indispensável sanar agora os vícios do licenciamento, promovendo os estudos complementares necessários, evitando que danos de monta ao meio ambiente sejam causados, tornando difícil ou impossível sua recuperação.

IV – OMISSÕES, FALHAS, DEFICIÊNCIAS E INSUFICIÊNCIAS

Ao se examinar os autos do procedimento de licenciamento, percebe-se que o principal documento que o instrui (EIA/Rima) apresenta-se com vícios de origem que, seguramente, determinaram comprometimentos nas discussões, análise e possível votação sobre sua viabilidade ambiental, com sérios prejuízos às presentes e futuras gerações, notadamente pelos impactos sócio-econômicos e ambientais.


Na medida em que as informações constantes do EIA/Rima estão baseadas em estudos omissos e insuficientes, evidente que referido instrumento não pode ser aceito e tomado como válido para nortear quaisquer das etapas de apresentação ao debate público e posterior análise, haja em vista vício de origem que nulifica qualquer ato posterior à sua apresentação.

Passemos a seguir à análise exemplificativa de alguns aspectos do EIA considerados falhos ou insuficientes (não sendo possível esmiuçar por completo um documento desta complexidade nesta sede inicial).

A – Meio sócio-econômico e ausência de consideração dos impactos ambientais negativos decorrentes da indução à ocupação irregular do solo e suas conseqüências para os recursos hídricos

Este talvez seja o aspecto mais preocupante de toda a questão, já que a indução à ocupação urbana é fato historicamente associado à construção de estradas. A existência de ocupação irregular traz conseqüências catastróficas, colocando em risco inúmeros bens ambientais, indispensáveis à sadia qualidade de vida, sendo um dos principais fatores de risco aos recursos hídricos, motivo de alarme na Região Metropolitana de São Paulo, conforme será melhor analisado em item próprio.

Some-se a isto o fato de que a questão foi considerada no EIA/Rima de forma totalmente equivocada, sendo praticamente desconsiderada. Partiu o empreendedor da idéia de que não haverá indução à ocupação urbana, baseada em um modelo matemático apresentado junto com a Avaliação Ambiental Estratégica- AAE, e depois incorporado ao EIA, resultando em que todo o procedimento, baseado nesta premissa equivocada, mostra-se absolutamente insuficiente neste aspecto, fazendo-se imprescindível um estudo mais aprofundado sobre a questão. Senão vejamos.

A alternativa escolhida do Rodoanel será implantada ao longo de municípios e regiões periféricas da Região Metropolitana de São Paulo, onde inúmeras rodovias regionais foram e ainda são vetores de expansão urbana e de multiplicação de assentamentos residenciais, levando à ocupação de áreas inadequadas à urbanização;

Tal ocupação está associada ao processo de periferização da população metropolitana, refletindo num grande número de favelas e de loteamentos irregulares ou clandestinos. Esse processo é histórico e remonta à década de 40 quando da adoção do modelo rodoviarista de Prestes Maia. A propósito esclarece a Professora RAQUEL ROLNIK [1]:

A expansão horizontal ilimitada, concepção coerente com o próprio modelo radiocêntrico de sistema viário proposto pelo plano, foi o elemento que ajudou a configurar a metrópole que temos hoje. A possibilidade de autoconstrução e expansão ilimitada dos loteamentos era a resposta, do ponto de vista da economia imobiliária, à crise, na medida em que permitia a trabalhadores de baixa renda comprar um lote a prestações, num loteamento distante, e ir construindo pouco a pouco sua moradia, ao ritmo de sua capacidade de poupança e do emprego do tempo e esforço familiar no próprio trabalho de construção. Dessa forma, viabiliza-se um aumento da oferta de moradia, num quadro de de baixos salários. Loteamento longínquos, dispersos e sem infra-estrutura, numa cidade de baixíssima densidade comparado aos padrões anteriores concentrado em torno dos trilhos: esse novo padrão colocava em xeque toda a lógica de investimentos públicos e provisão de serviços”.

A Avaliação Ambiental Estratégica -AAE aborda a questão em um único documento denominado “Impactos econômicos e sociais da implantação do Rodoanel” (Anexo AAE-FESPSP-FGV/LUME-FAUUSP/Dersa, 2004 – DOC. 33). Trata-se de uma simulação matemática que conclui que a construção do Trecho Sul do Rodoanel não terá impactos significativos sobre a ocupação em área de mananciais, além daqueles já previstos para a região. Tal documento foi posteriormente incorporado ao EIA/Rima objeto da presente ação.

Tal documento é o único estudo feito pelo empreendedor no que tange à questão da indução à ocupação urbana e conclui que esta não ocorrerá. Por óbvio que foi objeto de crítica por vários órgãos especializados e merecedores de credibilidade. As falhas nos estudos foram apontadas e a necessidade de complementação exigida por vários órgãos, porém não foram atendidos pela Dersa, tornando desaconselhável qualquer deliberação sobre o empreendimento sem que tais estudos sejam elaborados.

Com efeito, o brilhante trabalho elaborado por professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FAUUSP (pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos FAUUSP – LABHAB) denominado “Estudo Preliminar – Impactos Urbanísticos do Trecho Oeste do Rodoanel Mario Covas, julho de 2005” traz aprofundada análise sobre a questão, sendo alguns pontos a seguir analisados e transcritos (DOC. 35).

Segundo referido estudo, subscrito por renomados urbanistas, “modelos matemáticos dificilmente conseguem trabalhar com a multiplicidade e imponderabilidade das variáveis que influenciam as dinâmicas de produção e apropriação do espaço urbano e regional”. Esclarecem que o estudo apresentado pela Dersa limita-se a analisar uma única variável para simular os impactos econômicos e sociais, qual seja, a influência da melhoria de acessibilidade gerada pela obra sobre a decisão de localização de empresas e a atração de domicílios residenciais. Porém, embora a simulação matemática possa ser considerada correta, parte ela de premissas que não têm o devido alcance analítico urbanístico.

Inúmeros são os pontos de crítica ao trabalho, mas destaca-se principalmente que as questões urbanísticas de um modo geral, e mais precisamente em uma região complexa como a Região Metropolitana de São Paulo, não se pautam apenas em um único aspecto de uma teoria econômica de acordo com a qual as decisões de localizações de empresas só ocorram em função da relação entre custos de transporte e preço fundiário. O estudo elaborado pela Faculdade de Arquitetura da USP demonstra claramente que o modelo matemático baseou-se em apenas uma premissa, deixando de levar em conta várias outras que deveriam ter sido consideradas e que, o sendo, por si só já alterariam a conclusão do modelo de forma profunda.

Porém, é importante ressaltar que o referido estudo de simulação apresentado pela Dersa, embora insista na inexistência de impactos do Rodoanel sobre as dinâmicas de crescimento populacional, abre, ele mesmo, a possibilidade de que impactos aconteçam em fenômenos ali denominado como “bolhas”. Isto significa dizer que se ocorrer “qualquer perturbação no equilíbrio urbano” pode haver “instabilidade no sistema criando uma vantagem regional que se auto alimenta”. Os urbanistas questionam prontamente o que se pode entender por “perturbação do equilíbrio urbano” ou de qual “equilíbrio urbano” se pode falar em uma cidade como São Paulo. Mas o estudo apresentado pela Dersa apresenta um exemplo de uma possível “perturbação”, qual seja, a hipótese de que uma grande empresa localize-se nas proximidades do Rodoanel e atraia moradores ou novas empresas. Nesse caso tem-se uma “bolha”.

Ora, como aponta o estudo, a atração de empresa no entorno do Rodoanel é uma das metas do empreendedor, como afirmado pelo próprio Secretário-Adjunto dos Transportes do Estado de São Paulo, Paulo Tromboni, em debate no IAB, tendo este afirmado que o principal efeito do Rodoanel é valorizar a terra ao longo do traçado e reservá-lo para uso mais nobres, com maior uso de capital (citado a fls. 30 do DOC. 35)..

Portanto, se um dos principais argumentos para justificar a obra tem sido a logística e a instalação de empresas de logística próximas ao Rodoanel, a existência de “bolhas” é algo seguro e a conclusão de que não haverá indução à ocupação cai por terra.

Como bem salientado, o estudo apresenta como mecanismo apto a controlar o surgimento dessas “bolhas” a aplicação da legislação de uso e ocupação do solo. Tal argumento mostra-se no mínimo ingênuo. Basta aplicar as leis! Será que, após trinta anos de implantação ilegal de assentamentos e loteamentos clandestinos em áreas mananciais da Região Metropolitana de São Paulo, onde vivem mais de 1,5 milhões de pessoas em condições precaríssimas, em prejuízo, inclusive, da qualidade das águas destinadas ao consumo da população, alguém ainda crê que baste a imposição de vedações legais de uso e ocupação do solo para que a expansão da mancha urbana seja contida? Não demonstra a experiência histórica de desenvolvimento de São Paulo que foram justamente razões da dinâmica econômica e urbanística, ao arrepio das normas legais, que levaram a mancha urbana a expandir-se celeremente exatamente onde era vedada tal expansão?

Em reunião realizada na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital Ciro Biderman, Coordenador do relatório técnico realizado para a avaliação ambiental estratégica do Rodoanel Mário Covas, relatório denominado “Impactos Ambientais e Sociais da Implantação do Rodoanel”, afirma claramente, referindo-se às chamadas “bolha”, que é preciso haver ”muita cautela e fiscalização nas áreas previstas como bolha, pois qualquer empreendimento, mesmo que muito cuidadoso e aparentemente correto ambientalmente, associado ao risco inerente à área da bolha, pode gerar uma grande indução de ocupação”. Mais adiante, aliás, aquele profissional pôs em questão outro argumento muito utilizado a favor da obra, de que o Rodoanel servirá como barreira para a ocupação em área de mananciais. Afirmou, neste sentido, que o modelo elaborado só tem validade se mantida a rodovia de classe 0, ou seja, uma rodovia sem acessos, pois se houver a permissão de qualquer outro acesso à estrada o modelo perde a validade, já que ela passaria, assim, a ser fator de indução à ocupação das áreas em seu entorno (DOC. 09).


Não se trata de mera suposição, principalmente porque a realidade do Trecho Oeste do Rodoanel, já em uso, bastante documentada no estudo do Faculdade de Arquitetura da USP (LABHAB), demonstra que a ocupação informal cria acessos de difícil fiscalização. Cita-se como exemplo a Favela Recanto da Paz, em Perus, que já conta com três acessos informais ao Rodoanel, sendo dois de pedestres e um de veículos. Como se pode afirmar que não haverá acessos, se a realidade fática, em outro trecho da mesma obra, demonstra que isso não ocorre?

Restando claro que a importantíssima questão da indução à ocupação urbana, em área extremamente frágil ambientalmente, que poderá resultar no comprometimento dos recursos hídricos, principalmente da água distribuída à população, não foi devidamente discutida e estudada no EIA/Rima apresentado pelo empreendedor, já haveria motivos suficientes para suspender o processo de licenciamento, impondo-se ao empreendedor que aprofunde essa questão, sem a qual não é possível tomar-se nenhuma decisão quanto à viabilidade da obra e muito menos sobre quais as medidas preventivas, mitigadoras ou compensatórias a serem adotadas.

Ademais, voltamos a frisar que os acessos “oficiais” existirão e seguramente levarão ao crescimento populacional nas proximidades. Em segundo lugar, porque mesmo nos locais em que, teoricamente, não haverá acessos, a história se encarrega de revelar que as comunidades se formam, se multiplicam, se organizam, abrem acessos irregulares e, depois, com a força política adquirida à razão da quantidade de seus membros, obtém do Poder Público (mormente o Municipal) os serviços e equipamentos públicos que consolidam a ocupação irregular. Daí à obtenção de um acesso “regular” até o Rodoanel é questão de tempo (em geral não muito longo).

Como exemplos que amparam a certeza de nossa tese, apresentamos duas: 1º.) tanto a Rodovia dos Imigrantes quanto a Via Anchieta tinham características de rodovias com acesso restrito e isso não foi impeditivo de que, ao redor dessas vias, mormente nas sensíveis áreas de proteção e recuperação dos mananciais e nas encostas da Serra do Mar houvesse a desenfreada formação de loteamentos clandestinos, sem que o Poder Público tivesse força para evitá-los e, uma vez consolidados, removê-los dali; 2º.) desde os primeiros anúncios do Rodoanel em 1997, forte mobilização do setor imobiliário já vem sendo publicamente declarada, dando conta que grandes terrenos estariam sendo comprados antes de sua inevitável valorização e que os usos a serem promovidos neles seria uma decisão do mercado ( “Rodoanel: de olho nas oportunidades – A indústria imobiliária começa a discutir a ocupação das regiões próximas ao Anel Viário Metropolitano” – artigo publicado na Revista Construção São Paulo nº . 2579, de julho/1997- DOC . 01).

Neste sentido, além do precioso suporte prestado pelo mundo acadêmico, manifestaram-se vários órgãos instituições de importância e credibilidade. Vejamos.

A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente em trabalho denominado “Exame Técnico – Estudo de Impacto Ambiental – Rodoanel Mário Covas – Trecho Sul Modificado”, de julho de 2005, conclui que a indução à ocupação urbana é questão que deva ser avaliada no EIA, inclusive indicando que a avaliação deverá ser feita com base em estudos dos resultados verificados após a implantação do Trecho Oeste. No quadro sistemático que acompanha o parecer consta a seguinte observação:

“(…)O EIA não considera, na análise, as particularidades da região, a medida que a avaliação do potencial de indução urbana foi feita somente do ponto de vista teórico. A ocupação da região, na grande parte e na prática, ocorre pela expulsão da população mais pobre para áreas com preços mais acessíveis, de forma irregular ou clandestina. Tal tendência, não é detectada nos estudos referidos, a medida que para essa população, a variável predominante não é a velocidade nem o tempo de viagem, mas apenas ter acesso a um imóvel.

A implantação do empreendimento poderá provocar aumento da ocupação urbana existente, na medida em que atrairá um contingente grande de mão de obra durante a implantação (o EIA prevê a geração de 43200 homens/mês para mão de obra direta e 14400 homens/mês para mão de obra indireta) com a possibilidade de aí se manter após a construção, o que extrapolaria o adensamento esperado no cenário tendencial. Esse aspecto não foi levantado no EIA.

Outra questão importante se refere às pressões existentes por parte da população para que sejam feitas conexões do Rodoanel com a Estrada de Itapecerica da Serra e Av. Sadamu Inoue. O EIA não avalia tais possibilidades, seja para permitir, seja para não aceitar.

Em outro ponto, o EIA ressalta que a Área de Proteção de Manancias deve ser protegida do processo de expansão urbana. Entretanto, contraditoriamente, afirma que a implantação de grande empreendimentos logísticos e/ou comerciais podem trazer vários benefícios sócio-econômicos para a AII[2], chegando a sugerir que o Decreto n. 47889/2003, que dispõe sobre autorização de acesso a propriedades lindeiras ao Rodoanel seja flexibilizado por ser considerado muito restritivo.

Não há maiores embasamentos sobre como evitar que essas instalações não se transformem em “elemento de instabilidade” referido por Biderman em seus estudos. Além disso, pode se interpretar como contradição ao conceito de rodovia com acesso restrito, que visa a não indução à ocupação urbana.

No caso do trecho Oeste, a indução à ocupação está colocada como um impacto positivo por ter propiciado o desenvolvimento nos municípios de Osasco, Carapicuíba, Barueri. Também é citado o fato de haver no trecho Oeste, conexões com 5 rodovias. No trecho Sul, onde as características técnicas são as mesmas, com pelo menos 4 conexões (3 rodovias e 1 urbana), o que faria com que a ocupação fosse diferente? Talvez, falte no EIA, levantamentos sobre a ocupação, antes e depois da implantação do trecho Oeste, para responder a esta questão.

O EIA cita que há tendências de indução mais claras de ocupação na proximidades dos acessos e, dependendo da maior ou menor capilaridade do sistema viário local no sentido perimetral, essa ocupação poderá ter um potencial maior, ou seja, mais abrangente.

Nesse sentido, é preocupante não haver estudos considerando a rede viária existente nos dois municípios citados, uma vez que, hoje, já apresentam uma urbanização contínua. A várzea do Embu Mirim ou a represa Guarapiranga poderá não funcionar como barreira à ocupação urbana que se irradiará a partir da conexão do Rodoanel com a BR 116, como previsto no EIA (…).

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, então, concluiu que “os impactos ambientais, tanto os positivos como os negativos, do empreendimento Rodoanel Mario Covas serão de grandes proporções no Município de São Paulo”. Além disso, apontou que “o EIA/Rima em análise apresenta graves insuficiências, não permitindo uma avaliação adequada do balanço desses impactos, o que compromete o prosseguimento do processo de licenciamento ambiental” (DOC. 23), exigindo, portanto, que a Dersa apresentasse estudos complementares.

Tal conclusão da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente foi enviada à Dersa (DOC. 19), que, em razão disso, apresentou alguns documentos complementares à Secretaria Estadual do Meio Ambiente . Contudo, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente mantém a afirmação de que, em relação às exigências feitas para a concessão de Licença Prévia, especialmente relativas aos itens Indução à Ocupação, Traçado da Rodovia, Vegetação e Unidades de Conservação, aqueles documentos complementares encaminhados pela Dersa não foram satisfatórios para atender às preocupações anteriormente expressas. (DOC. 23). Portanto, resta claro que persistem os problemas anteriormente apontados, sendo inviável, como bem salientou o estudo, o prosseguimento do licenciamento ambiental.

Na audiência pública realizada na cidade de São Paulo, no dia 10 de outubro de 2005, o Secretário Municipal do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, fez uso da palavra e afirmou sua preocupação com a indução à ocupação, entre outros problemas, citando o trabalho elaborado pela Faculdade de Arquitetura da USP, já analisado acima (DOC. 25).

É certo que a nova manifestação da referida Secretaria Municipal considera a proposta de criação e manutenção das Unidades de Conservação, agora feita pela Dersa, de grande importância, como forma de minimizar a indução à ocupação, assim como de preservar a vegetação e reduzir os prejuízos decorrentes do traçado escolhido, sugerindo, então, que o órgão licenciador estadual impusesse como condicionante da licença prévia a criação de Unidades de Conservação, tendo resultado deste entendimento um instrumento de transação para compensação e mitigação ambiental. Referido instrumento de transação impõe ao empreendedor a obrigação de desapropriar uma faixa contínua de terra, de até 300 metros, não sendo fixada a largura mínima, mas tão somente a máxima, restando a decisão ao empreendedor, que aliás não terá nenhum compromisso com a manutenção desta faixa, pois o Município assumirá a total responsabilidade para o gerenciamento e manejo da mesma (DOC. 26).

Entretanto, este novo posicionamento da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente não tem o condão de alterar o seu entendimento anterior, bastante categórico, ao afirmar que os estudos apresentados pelo empreendedor não eram suficientes para embasar o licenciamento e que, mesmo após os novos documentos apresentados pela Dersa, a situação mantinha-se igual. Portanto, a situação de impossibilidade de prosseguir no licenciamento subsiste, não sendo oportuno tão somente elaborar condicionantes para a Licença Prévia, se os reais impactos não foram devidamente estudados. Qualquer tentativa de prever quais medidas preventivas e mitigadores venham a se mostrar adequadas será, assim, infrutífera. Prosseguir no licenciamento neste momento, sem os necessários estudos, é colocar uma pá de cal na discussão, evitando um debate que se mostra necessário no presente.


A propósito, transcreve-se trecho do parecer técnico elaborado pelos Assistente Técnicos do Ministério Público, que mais uma vez apontam os danos resultantes de não se enfrentar a discussão sobre a questão em sede de EIA/Rima, que resulta na não análise pelo DAIA e a não recomendação de medidas mitigadoras adequadas (DOC. 30):

“Desta forma, esta abordagem equivocada e insuficiente, permaneceu na instrução do processo de licenciamento, sem o devido saneamento, e arrastando junto consigo toda uma sub-estimativa dos efeitos diretos e indiretos nefastos dos processos de ocupação humana desordenados e descontrolados, tanto sobre os ecossistemas naturais remanescentes, como sobre os mananciais de abastecimento público dos quais a RMSP depende para a sua sobrevivência.

Segundo o parecer do DAIA, as medidas propostas para mitigar os impactos na estrutura urbana estão inseridas em Programas Ambientais. Ocorre que a citação dos mesmos no EIA-RIMA se assemelha a protocolos genéricos de intenções, que carecem de muito detalhamento e discussão prévios, no sentido de tornar possível a avaliação de sua viabilidade e eficácia.

Neste contexto, constatam-se dois problemas graves. O primeiro, é que os dados e medidas apresentados sobre esta matéria não permitem conclusão alguma no sentido de que haverá qualquer controle eficaz dos processos de ocupação urbana, evitando impactos ambientais significativos. O segundo é que o detalhamento dos programas ambientais, incluindo aqueles relativos a este assunto, estão tendo o seu detalhamento consignado para a fase posterior a de Licença Prévia, o que é uma total inversão da lógica do processo de licenciamento”.

B – Recursos Hídricos

Como já salientado, a questão da ocupação urbana desordenada é um dos principais aspectos a se considerar no presente caso e o que menos recebeu atenção do empreendedor, que se contentou, no estudo já apontado, qual seja, “Impactos econômicos e sociais da implantação do Rodoanel”- Anexo AAE, simples e monotemático, a afirmar singelamente que não haverá indução à ocupação, fazendo com que fossem consideradas dispensáveis quaisquer medidas preventivas e mitigatórias neste aspecto. Mas a questão da ocupação desordenada e irregular, que por si só já traz problemas e conseqüências gravíssimas, torna-se sobremaneira preocupante quando se trata das áreas de mananciais da Região Metropolitana de São Paulo.

A escassez de água tem sido objeto de preocupação de toda a população mundial, havendo o temor de, no futuro, conflitos serem deflagrados por ausência desse essencial recurso natural. CRISTIANO DIAS[3], em texto publicado com o significativo título “Água: O petróleo do século 21”, traz informações alarmantes:

Apenas 2% de toda a água da Terra fazem parte de seu suprimento de água doce. Além disso, 90% desse montante estão localizados nos pólos ou no subsolo. A escassez do produto já constitui uma ameaça á paz mundial. No momento em que a população mundial atinge a marca de seis bilhões de pessoas, o planeta ruma na direção de uma escassez crônica de água. Se mantidos os atuais padrões de crescimento, a previsão é de que a população global chegue a oito bilhões, em 2025, aumentando drasticamente a demanda e agravando os conflitos ocasionados pela escassez. Somente 0,2% das fonte de água do nosso planeta está disponível para o consumo humano, sendo que apenas 0,00006% é aproveitado”.

O perigo de escassez de água atinge, ao contrário do que se possa imaginar, vários pontos do Brasil, sendo a Região Metropolitana de São Paulo um local em que há intensa preocupação sobre o tema, posto que os riscos de escassez são elevados. A propósito, brilhante estudo apresentado por DANIEL ROBERTO FINK que demonstra, como a seguir transcrito, os riscos iminentes de escassez de água para a Região Metropolitana de São Paulo[4]:

Dados do Banco Mundial consideram uma disponibilidade hídrica preocupante, quando menor de 2000m3/habitante/ano. (…)

A Região Metropolitana de São Paulo é constituída por trinta e nove municípios e um total de 17.878.703 habitantes.

Os rios que a compõem, formam basicamente a denominada Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, cuja vazão média total atinge 102,4 m3/segundo.

Considerando-se a população da Região Metropolitana, é possível afirmar que sua disponibilidade hídrica é de 180,62 m3/habitante/ano, estando muito aquém de níveis internacionais recomendados.

Os dados acima considerados levam em consideração a vazão média total da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e demonstram a escassez de água na Região Metropolitana.

A confirmar a pouca oferta de água, pode-se lançar mão de outro indicador, agora baseado na capacidade de produção de água da Bacia e determinar, a partir da produção, a disponibilidade hídrica por habitante.

A capacidade de produção de água para abastecimento da Região Metropolitana da Capital de São Paulo correspondente a 67,7 m3/segundo.

Utilizando-se a mesma referência proposta por REBOUÇAS, porém referindo-se à capacidade produtora, a disponibilidade hídrica nesse caso atinge apenas 119,45 m3/habitante/ano. Considerando somente o sistema produtor, a disponibilidade hídrica por habitante, por dia, é de 327,26 L.

Ainda pior se considerarmos que do total de água produzida para abastecimento da Região Metropolitana, deve-se subtrair 33,0 m3/s, importados da bacia formada pelos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, por meio do sistema produtor Cantareira. Portanto, a produção de água interna da Região Metropolitana é de 34,7 m3.

Assim, a “disponibilidade hídrica social” da Região Metropolitana, já descontando a água produzida fora das bacias hidrográficas que a compõem, é da ordem de 61,2 m3/habitante/ano, o que corresponderá a apenas 167,67 L/habitante/dia.

Comparada a disponibilidade hídrica, baseada na quantidade de água produzida, com o consumo per capita, concluiremos, da mesma forma, por uma escassez preocupante na região da metrópole paulistana.”

O Rodoanel Mário Covas passa pelas últimas áreas livres da urbanização na Região Metropolitana de São Paulo, que coincidem com as últimas áreas de recarga dos aqüíferos, de mananciais e de retenção das vazões de cheia, a montante das áreas urbanizadas dos diferentes municípios.

É importante ressaltar que a Represa Billings é um importante reservatório de água da Região Metropolitana de São Paulo. Está inserida na Bacia Hidrográfica da Billings, a qual ocupa um território de 58.280.32 hectares e, embora seja de fundamental relevância para a distribuição de água para toda a região metropolitana, vem sendo constante alvo de ameaça, resultando na piora da qualidade de água por vários fatores, dentre os quais, inquestionavelmente é a urbanização descontrolada, responsável pela impermeabilização do solo, remoção da cobertura vegetal e contaminação das águas através de lançamento de esgotos não tratados.

Estudos realizados sobre a Bacia Hidrográfica da Billings, pelo Instituto Socioambiental, associação sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), fundada em 22 de abril de 1995, que tem entre os seus objetivos a promoção da defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e aos direitos humanos, demonstram a grave situação em que se encontra a questão do abastecimento de água na região metropolitana e a grande vinculação deste problema com a ocupação irregular desordenada. As obras do Rodoanel, ao induzirem a ocupação urbana, como já relatado, contribuirão para piorar a qualidade da água distribuída para a Região Metropolitana de São Paulo. Quanto a esse aspecto, oportuno destacar trechos do importante trabalho supra mencionado, o qual, embora se refira ao antigo EIA/Rima (trecho Norte/Leste/Sul) apresentado, mantém-se atual, posto que a mesma área ali descrita será atingida pela obra:

“A água é um patrimônio de valor inestimável. Mais do que um insumo indispensável à produção e um recurso natural estratégico para o desenvolvimento econômico, a água é vital para a manutenção dos ciclos biológicos, geológicos e químicos que mantêm em equilíbrio os ecossistemas. É, ainda, uma referência cultural e um bem social indispensável à adequada qualidade de vida da população.(…)

“A urbanização e outros atividades humanas, ao serem implantadas em áreas impróprias ou sem planejamento, acabam prejudicando, muitas vezes de forma irreversível, a capacidade de um manancial de água. Isto porque estas atividades podem levar a desmatamentos, impermeabilização do solo, assoreamento de nascentes e contaminação dos recursos hídricos (…).

“Em uma bacia hidrográfica utilizada para abastecimento público, algumas alterações no uso do solo são extremamente negativas, pois resultam em perda da capacidade de produção de água em quantidade e qualidade adequadas. A região da Billings, assim como outras áreas de mananciais da RMSP, vem sofrendo ao longo dos anos um processo de ocupação desordenada, que resulta, via de regra, em graves impactos ambientais. (…)

“O trecho Sul do Rodoanel, com uma extensão prevista de 52 km, provocará, caso implantado, impactos diretos nas bacias hidrográficas da Billings e da Guarapiranga, as duas principais áreas de mananciais da Região Metropolitana de São Paulo.


O traçado proposto interligará a Avenida Papa João XXIII, no município de Mauá, com o seu trecho Oeste na Rodovia Régis Bittencourt, nos municípios de Embu e Itapecerica da Serra. Ao longo deste trecho, estão proposta interligações com as Rodovias A Imigrantes e com a Av. Senador Teotônio Vilela, no município de São Paulo.

Na Bacia Hidrográfica da Billings, a construção do trecho Sul do Rodoanel afetará 49 sub-bacias, que representam 24,7% da área total de drenagem deste importante manancial. Destas, 29 sub-bacias serão cortadas pelo Rodoanel e, portanto, sofrerão impactos diretos e 20 sub-bacias, localizadas no entorno das diretamente afetadas, sofrerão impactos indiretos.

Além dos impactos diretos e indiretos que o Rodoanel provocará, caso seja aprovado pelos órgãos ambientais competentes, a obra promoverá a intensificação da pressão atualmente exercida pelas principais vias de acesso existentes na região, através das várias interligações previstas no projeto. Haverá, ainda, uma tendência de agravamento da pressão dos seis eixos de expansão da urbanização, descritos no item anterior.

Finalmente, apesar do Rodoanel ser projetado como uma via bloqueada, de forma que os acessos a vias secundárias e urbanas existentes na região serão restritos aos previstos no projeto, na prática sua implantação não deverá impedir o estabelecimento de acessos clandestinos e não pavimentados, principalmente quando o traçado da via se aproximar de áreas já ocupadas por usos urbanos. Esta é a constatação a que se pode chegar com a observação do que se sucedeu após a construção das rodovias Imigrantes e Anchieta que, apesar de terem sido aprovadas como vias bloqueadas, acabaram por estimular a implantação de acessos irregulares e, portanto, geradores de impactos adicionais não considerados no projeto originalmente aprovado”.

Os recursos hídricos poderão ser comprometidos, também, em razão de assoreamento, fato já bastante preocupante, conforme relatório apresentado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT (DOC.37):

“O assoreamento é um problema bastante notável na Região Metropolitana de São Paulo, cuja evolução tem acompanhado os principais eixos de crescimento urbano dos municípios. A carga sedimentar gerada nas áreas ainda inconsolidadas dos municípios atinge com eficiência os corpos d’água e migra para dois destinos possíveis, a calha do Rio Tietê ou para reservatórios de abastecimento.

No primeiro caso apresenta como impacto importante aumento da magnitude de alagamentos e enchentes em municípios da Região Metropolitana, uma vez que o assoreamento de córregos e galerias sem a devida manutenção por parte das prefeituras representa obstáculo ao transporte das águas pluviais, que carreiam também expressivas porções de lixo e sedimentos.

O segundo caso tem efeitos diretos sobre o abastecimento público de água. A diminuição do volume útil dos reservatórios, aumento da eutrofização e de proliferação de algas nos lagos, alterações na qualidade da água são alguns dos principais problemas gerados pelo assoreamento em reservatórios de abastecimento, devido ao transporte de poluentes, esgotos domésticos, agrotóxicos e fertilizantes, agregados ao sedimento.(…)

O assoreamento desses reservatórios está em franca evolução com diferentes taxas de deposição média para cada lago, e com aumento esperado dos seus vetores de crescimento, intensificados sobretudo pelas mais recentes intervenções de âmbito regional, como as obras de duplicação das Rodovias Fernão Dias e Imigrantes, construção do Rodoanel Metropolitano e ampliação de trecho da Rodovia Castelo Branco, além de outras como a construção das barragens de Paraitinga e Biritiba (grifo nosso).

Ora, se o EIA não avaliou o percentual aproximado de ocupação irregular do solo nas áreas sensíveis decorrentes da implantação do Rodoanel, igualmente não calculou os custos decorrentes desse impacto. Citamos apenas uma despesa não considerada: o volume de investimentos suplementares necessários para que a SABESP mantenha: a) a qualidade da água fornecida à população da RMSP por meio dos Reservatórios Billings e Guarapiranga; b) o número de usuários atendidos por estes reservatórios.

Convém relembrar que só o Reservatório Billings é encarregado do fornecimento de água a um milhão de pessoas. Se aumentam os loteamentos clandestinos em seu entorno, bem como no entorno do Reservatório Guarapiranga, naturalmente aumentam os despejos de efluentes líquidos, como esgotos domésticos, sem nenhum tratamento em suas águas. Sem contar o natural assoreamento dos tributários devido à supressão de vegetação para a instalação dos loteamentos e a corriqueira disposição de resíduos sólidos (lixo) nas margens e nas águas dos reservatórios e dos cursos d’água que os abastecem.

Concluindo nosso raciocínio, se o EIA não realizou os cálculos acima demonstrados como imprescindíveis, as medidas reparatórias e/ou compensatórias propostas estão, obviamente, em muito subestimadas. Destarte, o EIA não serve como parâmetro para que o órgão licenciador avalie quais medidas de mitigação são efetivamente necessárias e até mesmo se a relação custo-benefício é favorável à execução do empreendimento.

Ademais, o Subcomitê de Bacia Hidrográfica Billings-Tamanduateí conclui que o “EIA-RIMA” apresenta informações imprecisas e falhas no diagnóstico ambiental, especialmente ao minimizar os potenciais efeitos ambientais adversos nas Áreas de Proteção daos Mananciais, quer junto aos reservatórios, quer nas áreas diretamente cortadas pelo empreendimento. Consta de documento produzido por este importante órgão na gestão dos recursos hídricos que o processo de licenciamento ambiental em vigor deve ser revisto, de modo a incorporar em todas as suas etapas, inclusive detalhamento de projeto, as considerações prévias e proposições do Sistema Estadual dos Recursos Hídricos, em particular no tocante à interface do empreendimento com as estratégicas Áreas de Proteção e Recuperação de Mananciais. A seguir alguns trechos do importante parecer, absolutamente desconsiderado pelo empreendedor:

“(…) Entendemos que o EIA-RIMA adotou critérios equivocados para as compensações ambientais, minimizando os serviços ambientais prestados pelas áreas ainda livres em APM, as quais cumprem função estratégica para a metrópole, considerando a atual situação de escassez de água;

A Manutenção do EIA-RIMA e do empreendimento como previsto inicialmente fará com que a maior parte dos custos ambientais sejam transferidos para as populações sob sua influência, além das municipalidades e seus gestores, implicando no estreitamento das possibilidades de vida, de atividades econômicas sustentáveis e de enfrentamento dos problemas que serão gerados”

Assim, são requeridas vinte e três complementações aos estudos apresentados, sendo que podemos citar, dentre elas, a título exemplificativo: a) que seja apresentado, pela Dersa, a este Subcomitê e às instâncias de Recursos Hídricos uma revisão do cumprimento e da efetivadade dos programas previstos para o Trecho Oeste, avaliando as medidas compensatórias e mitigadoras e já implantadas e/ou em andamento, que validam a licença de operação do trecho executado; b) que sejam apresentadas, pela Dersa, informações sobre impactos e medidas mitigadoras, de outros empreendimentos rodoviários de mesmo porte, em Unidade de Conservação, inseridas na área diretamente afetada; c) que se explicite o critério de recomposição florestal adotado pela Dersa no EIA, uma vez que o mesmo não corresponde ao que é aplicado pelo DEPRN na região; etc. (DOC. 21).

C- Análise do trecho Oeste como condicionante do próximo licenciamento

Uma das complementações que se mostram necessárias ao EIA apresentado, e que vem sendo reiteradamente solicitada, é um estudo aprofundado sobre o erros e acertos ocorridos no trecho Oeste do Rodoanel. Com efeito, o licenciamento por trechos sempre foi objeto de críticas, pois já que se trata de uma obra que impactará toda a região metropolitana, esta deveria ser considerada como um todo, e não de forma segmentada. Aliás, este foi o objeto da Deliberação Consema 44/97 que recomendou o estudo do projeto em âmbito metropolitano, o que não foi devidamente atendido, posto que foi substituído o estudo total pela Avaliação Ambiental Estratégica, documento que, pela própria natureza, não se presta a tal fim, já que criado para atender à elaboração de programas e planejamento público, e não ao licenciamento de uma obra.

No entanto, já que o trecho oeste já está pronto e em funcionamento, é lógico que deva servir como objeto de estudos para aprimoramento dos próximos trechos, principalmente porque, como a seguir será demonstrado, apresenta vários problemas que, se repetidos no trecho Sul – e não há nada que faça crer que não serão- trarão prejuízos ainda maiores, ante as peculiaridades ambientais da região de mananciais. Como bem observado em parecer elaborado por Assistentes Técnicos do Ministério Público “apesar das obras do trecho oeste representarem um ensaio piloto em escala real para aferição das previsões dos seus efeitos sócio-ambientais locais e na região metropolitana, e possibilitarem o embasamento para os estudos de impactos ambientais do trecho restante (Norte, Leste, Sul), nenhuma pesquisa foi efetivada. Tal omissão pode resultar em prejuízo na avaliação dos impactos e na avaliação crítica quanto a eficácia de medidas de mitigação e compensação previstas, o que pode representar a repetição de equívocos em etapas posteriores(DOC. 10).


O Instituto Socioambiental – ISA, encaminhou documento à Secretaria do Meio Ambiente e ao Dersa solicitando que o EIA/Rima fosse complementado para que constasse “análise sobre as dinâmicas recentes de alteração de uso e ocupação do solo na região do Trecho Oeste do Rodoanel Mario Covas” e incorporar o resultado dessas análises “às simulações sobre indução de ocupação nas áreas de mananciais e projeções de crescimento populacional” (DOC. 12).

O prestigioso trabalho desenvolvido pela Faculdade de Arquitetura da USP, já supra mencionado, analisa, de forma bastante consistente, os impactos urbanísticos provocados pela implementação do Trecho Oeste do Rodoanel Mario Covas, tendo como principal pano de fundo a problemática da expansão da ocupação formal e informal da mancha urbana periférica. Passamos a descrever alguns dos problemas relacionados.

O trecho Oeste do Rodoanel também foi construído sob a forma de rodovia classe 0, que segundo o empreendedor serviria como barreira à ocupação humana. No entanto, constatou-se no referido estudo que a acessibilidade criada pela via ou apenas aprimorada para determinadas áreas da franja urbana da região Metropolitana pode ter sido importante fator de atração da ocupação formal e informal dos terrenos do entorno e de toda sua área de influência, já que a escolha para o local de moradia é influenciado não só pela condição de acessibilidade, mas também pela oferta de empregos formais e informais propiciados pelas atividades econômicas no entorno. Além disso, a rodovia “Classe 0”, se impede os acessos, não impede que surjam vias marginais, construídas paralelamente a partir de um dos acessos oficiais, como ocorreu efetivamente no Trecho Oeste, sendo a mais significativa a Avenida Leonil Crê Bortolosso, que liga a avenida dos Autonomistas até a Giuseppe Sacco, no Jardim Iguaçu. Tal via é densamente ocupada, não por construções vinculadas à logística de produção, armazenagem e distribuição de cargas, mas por assentamentos precários acompanhados de comércio de suporte local.

Além disso, levantamentos de campo realizados entre os meses de abril e maio constataram 10 focos de acesso irregulares ao longo do Rodoanel, que dão entrada predominantemente a núcleos habitacionais precários e irregulares, sendo que alguns permitem inclusive a passagem de veículos. Como bem salientado no estudo, “tais acessos são preocupantes, pois evidenciam a impossibilidade prática de realizar uma fiscalização adequada para esse tipo de situação” (fls. 55, DOC. 35). Assim, a rodovia funciona como “Classe 0” para as ocupações de caráter formal, cujas empresas estão sujeitas a multas ou efeitos da lei, o que nem sempre é realidade para as ocupações clandestinas. Consta do estudo que “a afirmação de que o Rodoanel atuará como uma ‘barreira’ à expansão da ocupação periférica deve ser desmistificada, em especial no que diz respeito aos núcleos informais”.

Transpondo a realidade encontrada no trecho Oeste para o trecho Sul, o estudo conclui que apesar de estar quase que totalmente inserida em área de proteção aos mananciais a porção Sul da Região Metropolitana de São Paulo apresenta altos índices de crescimento populacional, semelhantes aos da zona Oeste, agravada a situação pela grande quantidade de núcleos habitacionais precários e irregulares e pela carência de infra-estrutura básica, inclusive de transportes. A opção de traçado apresentada pelo empreendedor desvia dos núcleos habitacionais, mas passa muito próximo deles. Tendo em vista que são cerca de 50 núcleos populacionais na Bacia Hidrográfica da represa Guarapiranga e mais 25 na Billings, é possível supor uma grande possibilidade de ocorrência de situações semelhantes àquelas encontradas no Trecho Oeste no que diz respeito a acessos irregulares e uso indevido da rodovia pela população, aumentando os riscos a que ela está sujeita. Além do mais, o aumento da extensão da obra, de atuais 32Km para 90 Km, leva a crer que a pressão para abertura de acessos será significativamente maior. E restam questões não respondidas nos estudos apresentados pelo empreendedor, já que ele simplesmente desconsidera essa hipótese de ocupação. Dentre elas, podemos destacar a apontada no estudo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, quanto a quem assumirá a fiscalização e os custos. A Dersa, ad eternum? Ou, como negar, no futuro, ao município de Embu-Guaçu, totalmente inserido em área de proteção aos mananciais e sem acesso pelas principais rodovias da Região Metropolitana de São Paulo, um acesso a esta importante rodovia?

O estudo mostra ainda casos de assentamentos humanos existentes ao longo da rodovia, destacando as situações mais críticas, de ocupações na faixa de domínio da rodovia. Tome-se como exemplo as favelas Recanto do Paraíso e Recanto da Paz, sendo a primeira de ocupação mais recente, desenvolvida ao longo do traçado do Rodoanel, na altura do Km 2 da pista externa e que se alastra até o limite da faixa de domínio da rodovia. No local não há regularização do abastecimento de água, não há energia suficiente, mas há três acessos informais ao Rodoanel.

Restou apurado, ainda, com base em pesquisas efetuadas, que o Rodoanel é objeto provocador de incremento nas atividades mobiliárias no entorno do trecho Oeste. Além de anúncios, faixas, placas e cartazes, foram encontrados artigos de jornais e revistas, citando inclusive entrevistas com especialistas em mercado imobiliário, afirmando que a acessibilidade gerada pela construção do trecho Oeste do Rodoanel é um fator que impulsionou o aumento de número de lançamentos imobiliários e valorização dos imóveis e terrenos da região Oeste de São Paulo. Os estudos indicam que processo semelhante ocorrerá no trecho Sul.

Outro ponto de capital importância levantado pelo estudo da Faculdade de Arquitetura da USP é a questão do controle do uso e ocupação do solo, chegando-se à conclusão de que “as legislações municipais de uso e ocupação do solo vêm contribuindo para a expansão da mancha urbana mais do que controlando a ocupação do entorno do Rodoanel” (fls. 90). Apurou-se que não houve nenhum tipo de negociação ou gestão articulada entre os municípios afetados pela obra do trecho Oeste do Rodoanel, mas apenas conversas individuais entre cada município e a Dersa, sendo que cada Prefeitura, com diferentes capacidades administrativas, teve que arcar com os custos da revisão da legislação e do aumento da demanda por atividades de controle e fiscalização do uso do solo. Ademais, apesar da exigência de elaboração de Planos Diretores, não foram todos os municípios da RMSP que atualizaram sua legislação. Apesar do contexto de grande deficiência da capacidade administrativa dos municípios para uma ampla atuação em termos de planejamento, fiscalização e controle do uso do solo, a Dersa não presta nenhum tipo de auxílio, limitando-se a exercer atividades de manutenção e vistoria apenas em áreas de sua propriedade, o que corresponde à rodovia e sua respectiva faixa de domínio, incluindo algumas áreas de apoio.

Por fim, o estudo relaciona a situação atual das medidas compensatórias e mitigatórias propostas nos estudos de impacto ambiental do Trecho Oeste do Rodoanel, tendo como enfoque os eventuais impactos que a construção provocou sobre a expansão da mancha urbana periférica, razão pela qual foram tratadas apenas as ações referente à recuperação, gestão e fiscalização do uso e ocupação do solo e as ações que interferem diretamente na reintegração da malha urbana cortada pela nova rodovia, tendo a conclusão sido de que as mitigações e compensações instituídas não dão conta dos impactos urbanísticos que provocam” (fls. 100 – DOC. 35).

A análise levou em conta o Parecer Técnico CPRN/DAIA n. 058/2004, que analisou quarenta e sete itens relacionado aos diferentes subprogramas de mitigação e compensação previstos no EIA/Rima. A análise quantitativa dos dados coletados demonstra que até meados de 2004, ou seja, dois anos após a inauguração do empreendimento, 11% dos itens foram considerados como ‘atendidos” e 64% considerados “em atendimento”, enquanto que 15% tiveram o desempenho considerado “insatisfatório” e 11% “não atendidos”. Ademais, uma questão importante considerada no parecer é que há diferenças entre a situação apresentada pelo empreendedor em sua “Avaliação de Atividades Ambientais para Licença de Operação” e a efetivamente verificada pelo DEPRN, isto é, não constatou este órgão ambiental, após vistoria “in loco”, a realização de todas as medidas mitigadoras e compensatórias que aquele empreendedor alegava ter realizado..

Algumas situações críticas são apontadas no estudo ora comentado. Tomemos como exemplo a Área de Apoio denominada “DME Lixotal”, pois construída sobre um antigo aterro e atualmente localizada próxima a um assentamento precário, que consta como concluída pelo Parecer Técnico DPRN/DAIA 58/2004. Em visita foi contatado que o local está com solo exposto e grama, sem utilização de vegetação nativa como exigido.

O parecer de autorização da Licença Prévia, Parecer Técnico CPRN/DAIA n. 329/97, ressaltava a importância das medidas de mitigação e compensação para atingir melhorias significativas na situação das formações florestais remanescentes na região cortada pelo Rodoanel. Para tal, era prevista, entre outras medidas, a recomposição florestal de 20 hectares ao longo da faixa de domínio de 80 hectares em área fora da faixa de domínio em Unidades de Conservação já existentes ou em novos parques. Contudo, no documento da Secretaria de Meio Ambiente que concedeu a Licença de Operação em 2004 para o Trecho Oeste, tanto as medidas de recomposição florestal como o projeto paisagístico foram consideradas como “não atendidas”. Em pesquisa de campo realizada em maio, verificou-se que o projeto paisagístico com a utilização de vegetação nativa não foi cumprido e foram encontrados deslizamentos de terra, acúmulo de entulho, ocupações irregulares, córregos em processo de assoreamento, aterramento de nascentes e acessos irregulares para pedestres e veículos.


Em um dos trechos da faixa de domínio, onde deveria ter havido preservação ou recuperação da vegetação, encontrou-se, por exemplo, o assentamento urbano sugestivamente conhecido como “Favela Jardim Rodoanel”, localizado no município de Osasco. Trata-se de construção recente, surgida após a conclusão das obras. No local, foram identificados acessos ilegais ao Rodoanel, inclusive com permissão de passagem de carros.

A amparar estas informações está o ofício enviado pela Subprefeitura de Perus, informando que foi constatada a existência de uma favela no final da Rua Francisco Bellazzi, Jardim Jaraguá, a qual surgiu após a construção do Rodoanel. Relata, ainda, a Subprefeitura as dificuldades práticas enfrentadas ante a não localização do proprietário da área e ante o fato do assentamento estar na faixa de domínio do trecho Oeste do Rodoanel, sendo de responsabilidade da Dersa a remoção ou regularização da área, sem que nenhuma providência tenha sido adotada (DOC. 08).

Ora, a instalação de assentamento às margens do Rodoanel não é uma suposição ou preocupação amparada em excesso de zelo; é uma realidade! Qual a razão que leva a crer que tal fato na irá ocorrer no trecho Sul, em área de proteção aos mananciais? E mais, o que leva a crer que a solução do problema seria ali mais fácil?

A Prefeitura da Estância Turística de Embu elaborou estudo sobre os impactos causados pelo Trecho Oeste do Rodoanel e apontou a existência de assentamento humano às margens da via, em área de risco, ante a presença de torres de transmissão de energia elétrica . A existência de moradores de uma área invadida, que atravessam a pista livremente, correndo sérios riscos, em um ponto em que existe uma curva na qual há falta de proteção e sinalização adequadas, gerou vários acidentes, incluindo a queda de veículos pesados fora da pista. A conclusão do estudo é de que “o Rodoanel Mario Covas trouxe principalmente uma expansão do assentamento humano desordenado em suas margens, causado principalmente pela falta de planejamento nas ações de desapropriações e vigilância de suas faixas de domínio”. E ainda “o desmatamento executado durante as ocupações irregulares e o assoreamento das redes naturais de drenagem após a conclusão das obras também preocupa, pois o traçado do Rodoanel no território de Embu foi projetado sobre a área de proteção aos mananciais, isso poderá afetar a quantidade de água disponibilizada pelo Rio Embu Mirim ao reservatório do Guarapiranga, que abastece a região Metropolitana de São Paulo” (DOC. 15 ).

Da mesma forma, a Prefeitura do Município de Osasco aponta vários pontos negativos trazidos pelo Rodoanel, dentre os quais ter agravado problemas fundiários na região, aumento da poluição do ar, aumento da poluição das águas em decorrência do derramamento de combustíveis na pista, modificação nas descargas de águas pluviais, eliminação da vegetação nativa, eliminação e/ou supressão em Áreas de Preservação Permanente, modificação do solo e dos níveis dos lençóis freáticos, interferência na flora e na fauna, assoreamento de córregos e lagoas (DOC. 16).

Assim, resta claro que um estudo mais aprofundado sobre os problemas surgidos no trecho Oeste deve ser feito e incorporado ao EIA/Rima do novo trecho, na busca de soluções para que os mesmos problemas não venham a se repetir. Mas a Dersa se recusa a fazer tais estudos, os quais foram recomendados pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente , pelo Instituto Sócioambiental, pelo Conselho Gestor da Reserva da Biosfera do Cintura Verde da Cidade de São Paulo, pelo Subcomitê de Bacia Hidrográfica Billings-Tamanduateí e por várias outras entidades, sem qualquer eco junto ao empreendedor.

Aliás, foi esta claramente a sugestão feita pelo Excelentíssimo Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Professor Doutor Ricardo Toledo, ao participar de reunião técnica realizada em 04 de abril de 2005, na Secretaria Estadual do Meio Ambiente. O Emérito professor destaca que não basta “ trabalhar com os fatores de indução hoje existentes, mas com aqueles que serão trazidos pelo novo sistema”. E sugere como metodologia: “realizar-se uma retroavaliação do ‘Trecho Oeste’, utilizando-se, exatamente, a mesma metodologia utilizada para o ‘Trecho Sul’. Pois a retroavaliação do ‘Trecho Oeste’ permitirá calibrar com clareza o modelo utilizado agora” (DOC. 17).

D- CINTURÃO VERDE DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: RESERVA DA BIOSFERA

A Reserva da Biosfera constitui uma categoria sui generis de Unidade de Conservação prevista, no Capítulo VI, da Lei n. 9.985/200, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O tratamento diferenciado, como esclarece JOSÉ EDUARDO RAMOS RODRIGUES[5], decorre de seu caráter internacional, tendo a Reserva da Biosfera sido criada pela Unesco, Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, de que o Brasil é membro, através do denominado Programa Intergovernamental “O Homem e a Biosfera – MAB”. O Programa MAB, em 1974, previu a criação de uma rede de Reservas da Biosfera, visando assegurar a conservação de áreas representativas dos principais ecossistemas mundiais, constituindo um vasto espaço para a pesquisa científica e experimentação de formas ecologicamente equilibradas de gestão territorial, envolvendo a participação da população. Segundo o autor, são funções da Reserva da Biosfera: a) funções de conservação (protegendo recursos genéticos, espécies e ecossistemas em escala mundial); b) funções logísticas, principalmente de apoio à pesquisa e educação (propiciando estruturas interligadas a esses temas e ao monitoramento no quadro de um programa científico internacionalmente orientado); c) funções de desenvolvimento (na procura de formas de uso racional e sustentável dos recursos dos ecossistemas, permitindo, assim, cooperação estreita com as populações humanas envolvidas).

Segundo amplamente divulgado pela imprensa, como motivo de orgulho para o Estado de São Paulo, um grupo de dois mil cientistas de todo o planeta, sob coordenação da ONU, após elaborarem o maior inventário já feito dos bens e serviços fornecidos de graça ao homem pelos ecossistemas da terra, decidiram por criar, dada a sua extrema importância, uma das reservas no entorno da Região Metropolitana de São Paulo. A região foi escolhida para a fase inicial da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, que tem por objetivo descobrir a saúde do planeta até 2005. Esta área, agora, encontra-se gravemente ameaçada pela construção do Rodoanel, cujo traçado “coincide com os últimos remanescentes de vegetação de variado porte e estágios sucessionais componentes do Cinturão Verde da Região Metropolitana de São Paulo, declarado como reserva da Biosfera pela UNESCO” (DOC. 03).

“O programa MaB – “O homem e a Biosfera” – instituído pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – atribui a determinadas áreas do globo, consideradas de relevante valor ambiental e humano, o título de Reserva da Biosfera. Existem hoje no mundo cerca de 360 reservas da Biosfera, formando uma grande rede internacional.

As Reservas da Biosfera objetivam uma correta gestão de seus recursos naturais e a busca do desenvolvimento sustentável através da pesquisa científica, da conservação, da biodiversidade, da promoção social e da integração dos diversos agentes atuando dentro e ao redor de cada Reserva.

Na abertura do capítulo 1 do livro “Não Matarás”, com subtítulo – A reserva da Biosfera da Mata Atlântica e sua Aplicação no Estado de São Paulo, publicado pela SMA desse estado (1998) – há uma definição bastante didática das reservas da Biosfera: Uma rede mundial de proteção: “Existem áreas no mundo que por sua beleza ou singularidade ambiental e cultural devem ser preservadas. Não somente para os habitantes do país onde essas áreas se situam, mas também para o benefício de toda a humanidade. Poderíamos chamá-las de terras importantes para todos os homens. Com este pensamento sem fronteiras e que enxerga o planeta como uma unidade, nasceu a UNESCO o conceito de Reservas da Biosfera”.

Sob esse enfoque e com o apoio e a participação da Sociedade Civil, a UNESCO declarou, no dia 9 de junho de 1994, a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. No Brasil, existem outras quatro Reservas da Biosfera (Cerrado, Patanal, a Amazônia Central e Caatinga). – DOC 04.

Diferentemente das Reservas da Biosfera baseadas exclusivamente em áreas naturais preservadas com fracas interferências antrópicas, a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde tem a árdua tarefa de encontrar propostas para a preservação de toda uma região que sofre o impacto da segunda maior metrópole do mundo e, com isso, em aparente paradoxo, contribuir para a própria metrópole quanto à proteção e recuperação de seus mecanismos vitais e da qualidade de vida de seus habitantes”.

O Conselho Gestor da Reserva da Biosfera, que será atingida pelo traçado do trecho Sul do Rodoanel, devia ser consultada ante sua importância internacional, tendo esta obrigação ficado consignada no Parecer Técnico n. 25/2005 do Ibama, da qual consta que o empreendedor deve responder aos quesitos elaborados pelo Grupo de Trabalho constituído por integrantes do Conselho de Gestão da Reserva da Biosfera, a partir da análise do EIA/Rima do trecho Sul do Rodoanel Mário Covas (DOC. 18).


Assim, referido Grupo de Trabalho efetuou uma série de questionamentos ao empreendedor, abordando temas divididos nos seguintes grupos: a) sobre o Rodoanel como alternativa de transporte e aspectos associados; b) sobre o trecho oeste do Rodoanel; c) sobre a modelagem de simulação de indução à ocupação da terra; d) sobre impacto na sustentabilidade do padrão atual de ocupação; e) sobre os mecanismos de articulação institucional associados à implantação e gestão da obra f) sobre o conselho de apoio à implantação do trecho sul do Rodoanel e unidade de gestão ambiental; g) sobre cadastro de proprietários de terras nas áreas de entorno; h) sobre a várzea do Embu-Mirim; i) sobre pontos de passagem da fauna e j) sobre impactos nas aldeias Barragem e Krukutu. Todos os questionamentos baseiam-se em pontos omissos ou insuficientes do EIA/Rima apresentado (DOC. 20).

A título de exemplificação, tomemos o item c), que discute a modelagem de indução à ocupação da terra, documento integrante da AAE e que já foi abordada por outros órgãos como insuficiente, como acima descrito. Neste aspecto, o Grupo de Trabalho composto no âmbito da Reserva da Biosfera demonstra as seguintes preocupações, não respondidas no EIA/Rima:

“(…)1) Qual seria o impacto na indução à ocupação da região em se considerando a especificidade do mercado de terras de uma região periurbana em países marcados pela forte desigualdade social e econômica, dentro do modelo?

2) Qual seria o impacto na indução à ocupação da região se a lógica individual da escolha da localização da moradia não for a proximidade do emprego, mas a acessibilidade aos serviços públicos fundamentais associados à proximidade da rodovia? Qual seria o impacto sobre a viabilidade técnica e financeira do projeto? Qual seria o impacto sobre a qualidade e quantidade de água pelo sistema Billings e Guarapiranga?

Sobre a simulação e sua modelagem, de forma geral:

3) Quais as principais surpresas e incertezas consideradas?

4) Sobre as incertezas, seriam elas capazes, em função de sua natureza e magnitude, de originar cenários bastante distintos em se assumindo variáveis distintas?

5) Quais as limitações, de quaisquer ordens, da modelagem elaborada frente à complexidade da região em tela?

6) Foram considerados ‘limiares’ (thresholds) e a ocorrência de alterações não lineares, a exemplo do que vem acontecendo com ecossistemas do planeta (ou sob outro ângulo, como os modelos caóticos incluem esses itens)?

Pede-se, complementarmente, que sejam apresentados cenários alternativos/complementares ao modelo adotado ao se considerar:

7) Diferentes condições de governança na região (incluindo qualidades de fiscalização, relações de comando/controle, coordenação/descoordenação de esforços de gestão no espaço considerado, outros fatores relevantes).

8) Fragilidade ou fortaleza de instituições do Poder Público e da sociedade.

9) Qualidade de legislações.

10) Qualidade de políticas de moradia, educação, de planejamento, de meio ambiente e/ou outras eventualmente não consideradas nos itens acima.”..

O Conselho Gestor da Reserva da Biosfera apresentou, em fevereiro de 2006, parecer levantando vários pontos do projeto que influenciariam a área da Reserva, afirmando que “a obra causará impactos ambientais em áreas consideradas sensíveis do Cinturão verde, quer pelos impactos diretos ou indiretos desta” (DOC.29).

Observações importante do parecer podem ser destacadas, tais como a conclusão de que: “não se pode deixar de considerar que haverá perdas ambientais irreparáveis, mesmo reconhecendo-se as compensações propostas, à medida em que a retirada da vegetação em estágios médio e avançado tem como contrapartida, ainda que em área maior, plantios novos, com conseqüente empobrecimento da biodiversidade local”. Ou mais adiante, a o enfrentar o já várias vezes debatido problema da indução à ocupação urbana, alertando “para a necessidade de implementação de ações preventivas compreendendo o planejamento e a fiscalização, no âmbito da gestão do espaço regional, integrada às ações de âmbito estadual e municipal, de maneira a evitar e reduzir as possibilidades de adensamento na região de influência dessa obra”.

Ainda e apenas a título exemplificativo, tomemos alguns pontos do parecer que foi apresentado pelo mesmo Conselho Gestor da Reserva da Biosfera quando da análise do anterior EIA/Rima e que faz parte do presente processo de licencamento ambiental, que contemplava a execução completa da obra, ou seja, trechos Sul/Leste/Norte. Naquele parecer consta que as intervenções no Cinturão Verde da Cidade de São Paulo podem trazer conseqüências, por exemplo, nas alterações climáticas da cidade, uma vez que está demonstrado que a cobertura vegetal do Cinturão Verde é um poderoso estabilizador climático na medida em que controla a expansão das ilhas de calor do centro em direção à periferia. Mais adiante, o estudo afirma que o Rodoanel é um vetor potencial para a ampliação das ilhas de calor, analisando-se o conjunto de seus impactos diretos e das ocupações lindeiras, que tende em muitos casos a induzir. Ao tratar do preocupante tema de enchentes, conclui que o Rodoanel ampliará a mancha urbana, induzindo seu superaquecimento e, portanto, induzindo a mais chuva anômala, sobrecarga da matriz energética já sobressaturada, impermeabilização do solo, distúrbios nos mecanismos hidrológicos naturais, rompimento dos delicados fluxos e sinergias naturais, potencializando o fenômeno da enchente.

Contudo, apesar da importância das considerações, o parecer do Conselho Gestor da Reserva da Biosfera não foi considerado quando da análise do processo de licenciamento, nem mesmo pelo Ibama, que exigiu sua elaboração, notadamente porque o mesmo Ibama apresentou seu parecer antes de receber o da Reservada Biosfera, comprovando mais uma vez como o atropelo no processo de licenciamento pode trazer prejuízos a toda a coletividade.

Em seu parecer, o Ibama, no capítulo referente à Reserva da Biosfera limita-se a observar, sem ter recebido o parecer do próprio Conselho Gestor da Reserva da Biosfera, que não há óbice à concessão da Licença Prévia, pois as obras se darão em sua quase totalidade longe das áreas consideradas “núcleo”, com exceção da área do Parque Municipal do Pedroso.

Ora, o Parque Municipal do Pedroso, por si só, é uma importantíssima Unidade de Conservação, que será atingida diretamente pela obra e cuja única compensação é a elaboração do Plano de Manejo. O que já poderia parecer pouco se torna ainda pior diante do fato noticiado no parecer do DAIA de que o Plano de Manejo do Parque já está sendo elaborado pela Prefeitura Municipal de Santo André, restando em aberto qual será a medida de compensação a ser adotada.

Conclui-se que o Cinturão verde da Cidade de São Paulo, apesar de sua importância reconhecida em âmbito internacional, não foi devidamente respeitada quando da análise da obra.

E- COMPLEMENTAÇÕES REQUERIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

O Ministério Público do Estado de São Paulo encaminhou ao DAIA e à Secretaria Executiva do Consema (DOC. 14) pronunciamento técnico elaborado por Assistentes Técnicos do Ministério Público do Estado de São Paulo, visando a alteração do termo de referência para o EIA/Rima do Rodoanel Mario Covas, trecho sul, uma vez que constatadas inúmeras falhas e omissões no referido estudo, que impediam a correta análise do empreendimento.

Consta do referido parecer técnico (DOC. 13), resumidamente, as seguintes observações:

Os objetivos da obra não foram devidamente esclarecidos, sendo necessário esclarecer de que forma, intensidade e em que escala de prioridades os setores da sociedade serão beneficiados pelo empreendimento, assim como sua área de abrangência. Além disso, devem ser relacionados todos os riscos da não efetivação e/ou maximização dos benefícios para cada etapa de implantação do empreendimento, esclarecendo os motivos, o grau e as conseqüências, de forma a refletir uma análise de contingências.

Quanto às justificativas, devem ser apresentados estudos complementares dos fluxos atualmente existentes nas rodovias, ferrovias e principais vias urbanas que compõem a área de estudo; devem ser destacados os pólos geradores de tráfego, o tráfego de passagem para outras regiões do país, aqueles cuja origem ou destino é a RMSP; detalhar as formas de integração modal, indicando os recursos e as políticas que vêm sendo empregados para estruturar os demais sistemas de transporte de passageiros e carga; caracterização das relações e implicações do Rodoanel sobre o desenvolvimento econômico-territorial da região, não se restringindo aos impactos sobre o tráfego; estudo aprofundado sobre a distribuição e tráfego de carga no Estado de São Paulo; entre outros.

A complementação solicitada se faz necessária porque o tratamento superficial de tais aspectos não é suficiente para demonstrar em que medida o Rodoanel será efetivamente um fator de solução para as tendências e problemáticas evidenciadas nas questões de transporte e tráfego envolvidas.

Por exemplo: não foram apresentados estudos paramétricos envolvendo simulações e projeções futuras das condições de tráfego na região metropolitana, considerando investimentos e projetos variados em outras alternativas de transporte coletivos e de carga. Não se consegue compreender qual a magnitude efetiva do benefício a ser trazido pela obra, notadamente como garantia de redução das condições negativas


Cabe também ressaltar que a Agência Estado (Internet) divulgou matéria de 26 de agosto de 2002, na qual a Companhia de Engenharia de Tráfego -CET-manifesta-se questionando a eficácia do Rodoanel (DOC. 02):

“Conforme a CET, cerca de 200 mil caminhões circulam diariamente pelo município de São Paulo. Deste total 120 mil rodam pelo minianel viário, composto pelas marginais e outras vias de grande fluxo. Para os técnicos da Companhia, o mais importante é que apenas 15 mil caminhões (7,5% da frota total) são considerados trânsito “de passagem”, ou seja , veículos que, vindo de outras cidades, precisam cruzar São Paulo para seguir seu destino. Assim, o Rodoanel, concebido para desviar o trânsito de caminhões que cruzam a capital rumo a outras localidades, terá um alcance limitado”

“Quando totalmente construído, o Rodoanel reduzirá em 60%[6] o volume dos caminhões de passagem pela cidade”, afirmou o Gerente de planejamento da CET, Ronaldo Tonobohn. Isto significa, segundo a companhia, que apenas 9 mil dos 200 mil caminhões que transitam diariamente pelo município sairão das ruas, quando todos os trechos da obra estiverem concluídos. O trecho oeste, cuja segunda parte deve ser entregue até o final do ano, será responsável pela redução de 10 % do volume dos caminhões de passagem, ou seja, 1,5 mil veículos.”

Os dados acima divulgados pela CET acrescem dúvidas sobre a credibilidade das premissas contidas nas justificativas do empreendimento do EIA. Diante de tais colocações técnicas faz-se mister que os estudos atualizados da CET sejam incorporados à discussão da justificativa do empreendimento.

No próprio parecer CPRN/DAIA/044/06, conclui-se, a partir de simulações realizadas, que em 2010, com o Rodoanel Mário Covas – Trecho Sul modificado em operação, haverá uma redução de 1,4% no tempo das viagens de automóveis em toda a Região Metropolitana de São Paulo. Em 2020, representará um redução de 3,2% no tempo das viagens de automóveis. (pág. 08 – DOC. 28). Assim, quem gasta uma hora no trânsito em veículo na Região Metropolitana de São Paulo gastará, em 2010, pouco mais de 58 minutos e em 2020, 56 minutos. É preciso pensar se esta redução, que não parece significativa, justifica colocar em risco vários bens ambientais, sem que sejam aprofundados os estudos de justificativa da obra.

É possível até mesmo que o Rodoanel, se não for acompanhado de outras obras viárias e de investimentos que reduzam a dependência da região metropolitana do transporte motorizado individual (Metrô, corredores de ônibus etc), sirva como indutor do aumento do volume de tráfego nas principais vias metropolitanas.

Isto resta claro e se mostra preocupante, pois o empreendedor efetuou suas simulações considerando a realização de obras que dependem dos Municípios, tais como o prolongamento da Av. Jornalista Roberto Marinho, concluindo, neste caso, que se tal prolongamento não for efetuado, o Trecho Sul do Rodoanel atrairia ainda mais viagens internas na Região Metropolitana de São Paulo. Mostrou também, que o prolongamento da Avenida Jacu-Pêssego e a duplicação da Avenida Papa João XXIII são elementos fundamentais de ligação do Rodoanel com o estante do sistema viário metropolitano no extremo leste da região Metropolitana de São Paulo. O EIA, incompleto e omisso como já várias vezes afirmado, não considerou nas simulações efetuadas a possibilidade de não execução desses empreendimentos, situação fática que pode muito bem ocorrer, já que não se trata de decisão que dependa do empreendedor.

É senso comum que o contexto metropolitano no qual a região está inserida condiciona um tráfego regional muito superior ao tráfego de passagem, aquele que o Rodoanel, enquanto projeto, se propõe a desviar. O gigantismo e a dinâmica de mercado da cidade geram e induzem este fenômeno. Portanto, o Rodoanel tem relativamente pouca incidência neste aspecto crucial de aliviar o tráfego, principalmente o de carga, na malha viária existente e trazer solução para seus problemas (Parecer sobre o Rodoanel Mário Covas produzido pelo Comitê Transitório da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo em setembro de 2002, referente ao antigo EIA/Rima, dos trechos Norte/Leste/Sul, mas aplicável ainda ao caso em tela) – DOC. 04.

Em relação à compatibilidade com planos e políticas públicas, solicita-se a caracterização e avaliação sobre a efetiva existência de instituições com capacidade de tornar viável o controle e a gestão articulada na região metropolitana; avaliação da compatibilidade entre as propostas de traçado e a legislação ambiental incidente, especificamente sobre as Unidades de Conservação localizadas nas áreas de influência direta e indireta do empreendimento; avaliação da compatibilidade entre as propostas de traçado e a legislação ambiental relativa à área de Proteção dos Mananciais; avaliação da compatibilidade com os planos existentes relativos à recuperação das áreas de mananciais; avaliação da compatibilidade do empreendimento com as políticas públicas dos municípios envolvidos; análise da compatibilidade com o Plano de Bacia do Comitê de Bacias do Alto Tietê.

Quanto às alternativas de não execução e estudos de alternativas tecnológicas e locacionais, solicita-se apresentar uma avaliação efetiva da hipótese de não execução da obra; avaliação de alternativas tecnológicas e/ou locacionais; avaliação de alternativas de inter-modalidade; justificativa de não utilização ou incorporação no projeto de outras vias já existentes.

A análise e a fundamentação das alternativas de traçado não foi realizada de forma proporcional, inclusive no que se refere ao modo de contemplação dos itens referentes a diagnósticos ambientais e avaliações de impacto. O conjunto de aspectos referentes aos impactos ambientais de cada alternativa deveriam ser comparados entre si e discutidas amplamente nesta perspectiva.

O EIA afirma que levou muito em conta as áreas de vegetação nativa e as áreas de ocupação humana para nortear a escolha da alternativa selecionada. Ocorre que ao observar as figuras do referido documento que trazem o traçado escolhido (traçado sobre fotos aéreas) nota-se que o traçado tendeu, predominantemente, a evitar as áreas de ocupação humana, priorizar a intervenção sobre áreas cobertas por vegetação, incluindo vários importantes remanescentes de florestas nativas.

Quanto aos elementos básicos para permitir a análise da viabilidade ambiental do trecho Sul, faltam informações básicas e atualizadas em relação a alternativas, e mesmo em relação à última versão da alternativa considerada a melhor pelo empreendedor. Dentre esses estudos faltantes, destacam-se: a modelagem do tráfego de carga na Região Metropolitana de São Paulo, e do carregamento do Rodoanel, considerando os atuais acessos propostos, a geração de novas demandas de tráfego com a construção dos demais trechos e, especialmente, a expansão urbana que será gerada direta e indiretamente através da operação desse viário.

Em decorrência desses estudos e modelagens, deverão ser feitos cálculos em relação às ligações viárias e aos demais itens de infra-estrutura, serviços e outros investimentos, incluindo a construção habitacional, que serão demandados para a qualificação das áreas objeto dessa expansão. Evidentemente, isso deve ser feito avaliando-se a disponibilidade de recursos e a capacidade de endividamento dos órgãos municipais e estaduais responsáveis por esses investimentos, considerando também a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Definição mais adequada e mais ampla das Áreas de Influência Diretas e Indiretas.

Diagnósticos ambientais e avaliações de impactos quanto ao meio físico, apresentando diagnóstico da qualidade do ar nas áreas de influência direta; diagnóstico da qualidade das águas nas áreas de influência direta; avaliação dos efeito da obra sobre as áreas de mananciais; avaliação dos efeitos de ruído para a população do entorno e alteração da qualidade do ar para estas mesmas pessoas; avaliação detalhada referente a riscos de acidentes com cargas perigosas; análise detalhada dos efeitos de construção de viadutos no interior das represas; contemplar as conseqüências da transposição de drenagens, bem como o uso e qualidade das águas, ocupação de várzea e modificação do padrão de drenagem das águas subterrâneas; analisar os efeitos conjugados do aumento da impermeabilização do solo na Região Metropolitana de São Paulo e sobre a ocorrência de enchentes; avaliação dos impactos associados à expansão urbana na Região Metropolitana de São Paulo induzida pela implantação do Rodoanel, que provocará desmatamento, escavação, erosão, impermeabilização do solo, geração de esgoto e demanda por água e obras de infra-estrutura.

Diagnóstico ambientais e avaliações de impactos quanto ao meio biológico, realizando diagnóstico com caracterização e apresentação em cartografia georeferenciada dos seguintes elementos: áreas protegidas (proteção de mananciais, Unidades de Conservação, áreas verdes e parques públicos, áreas de vegetação significativa do Município de São Paulo, áreas naturais tombadas); delimitação das áreas de preservação permanente e áreas de primeira categoria da Área de proteção de Mananciais, além de vários outros estudos complementares que se fazem necessário neste quesito.

Diagnóstico ambientais e avaliações de impactos quanto ao meio aócio-econômico, apresentando diagnóstico, avaliação e representação cartográfica das populações indígenas afetadas, do patrimônio cultural; da caracterização do uso do solo atual, acompanhada de análise de sua dinâmica, considerando a evolução histórica e as projeções futuras; da situação atual dos recursos materiais e humanos destinados pelos municípios e pelos órgãos estaduais competentes para fiscalização das ocupações humana irregulares nas áreas de influência direta e indireta; alternativas de áreas para reassentamento da população; avaliação sobre a viabilidade de se garantir que não haverão novos acessos além dos previstos atualmente no projeto; avaliação da tendência de ocorrência de bolhas especulativas, dentre outros pontos.


Em relação às medidas mitigadoras, acompanhamento e compensações solicitou-se a definição de medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos; prestação de esclarecimentos detalhados dos custos envolvidos e as fontes das medidas mitigadoras; a efetiva gestão, manejo e controle das Unidades de Conservação que serão criadas, esclarecendo como serão feitas a implementação e manutenção a longo prazo; definição dos agentes envolvidos na implantação, gestão e fiscalização das medidas compensatórias, incluindo a responsabilidade dos empreendedores e dos órgãos públicos.

Todos os questionamentos elaborados pelos Assistentes Técnicos do Ministério Público demonstram quão incompleto é o estudo apresentado pelo empreendedor, o que inviabiliza qualquer análise séria sobre a obra e impede a sugestão de medidas compensatórias ou mitigadoras de danos que devam ser adotadas.

No entanto, a Dersa não respondeu satisfatoriamente aos questionamentos do Ministério Público e não apresentou nenhum dos estudos ou das avaliações complementares solicitadas, limitando-se a elaborar um documento que dizia que todas as questões já haviam sido tratadas no incompleto e omisso EIA/Rima (DOC. 33).

O Parecer CPRN/DAIA 044/06 (DOC.28) e o Parecer Técnico Ibama 05/2006 (DOC. 27), que serviram de subsídio para a deliberação do Consema que ora se ataca, embora manifeste-se pela viabilidade do empreendimento, corrobora a posição de que muitos esclarecimento se fazem necessários, tanto que indicam uma série de estudos e complementações que devem ser apresentados antes da concessão de licença prévia (LP).

Ocorre, porém, que tais condições não podem ser deixadas para fase posterior do licenciamento, uma vez que, pela própria natureza, constituem condicionantes da viabilidade do empreendimento. Muitas das exigências estabelecidas no parecer CEPRN/DAIA/044/06 como condicionantes para futura licença de instalação envolvem elementos indispensáveis para avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento, ou seja, referem-se à possibilidade de ser ou não concedida licença prévia. Contudo, tais condicionantes estão sendo postergadas indevidamente para futuras fases de licenciamento, retirando da sociedade a visibilidade necessária para a tomada de decisão consciente sobre o assunto. Tomemos apenas algumas dessas exigências como exemplo.

O item 4.2 do parecer CPRN/DAIA/044/06 refere-se à Cobertura Vegetal do Bororé e determina a apresentação de projeto executivo com alteração do traçado na área do Bororé deslocado para o sul, em direção ao braço Bororé, prevendo a transposição dos talvegues existentes por pontes/viadutos de tais dimensões que possibilitem a passagem da fauna e o fluxo gênico da mesma, de forma a interligar os fragmentos que serão transpostos pelo empreendimento. Trata-se, claramente, de proposição de alteração de traçado, destinada a implantação de medida mitigadora relativa à fauna. Tratando-se de proposta de traçado deveria ser prévia à análise de viabilidade.

O item 4.5 do mesmo parecer refere-se à compensação Ambiental das áreas de intervenção. Deve o empreendedor informar quais os gestores dos parques a serem criados na Várzea do rio Embu-Mirim, das Unidades de Conservação a serem criadas no município de São Paulo e o gestor da área a ser desapropriada entre o Rodoanel e o braço do rio grande no município de São Bernardo. É certo que um dos principais aspectos envolvidos na criação de Unidades de Conservação é a avaliação da viabilidade de sua gestão, considerando inclusive os vetores de pressão que a área sofre e as condições efetivas, estruturais, físicas e orçamentárias para que se possa garantir a sua efetiva implantação, para que a mesma cumpra as funções para as quais foi criada e não permaneça apenas mais um “parque de papel”, abandonado e sem gestão adequada, como muitas vezes vemos acontecer.

O item 5.7, relativo ao sub-trecho 01 (várzea do Embu- Mirim) exige a apresentação de Projeto e Monitoramento de qualidade e vazão da água antes, durante e após a implantação do trecho sul do Rodoanel; Análise Pluviométrica; Estudo hidrológico (avaliando intensidade, tempo de recorrência, área de contribuição, vazão); Desenho do perfil de escoamento das cheias; Mapeamento geológico e hidrogeológico local; Estudo do afastamento das pistas em relação à várzea. Tais exigências estão vinculadas à diagnóstico de aspectos do meio físico, ainda não disponíveis, que têm influência sobre a avaliação do escoamento das cheias e sobre o afastamento das pistas em relação à várzea , incluindo a necessidade de complementação de estudo de traçado.

O parecer elaborado pelos Assistentes Técnicos do Ministério Público, após análise das condicionantes para licença de instalação impostas no parecer CPRN/DAIA 044/06 conclui (DOC. 30):

“Diante deste quadro, identificam-se lacunas relevantes de diagnóstico ambiental do meio biológico (Resolução Conama 01/86, Artigo 6º), que implicam em deficiências na avaliação de impactos, concepção de medidas mitigadoras, compensatórias e concepção de programas de monitoramento referentes à fauna.

Trata-se de uma confissão explícita que revela o atropelo das avaliações ambientais no âmbito do processo de licenciamento da obra em tela. Assim, manifestamos discordância quanto à premissa adotada pelo DEPRN/SMA e Ibama de que os estudos disponíveis mostraram-se satisfatórios para esta etapa do empreendimento, pois entende-se que tais elementos devem ser discutidos no contexto de avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento, conforme determina a legislação ambiental.”

V – DOS VÍCIOS

Extrai-se da doutrina do Direito Administrativo pátrio que o controle jurisdicional da Administração, via de regra, incide sobre os elementos estruturais do ato administrativo, porquanto a anatomia, estrutura ou elementos constitutivos do ato são traços que podem revelar o defeito ou o vício da medida estatal, eivada de ilegalidade.

O ato administrativo defeituoso na forma é suscetível de apreciação do Poder Judiciário. A forma do ato administrativo tem essencialmente caráter material.

Lembra-nos J. CRETELLA JR., em Controle Jurisdicional do Ato Administrativo, que:

“Numa referência rápida, merece ser recordada a classificação de Meucci, que divide as formas em essenciais, integrais e complementares, segundo exigidas, respectivamente, para dar existência, aperfeiçoar a existência ou para completar o ato[7].

O controle do ato administrativo é amplo no que concerne às medidas defeituosas ou viciosas. Todo ato que não atenda integralmente a forma prescrita em lei e que não contemple todos os elementos deve ser tido como ato imperfeito, vicioso, e, portanto, deve ser reconhecido e declarado nulo ou inexistente, em especial o ato administrativo, que deve ser visto com mais rigor, em face da preservação e proteção do interesse público.

Temos assim que o defeito no ato pode ser constituído pela omissão de seus elementos essenciais ou pela presença de fatos que tornam deficientes os suportes fáticos, fazendo surgir vícios formais, de forma ou de estrutura, determinantes do controle jurisdicional do ato administrativo.

Por outro lado, J. CRETELLA JÚNIOR reconhece nulo o ato jurídico que, por vício essencial, não produz o efeito de direito correspondente.

No caso em tela configura-se o não atendimento formal do EIA/Rima apresentado pela Dersa à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a dispositivos de lei, notadamente à Constituição Federal, à Lei Federal 6938/81 e à Resolução Conama 001/86, uma vez que, dentre os vários aspectos relevantes a considerar na avaliação crítica do referido EIA-RIMA, um dos mais fundamentais é o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, que, ao deixar de atender o disposto no artigo 6°, item I (a,b,c) – haja vista a falta de consistência e insuficiência em sua abordagem de aspectos relativos aos meios físico, biológico e sócio-econômico -, impede o conhecimento amplo sobre as questões; induz em erro todos os participantes de sua discussão e tende a levar a conclusões equivocadas os agentes responsáveis pela aprovação de sua viabilidade.

No estudo das conseqüências que o ato administrativo pode produzir, quando eivado de vício que atua sobre um ou mais elementos que o constituem, relevante é considerar o interesse público afetado.

No caso, como demonstramos acima, verifica-se que os equívocos praticados pelos requeridos levaram a debate público um documento com informações ou estudos insuficientes que, conseqüentemente levaram a conclusões equivocadas, em prejuízo à coletividade, impondo-se submeter ao Poder Judiciário a apreciação de tais equívocos, para corrigi-los a tempo.

Importante reafirmarmos que, de maneira alguma, pretende-se, através da presente ação, que seja declarada judicialmente a inviabilidade do referido empreendimento. Busca-se, apenas, sejam corrigidas as omissões que permearam o processo de licença até agora, em afronta aos dispositivos de lei supra mencionados e ao princípio da informação ambiental. A informação deve ser clara e precisa. Não o sendo, está o documento que a pretende veicular maculado por nulidade, bem como quaisquer deliberações que daí decorram.

Cumpre notar, que Ministério Público tomou anteriormente as medidas cabíveis visando evitar a concessão da licença prévia sem o cumprimento das medidas obrigatórias. Como já mencionado, apontou as deficiências ora alegadas no momento oportuno encaminhando à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e à Dersa solicitação de complementações do Estudo de Impacto Ambiental, o que não foi satisfatoriamente atendido pela Dersa (DOCs. 13, 14 e 33). Outras entidades manifestaram-se no mesmo sentido, por meio de documentos encaminhados ou nas audiências públicas realizadas.


Durante todo o procedimento poderia o empreendedor ter feito as complementações necessárias, posto que alertado das omissões. Ademais, poderiam ter sido formuladas recomendações no parecer técnico do CPRN/DAIA visando à complementação do estudo antes da análise de viabilidade ambiental do empreendimento. Contudo, como tal não ocorreu, encaminhou o Ministério Público Recomendação à Presidência do Consema no sentido de que não houvesse a deliberação do feito no estado em que se encontrava e fosse determinado à Dersa que procedesse à apresentação dos estudos e esclarecimentos faltante (DOC. 31?). Tal Recomendação não foi atendida, razão pela qual este é o momento justo de se sanar os vícios, sob pena de protelar para o futuro medidas que se mostrarão indispensáveis, causando, aí sim, um atraso injustificável na eventual continuidade da obra.

Ressalte-se, por fim, que não se pretende, de nenhuma forma, protelar a decisão sobre a viabilidade da obra nem o seu início, caso seja considerada viável. Pelo contrário, pretende-se a imediata correção de vícios que possam macular todo o restante do procedimento, gerando, no futuro, quando começarem a surgir os problemas que se prevê, paralisações que, estas sim, causarão atrasos nas obras e obviamente gastos indesejados ao Erário.

VI – DA TUTELA ANTECIPADA E DO PEDIDO DE LIMINAR

Desta feita, considerando-se a aplicação plena do princípio da prevenção e a existência de provas inequívocas de que existem irregularidades no Estudo de Impacto Ambiental apresentado, de rigor a concessão de liminar.

Sabe-se que o princípio da prevenção é basilar no Direito Ambiental. Segundo lição de PAULO AFFONSO LEME MACHADO:

“O posicionamento preventivo tem por fundamento a responsabilidade no causar perigo ao meio ambiente. É um aspecto da responsabilidade negligenciado por aqueles que se acostumaram a somente visualizar a responsabilidade pelos danos causados. Da responsabilidade jurídica de prevenir decorrem obrigações de fazer e de não fazer”.

Conforme preleciona JOSÉ RUBENS MORATO LEITE, em recente monografia dedicada ao assunto (Dano Ambiental, RT):

“O dano ambiental, dada a sua complexidade, exige mecanismos processuais céleres, para que a tutela jurisdicional seja mais eficiente, com vistas a atuar de maneira preventiva ou precaucional, evitando a perpetuação do dano ou acautelando-se contra a ameaça” [8]

“Com amparo nestes mecanismos de urgência, por exemplo, caso a parte demandante do dano ambiental demonstre a verossimilhança de que o direito alegado lhe pertence, pode o juiz acautelar este direito ou mesmo os efeitos da pretensão jurisdicional, concedendo-lhe, ainda que provisória e temporariamente, o que foi pleiteado. Frise-se que a maioria absoluta dos danos perpetrados em face do meio ambiente não dá margem a que se aguardem as prestações jurisdicionais definitivas, resultantes do processo de cognição plena, exauriente, sendo necessário, na maioria dos casos, recorrer-se à tutela sumária urgente, com vistas a assegurar a proteção dos interesses protegidos”[9].

Observa IVAN BARBOSA RIGOLIN[10] que:

“No caso da ação ecológica, é vital o exercício da ação cautelar e do pedido de medida liminar que a lei expressamente admitiu, nos arts. 4º e 12, e por mais de uma razão, entre as quais podemos pinçar”:

“– dificilmente serão propostas ações temerárias ou infundadas em defesa do meio ambiente. Quem lesa a natureza sabe que a lesa, que a destrói, e não tem como disfarçar nem reparar, em curto prazo, o mal provocado. A cautelar e a liminar fazem ver, a qualquer predador, que sua atitude desfrutiva, pode ensejar-lhe rápido e triste fim, como todos esperam”;

“- a natureza, dizem, vinga-se de seus agressores com o tempo. Não podem os juristas, como todo o Poder Judiciário e como toda a Nação, entretanto, aguardar placidamente o cumprimento dessa prédica, vendo dia após dia os crimes mais torpes, contra a vida do planeta, serem cometidos e apenas lamentados”.

Os estudos falhos e as deficiências acima invocadas demonstram inequivocamente que o diagnóstico ambiental levado a efeito é falho, o que resulta na invalidade das conclusões dele resultantes, tendo como conseqüência danos irreparáveis ao meio ambiente. Os estudos e correto diagnóstico são medidas de prevenção, na medida em que se prestam a informar corretamente tudo quanto possa ser afetado por conta de tal empreendimento.

Registre-se que a pretensão ora deduzida está escorada em prova inequívoca, constituída de estudos produzidos por entidades governamentais e não governamentais de renome, tais como Secretaria Municipal do Verde e doMeio Ambiente, Conselho Gestor da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, Subcomitê de Bacia Hidrográfica Billings-Tamanduateí, Instituto Sócio Ambiental, Fácula de Arquitetura da Universidade de São Paulo – Laboratório de Habitação e Assentamentos Humano, IPT.

De outra parte, sem a adoção de medidas imediatas, corre-se o risco da ineficácia do provimento final, posto que todo o procedimento de licenciamento da obra foi encadeado com base em EIA/Rima inválido, sendo premente evitar que a licença nele baseada surta efeitos, permitindo a execução de obras sem a correta noção dos riscos que representam para o meio ambiente. Não há como negar o periculum in mora.

Assim, diante da demonstração farta do fumus boni iuris e que o periculum in mora decorre da aprovação do projeto pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente – Consema,, com o reconhecimento de sua viabilidade, independente de estudos mais possibilidade consistentes, o que vicia todo o restante do licenciamento, uma vez que as medidas preventivas, mitigatórias e compensatórias foram baseadas em estudos incompletos e omissos, presentes os requisitos dos artigos 273, 461, § 3º, ambos do CPC, combinados com o artigo 84, § 3º do Código de Defesa do Consumidor e artigo 12 da Lei de Ação Civil Pública, impende requerer a concessão da tutela antecipada, para fim de se determinar de plano à requerida Dersa que patrocine e providencie a complementação efetiva do EIA/Rima, apresentando-o à Secretaria Sstadual do Meio Ambiente, com os estudos imprescindíveis para a discussão pública, obrigatórios pela legislação em vigor.

Bem assim, requer-se ainda, a concessão de LIMINAR para fins de se determinar ao ESTADO DE SÃO PAULO que suspenda o procedimento de licenciamento do empreendimento denominado RODOANEL MARIO COVAS- Trecho Sul, inclusive os efeitos de eventual Licença Prévia que tenha sido concedida, assim como suspenda todos e quaisquer atos e procedimentos de licitação referentes à obra em questão, incluindo a formalização de contratos entre o licitado e a Administração Pública, inexistentes ainda as necessárias licenças ambientais, até apresentação de nova complementação ao EIA que não apresente irregularidades que violem a legislação ambiental em vigor, notadamente o artigo 225, da Constituição Federal, a Lei Federal n°. 6938/81 e a Resolução Conama 01/86.

VII – DOS PEDIDOS

Destarte, demonstrados os fatos e os prováveis danos ao meio ambiente, requer-se a TOTAL PROCEDÊNCIA da presente para:

a) obter a anulação da Deliberação Consema 05/2006, de 22 de fevereiro de 2006 (Processo SMA 13.730/2004) e de eventual Licença Prévia que venha a ser concedida pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente;

b) obter a suspensão do processo de licenciamento e de todos e quaisquer atos e procedimentos de licitação referentes à obra em questão, incluindo a formalização de contratos entre o licitado e a Administração Pública, inexistentes ainda as necessárias licenças ambientais, até apresentação de nova complementação ao EIA que não apresente irregularidades que violem a legislação ambiental em vigor, notadamente o artigo 225, da Constituição Federal, a Lei Federal n°. 6938/81 e a Resolução Conama 01/86;

c) condenar a empresa Dersa S/A em obrigação de fazer, consubstanciada em patrocinar e apresentar complementações aos EIA/Rima ao DAIA – Departamento de Avaliação do Impacto Ambiental, referente ao empreendimento denominado RODOANEL Mário Covas – Trecho Sul, que atendam integralmente a legislação ambiental em vigor, em especial, a Resolução Conama 001/86;

Alternativamente, a título de cautela, caso não sejam deferidos os pedidos supra, requer-se a procedência da presente ação para condenar a empresa Dersa S/A em obrigação de fazer, consubstanciada em patrocinar e apresentar complementações aos EIA/Rima ao DAIA – Departamento de Avaliação do Impacto Ambiental, referente ao empreendimento denominado RODOANEL Mário Covas – Trecho Sul, que atendam integralmente a legislação ambiental em vigor, em especial, a Resolução Conama 001/86, como condicionante da concessão de Licença de Instalação.

VII – DOS REQUERIMENTOS

Requer-se:

1. seja fixado o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia, em caráter de “astreintes”, a serem oportunamente cobrados, em caso de descumprimento injustificado das determinações constantes do pedido de liminar, como previsto no artigo 11, da Lei Federal n° 7347/85;

2. sejam os requeridos citados, concedendo-se ao Sr. Oficial de Justiça responsável pela diligência o elastério temporal de que trata o artigo 172, do Código de Processo Civil;

3. sejam determinadas diligências tendentes à verificação do cumprimento das liminares concedidas;

4. a produção de todas as provas admitidas pela legislação pátria, dentre as quais se destacam as provas pericial e documental e, eventualmente, a prova testemunhal, e todas aquelas não proscritas pela lei processual;

Atribuindo-se à presente o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) para fins fiscais, requer-se seja a presente distribuída, registrada e autuada com os documentos que a instruem.

Termos em que,

pede deferimento.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2006.

CLÁUDIA CECÍLIA FEDELI

Promotora de Justiça


[1] ROLNIK, Raquel. São Paulo, série Folha Explica- Publifolha, ano 2002, pag. 33/34.

[2] Área de Influência Indireta.

[3] DIAS, Cristiano. Água; o petróleo do século 21. Revista Ecologia e Desenvolvimento. Edição 76, Dez/Jan. 2000.

[4] FINK, Daniel Roberto. Reuso de Água. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Saúde Pública/USP- 2003.

[5]RODRIGUES, José Eduardo Ramos, Reserva da Biosefra, in Direito Ambiental das àreas protegidas – O Regime Jurídico das Unidades de Conservação, Coord. Benjamin, Antônio Herman, Editora Forense Universitária, São Paulo, p. 455/457.

[6] Deve-se esclarecer que se trata de 60% dos 7,5% da frota total que são considerados trânsito de passagem, ou seja, haverá um redução de 4,5% do volume de caminhões na cidade de São Paulo.

[7] MEUCCI, Istituzioni, p. 591, Bielsa, Derecho Administrativo, 5a. edição, 1955, Vol. II, citado por J. Cretella Jr, em Controle Jurisdicional do Ato Administrativo, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2001, p. 226

[8] LEITE, José Rubens Morato, Dano Ambiental, Editora RT. São Paulo. P. 257.

[9] Obra citada, p. 260.

[10] RIGOLIN, Ivan Barbosa, em O Estado de São Paulo, 05.01.1986, A Liminar na Ação Ecológica.

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