Invasão no sistema

Operadora não pode cobrar por linha telefônica fraudada

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1 de março de 2006, 14h39

Se não afastar a suspeita de que a linha telefônica foi fraudada por terceiros, a operadora não pode cobrar as contas questionadas pelo usuário. O entendimento é da 1ª Vara Cível de São Paulo ao julgar uma ação da empresa Arcor do Brasil contra a Telesp, atual Telefônica.

O juiz entendeu que como a operadora não descartou a possibilidade de fraude eletrônica e não demonstrou que vem desenvolvendo algum sistema de segurança de combate a hackers não há como cobrar as faturas reclamadas.

A multinacional argentina Arcor entrou com ação contra a Telesp alegando ter recebido faturas exorbitantes em novembro de 1995 de US$ 487 mil e em janeiro de 1996 de US$ 254 mil, que não seriam condizentes com o uso da linha pela empresa. O advogado de defesa da Arcor Cláudio Amauri Bárrios, do escritório Bárrios Advocacia,alegou que a linha é acessada através de um cartão chamado Telecard mediante a digitação de uma senha.Diante do inusitado aumento de ligações internacionais, a sua defesa da Arcor presumiu que o sistema da Telesp teria sido invadido por hackers que tiveram acesso à linha de forma ilícita.

A empresa também afirmou que se as ligações tivessem partido de sua sede, teriam sido identificadas por rastreador, o que não ocorreu, o que confirmaria a cobrança indevida. Para a defesa da Arcor, houve violação do artigo 6.º, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor.O dispositivo diz que : “são direitos básicos do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.” Por isso, pediram para que não fosse exigido o pagamento das contas, e que fosse mantida a decisão liminar para a retirada o nome da empresa do Cadin — Cadastro Informativo dos Créditos e do Banco Central.

A Telesp alegou que seus computadores são de última geração e que o programa teria constatado se tivesse havido fraude eletrônica. Por isso afirma que as ligações partiram do Telecard da empresa e que esta era a única responsável pela guarda da senha. Também alegou que a empresa já tinha negociado o parcelamento da dívida, o que abalaria a verossimilhança da alegação.

O juiz considerou que como os hackers conseguem entrar nos mais diversos sistemas, a hipótese deles terem entrando no sistema da Telesp não pode ser descartada, já que, de acordo com o próprio perito da causa, apesar de não haver interferência dos funcionários da operadora para fazer as chamadas, após a digitação do código secreto em aparelho telefônico, os programadores de software têm conhecimento e podem tê-lo usado indevidamente.

A possibilidade de hackers terem se utilizado do sistema também tomou força com a prova de que a maioria das ligações tiveram origem no exterior e foram dirigidas para diferentes estados, principalmente para Minas Gerais, em Governador Valadares. O juiz entendeu que como não há uma sede da empresa em Minas Gerais é muito provável que essas ligações não tenham sido feitas pela empresa.

Para o juiz “somente é possível concluir pela verossimilhança das alegações do consumidor e hipossuficiência — esta aferida em função da dificuldade na realização da prova, decorrente da desigualdade quanto à detenção de conhecimentos técnicos específicos da atividade do fornecedor.” Por isso, como a empresa de telefonia não conseguiu provar a inexistência de fraude, ela não poderá exigir o pagamento das faturas questionadas.

Leia a íntegra da sentença:

Primeira Vara Cível São Paulo

30/1/2006

583.00.1996.637886-5/000000-000 – nº ordem 0/0 –

Procedimento Ordinário (em geral) – ARCOR DO BRASIL LTDA X TELESP – TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A – Fls. 2347/2357 – CONTROLE Nº 2121: VISTOS. NECHAR ALIMENTOS LTDA. move ação declaratória, sob o rito ordinário, contra TELESP – COMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A, alegando, em síntese, que as partes celebraram contrato de prestação de serviços telefônicos acessíveis com a utilização de cartão denominado TELECARD, vinculado à linha telefônica n.º 93-1990, que permite a realização de chamadas telefônicas de diversos terminais, mediante a digitação de senha secreta.

Alega que, em novembro de 1.995, recebeu a nota fiscal fatura relativa às ligações realizadas no mês anterior, constatando a indevida cobrança de US$ 487.909,85, e, não obstante a impugnação administrativa às chamadas telefônicas internacionais, bem como a suspensão do serviço de crédito, recebeu, em janeiro de 1.996, nota fiscal fatura com valor equivalente a US$ 254.219,89, cuja cobrança também considera abusiva. Aduz que, após a contratação do sistema de crédito via Telecard, não houve alteração substancial no número de chamadas internacionais, o que, aliado à incompreensível sobreposição de ligações, permite concluir pela fraude eletrônica, praticada por `hackers`, hipótese também considerada pela empresa ré, que deu início a pesquisa interna com a finalidade de identificar os responsáveis pela utilização do cartão telefônico, sem êxito.


Afirma, ainda, que se as ligações tivessem partido de sua sede, teriam sido identificadas por `rastreador` , o que não ocorreu, a confirmar a conclusão de indevida cobrança. Aponta a infração, pela empresa ré, ao artigo 6.º, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor, ante a ineficácia do serviço prestado, não se sustentando a alegação de culpa exclusiva, fundada na indevida divulgação da senha secreta de acesso, o que foi suscitado na ação cautelar, na qual foi concedida liminar para o cancelamento do registro desabonador lançado, a pedido da ré, pelo CADIN/BACEN. Termina por requerer a procedência da ação, com a declaração da inexigibilidade dos débitos lançados nas faturas com vencimentos em dezembro de 1.995 e janeiro de 1.996, relativos à utilização do Telecard,e, conseqüentemente, a confirmação da liminar concedida na ação cautelar, além da condenação da ré no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.

Com a inicial (fls. 2/9), vieram documentos (fls. 10/1.266).

A ação principal foi ajuizada no prazo do artigo 806 do Código de Processo Civil. Citada (fls. 1.269v.º), a ré ofereceu Contestação, requerendo, preliminarmente, a inclusão da EMBRATEL no pólo passivo, na condição de litisconsorte necessária, por ser ela responsável pelo direcionamento das ligações internacionais impugnadas pela autora. Levantou, como questão prévia, a inépcia da petição inicial, ante a impossibilidade jurídica do pedido.

No mérito, sustentou a falta de verossimilhança na alegação de não realização de chamadas telefônicas no período compreendido entre dezembro de 1.995 e janeiro de 1.996, e, que os seus computadores são de `última geração`, o que possibilitaria pronta constatação de fraude eletrônica, concluindo que as ligações partiram, efetivamente, do Telecard disponibilizado à autora, exclusiva responsável pela guarda do código sigiloso que pemite a sua utilização.

Aduziu, ainda, que a autora, esclarecida sobre os termos da contratação, concordou com o parcelamento da dívida, não concretizado, o que também abala a verossimilhança da alegação de indevida cobrança. Apontou a presunção de veracidade que emana dos lançamentos telefônicos, pois se trata de concessionária de serviço público, terminando por requerer a improcedência da ação, com a condenação da autora no pagamento de custas e despesas processuais e honorários advocatícios (fls. 1.271/1.279).

Vieram documentos (fls. 1.280/1.341). Réplica (fls. 1.343/1.346), instruída com documentos (fls. 1.347/1.353). Instadas à especificação de provas (fls. 1.356), manifestaram-se as partes (fls. 1.357/1.358 e 1.360). Designada audiência preliminar, a propostra conciliatória restou infrutífera (fls. 1.370). Saneado o feito, foi determinada a produção de prova pericial (fls. 1.376v.º). O pedido de inversão do ônus da prova foi indeferido (fls. 1.447/1.447v.º). Apresentado o laudo pericial (fls. 1.476/1.857), pronunciou-se o assistente técnico da ré (fls. 1.861/1.884). A autora deixou transcorrer, in albis, o prazo para manifestação (fls. 1.892).

Designada audiência de instrução, debates e julgamento, o ato processual foi redesignado, por iniciativa da autora, que requereu a intimação do perito judicial para esclarecimentos (fls. 1.900/1.901). O pedido de exibição de documentos, formulado pela autora (fls. 1/903/1904), foi indeferido (fls. 1.906). Contra a r. decisão foi interposto Agravo Retido (fls. 1.925/1.931). Em cumprimento de determinação judicial, a autora apresentou o requerimento de esclarecimentos periciais na forma de quesitos (fls. 1.912/1914). Adiada a audiência de instrução, debates e julgamento (fls. 1.936/1.937), o perito judicial prestou esclarecimentos (fls. 1.938/1.945). A empresa ré requereu o encerramento da instrução e o julgamento no estado do processo (fls. 1.951). O expert respondeu aos quesitos complementares formulados pela autora (fls. 1.959/ 1.970) e pela ré (fls. 2.138/2.154) Veio, aos autos, informação da Telebrás, relativa a eventuais registros de fraudes em seus sistemas (fls. 2.131). Ratificadas as conclusões periciais (fls. 2.336/2.339), as partes se manifestaram em alegações finais (fls. 2.341/2.342 e 2.344). A alteração da denominação social da autora para ARCOR DO BRASIL LTDA. foi anotada, retificando-se o pólo ativo.

É o relatório.

DECIDO.

De início, observo que as partes bem se ajustam aos conceitos de consumidor e fornecedor insculpidos nos artigos 2.º e 3.º do Código de Defesa do Consumidor,de inteira aplicação à questão sub judice. A matéria, de direito e fática, está suficientemente dirimida, o que possibilita o julgamento antecipado da lide, nos moldes do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, devendo ser ressaltado que a empresa ré renunciou, expressamente, ao direito de produzir prova oral, ao passo que a autora não revelou interesse na designação de audiência de instrução e julgamento.


A autora sustenta a pretensão declaratória na fraude eletrônica, consubstanciada na utilização de código sigiloso por `hackers`, que, ardilosamente, ingressaram no sistema computadorizado da ré, efetuando inúmeras chamadas internacionais, e, na infração ao direito básico à prestação de adequado e eficaz serviço público, contemplado pelo artigo 6.º, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor. Em Contestação, a ré confirmou a possibilidade de ocorrência de fraude eletrônica e a preparação de seus técnicos para constatá-la, impugnando, entretanto, tenha ela ocorrido na utilização do Telecard disponibilizado à autora, que, no seu entender, não envidou o necessário cuidado na manutenção da senha eletrônica. Fixados os limites da controvérsia, de rigor a procedência das ações cautelar e principal.

A ré não descarta a possibilidade de fraude eletrônica, e, tampouco a necessidade de desenvolvimento de setor técnico destinado a combatê-la; aliás, conclusão inversa estaria em descompasso com a notória audácia dos `hackers`, que, dia após dia, mediante o emprego de métodos praticamente indecifráveis, invadem sistemas computadorizados, inclusive os reconhecidamente seguros, muitas das vezes com a finalidade de reunir dados para utilização em milionárias fraudes, o que, aliás, foi demonstrado, no curso do processo, pela autora, que promoveu a juntada de inúmeras matérias jornalísticas noticiando tal comportamento. Ademais, questionado sobre a possibilidade de apoderamento indevido do código de acesso por fraudores, o expert, após realizar aprofundada perícia nos equipamentos e sistemas computadorizados utilizados pela ré, concluiu que `… está provado que algumas pessoas (hackers) conseguem acessar os sistemas mais seguros do mundo (Nasa, Pentágono, Vaticano, etc.). Portanto, não se descarta essa hipótese, mesmo porque, em telefonia, utilizando-se de equipamentos conhecidos como `examinadores de linha`, tal fato é perfeitamente viável ` (fls. 2.141/2.142). Vê-se, portanto, que a alegação de cobrança indevida de chamadas internacionais, decorrentes de fraude eletrônica, é extremamente verossímil e conta com o amparo de conclusões técnicas e da notoriedade da ação fraudulenta dos `hackers`. Além disso, o perito judicial esclareceu que, apesar de não haver interferência dos funcionários da ré na realização das chamadas, após a digitação do código secreto em aparelho telefônico, os programadores de software, unidos em vínculo empregatício à ré, dele têm conhecimento (fls. 2.141), e, portanto, podem tê-lo usado indevidamente. Descarta-se, assim, a alegação de culpa exclusiva do consumidor pelo evento danoso, que, ademais, deveria ter sido provada durante a instrução probatória, o que não ocorreu, o mesmo se podendo dizer da realização de chamadas internacionais em benefício da autora, tendo em vista o insucesso do rastreamento realizado, administrativamente, pela ré, e, ainda, a conclusão do expert de que a maioria das ligações tiveram origem no exterior e foram dirigidas para diferentes estados, principalmente para Minas Gerais (Governador Valadares), acrescentando, ainda, que houve ligações do exterior para um terceiro país, e, que a identificação da origem das chamadas internacionais se mostrou inviável (fls. 1.504/1.506). Evidente, portanto, que não há certeza de efetiva utilização do Telecard pelos prepostos da autora – que, ao que tudo indica, não tem ramificação em Minas Gerais -, e, tampouco da má conservação da senha de acesso, tendo em vista a variedade das formas de utilização do sistema telefônico, apontada no laudo pericial. Coloco em relevo que a ré, em momento algum, impugnou, especificamente, a alegação da autora de que, no período da cobrança questionda, houve anormal realização de chamadas internacionais e suspeita simultaneidade das ligações, mesmo após a suspensão do serviço contratado, fatos que constituem, de forma inequívoca, fortes indícios de fraude.Limitou-se a considerar absurda a afirmação de que não houve utlização do Telecard em dezembro de 1.995 e janeiro de 1.996 . E, neste diapasão, observo que a probabilidade de ter ocorrido fraude eletrônica e a dificuldade enfrentada pelo consumidor na produção de prova que a confirme ensejam a aplicação da regra de julgamento contida no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Processo Civil, que permite a inversão do ônus da prova em caso de verossimilhança das alegações do consumidor e prova de sua hipossuficiência na relação de consumo, cumprindo ressaltar que tal conclusão não está em descompasso com a r. decisão de fls. 1.447/1.447v.º que fez expressa referência à falta de preenchimento dos requisitos legais ensejadores da inversão, naquele momento processual, situação que não mais persiste. Além disso, pesem opiniões em sentido contrário, perfilho do entendimento de que a inversão do ônus da prova é regra de julgamento, a ser aplicada na sentença, após a concessão de oportunidade, a ambas as partes, de produção de provas hábeis à sustentação das teses desenvolvidas no curso do processo. Isto porque, de ordinário, somente é possível concluir pela verossimilhança das alegações do consumidor e hipossuficiência – esta aferida em função da dificuldade na realização da prova, decorrente da desigualdade quanto à detenção de conhecimentos técnicos específicos da atividade do fornecedor -, após o encerramento da instrução, situação que se revela nestes autos. Feitas tais considerações, concluo que a ré não se desincumbiu de provar a inexistência de fraude, o que caracteriza, a toda evidência, defeito do serviço prestado, e, conseqüentemente a sua inadequação e ineficácia, e, tampouco, a culpa exclusiva dos responsáveis legais da autora pela indevida divulgação do código sigiloso, o que seria indispensável à exclusão de sua responsabilidade, conforme preceitua o artigo 14, parágrafo 3.º, do Código de Defesa do Consumidor. Corolário de tais sucessos é a declaração do non liquet probatório em desfavor da ré, o que conduz ao acolhimento da pretensão declaratória, fundada na ocorrência de fraude eletrônica, que abala a presunção de legitimidade da cobrança realizada pela ré, concessionária de serviço público. Em remate, observo que a autora, na petição inicial, requereu a declaração da inexigibilidade dos valores controversos lançados nas notas fiscais de dezembro de 1.995 e janeiro de 1.996, relativos às chamadas internacionais, ao que se limita o pronunciamento judicial, sob pena de indevida prolação de sentença ultra petita. Pelo exposto, e por tudo o que mais dos autos consta, julgo PROCEDENTE a ação declaratória ajuizada por ARCOR DO BRASIL LTDA. contra TELESP – TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A para o fim de declarar inexigíveis os valores lançados nas notas fiscais referentes aos meses de dezembro de 1.995 e janeiro de 1.996, decorrentes da utilização do Telecard vinculado à linha telefônica n.º 93-1990 para a realização de chamadas internacionais impugnadas, administrativamente, antes do ajuizamento das ações, tornando definitiva a medida liminar concedida nos autos da ação cautelar, que julgo PROCEDENTE, extinguindo, via de conseqüência, o processo, com julgamento de mérito, nos termos do artigo 269, inciso III, do Código de Processo Civil. Ante a sucumbência, nas ações cautelar e principal, condeno a ré no pagamento de custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados, com fundamento no artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil, em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), tendo em vista a complexidade e a importância da causa e o extremo zelo profissional do advogado da autora durante o longo trâmite processual. . Certificado o trânsito em julgado, comunique-se ao CADIN/BACEN a confirmação da liminar, para o cancelamento definitivo da restrição, e, levante-se a caução.

Custas na forma da lei.

P. R. I.C.

FLs. 2358: Vistos. Considerando o disposto no art. 4º, §2º da Lei 11.608/03, e a prolação de sentença ilíquida, fixo por eqüidade, o valor do preparo, em 2% do valor atualizado da causa, ou seja R$ 28.133,20. Int. Custas de porte de remessa e retorno no valor de R$ 17,78 por volume. – ADV CLAUDIO AMAURI BARRIOS OAB/SP 63623 – ADV ERIKA SILMARA ORLANDIM OAB/SP 206424 – ADV WILLIAN MARCONDES SANTANA OAB/SP 129693 – ADV HUMBERTO CHIESI FILHO OAB/SP 173160 – ADV VANESSA VIEIRA GOBBI OAB/SP 149612 – ADV ANA REGINA MARTINHO GUIMARAES OAB/SP 144124

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