Fila em bancos

Juiz suspende lei que limita tempo de atendimento em bancos

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31 de maio de 2006, 17h47

O juiz Marcelo Sergio, da 2a Vara da Fazenda Pública de São Paulo, deu liminar que desobriga as agências bancárias paulistanas de atender os usuários em, no máximo, 15 minutos em dias normais. Cabe recurso.

A decisão atendeu a pedido de liminar em Mandado de Segurança ajuizado pela Febraban — Federação Brasileira de Bancos contra a Lei Municipal 13.948/05, regulamentada pelo Decreto 45.939/05, ambos de São Paulo.

De acordo com as duas normas, os bancos eram obrigados a colocar à disposição dos usuários pessoal suficiente no setor de caixas para que o atendimento fosse feito no prazo de 15 minutos em dias normais, 25 minutos às vésperas e após os feriados prolongados, e em 30 minutos nos dias de pagamento dos funcionários públicos municipais, estaduais e federais.

Com a liminar ficam suspensas as infrações autuadas até 120 dias da data da impetração. A liminar acata os argumentos de que a instituição financeira não tem como prever o tempo de espera e que somente os bancos são obrigados a cumprir a determinação, e não outros estabelecimentos particulares e públicos.

Leia a integra da decisão

Vistos.

A FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos – impetra mandado de segurança coletivo contra atos dos Subprefeitos e dos Chefes da Fiscalização das Administrações Regionais de Vila Mariana, Vila Prudente, Vila Maria, Vila Guilherme, Campo Limpo, Pirituba, Perus, Socorro, Santana e Tucuruvi, São Mateus, Freguesia e Brasilândia, Casa Verde e Cachoeirinha, Tremembé e Jaçanã, Lapa, Sé, Butantã, Pinheiros, Ipiranga, Santo Amaro, Jabaquara, Cidade Ademar, M’Boi Mirim, Parelheiros, Penha, Ermelino Matarazzo, São Miguel, Itaim Paulista, Moóca, Aricanduva, Itaquera, Guainases e de Cidade Tiradentes, na defesa dos associados da Impetrante, todos instituições financeiras com agências para atendimento ao público no Município de São Paulo, com o objetivo, em síntese, de afastar as sanções, pretéritas ou futuras, decorrentes do descumprimento da Lei Municipal nº 13.948, de 20 de janeiro de 2005, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 45.939/2005.

Segundo entende a Impetrante, somente o Conselho Monetário Nacional teria atribuição para estabelecer o funcionamento e para fiscalizar as instituições financeiras, conforme dispõe a Lei nº 4.565/64 (Lei da Reforma Financeira), recepcionada pelo art. 192, da Constituição da República como lei complementar. Ademais, na visão da Impetrante, as atividades dos estabelecimentos bancários, e tudo mais que diz respeito ao seu funcionamento, estaria inserida na competência legislativa exclusiva da União, não havendo possibilidade de legislação estadual ou municipal disciplinar a matéria. Seria, ainda, inadmissível que o legislador venha a editar leis materialmente impossíveis, na medida em que não haveria como, no caso da lide, estabelecer o tempo máximo de permanência em fila bancária. A lei impugnada também arranharia ao princípio isonômico, porque somente afetaria as agências bancárias, dispensando do cumprimento outros estabelecimentos particulares e públicos.

Dizendo a Impetrante que seus associados estão sendo autuados e que, por isso, estão sendo obrigados ao recolhimento das multas, sob pena de inscrição em cadastro de proteção ao crédito, que acarretaria restrições perante o BACEN, pretende a concessão de liminar para suspender os autos de infração já lavrados e para que cesse as autuações com base na lei ora impugnada.

É o relatório preliminar.

Decido.

1. Dispõe a Lei Municipal nº 13.948/2005: Art. 1º. Ficam as agências bancárias e demais estabelecimentos de crédito do Município de São Paulo obrigados a colocar à disposição dos usuários pessoal suficiente no setor de caixas, para que o atendimento seja feito em prazo hábil, respeitada a dignidade e o tempo do usuário. Art. 2º. Para os efeitos desta lei, entende-se como tempo hábil para o atendimento o prazo de até: I- 15 (quinze) minutos em dias normais; II- 25 (vinte e cinco) minutos às vésperas e após os feriados prolongados; III- 30 (trinta) minutos nos dias de pagamento dos funcionários públicos municipais, estaduais e federais, não podendo ultrapassar esse prazo, em hipótese alguma. … Art. 3º. As agências bancárias e demais estabelecimentos de crédito têm o prazo de 120 (cento e vinte) dias para dar cumprimento ao disposto nesta lei, ou seja, para instalar relógio de ponto em suas dependências, para uso de seus clientes, registrando a hora de entrada do contribuinte e seu tempo de permanência nas filas. Art. 4º. O descumprimento das disposições contidas nesta lei acarretará ao infrator a imposição de multa no valor de R$ 564,00 (quinhentos e sessenta e quatro reais), dobrado em caso de reincidência.

2. O fato de caber à União legislar sobre o sistema financeiro, não exclui a competência do Estado em matéria de direitos dos consumidores, sobretudo quando a norma apenas pretende disciplinar regra que possibilite conforto ao consumidor. Aliás, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que não invade a esfera do ente federal a norma que se limita a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento na prestação de serviços ao consumidor-cliente, e não a dispor sobre a política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores (art. 22, VII), nem a regular organização, funcionamento atribuições de instituições financeiras, bem como não envolve transgressão de competência do Congresso Nacional para tratar sobre matéria financeira e funcionamento das instituições financeiras (art. 48, XIII) e tampouco refere-se à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do art. 192 da CRFB, será regulada por lei complementar (cf. RE nº 432.789, Rel. Min. Eros Grau; AgReg no RE nº 312.050-6, Rel. Min. Celso de Mello, e decisões monocráticas do Min. Celso de Mello, proferidas em Ação Cautelar nº 767-4 e RE nº 251.542-6).

O Supremo, inclusive, tem entendendo que não há invasão de competência legislativa a lei que obrigue a instalação em instituição bancária de equipamentos de segurança e conforto, tais como bebedouros (RE 208.383/SP, Rel. Min. Néri da Silveira).

Em suma, o município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes. (AI 347.717-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello).

3. Entretanto, neste primeiro exame, parece que, efetivamente, a matéria tratada na lei seria de execução difícil, ou até impossível, na medida em que não haveria como estabelecer, para todos os dias, independentemente de eventuais anormalidades, qual seria o tempo máximo que o consumidor deveria ser atendido. Muito embora seja até possível dizer qual o tempo razoável para atendimento dos consumidores – e nisso parece que a norma não transborda o princípio da razoabilidade – não é possível ao legislador prever acontecimentos futuros e incertos.

Ninguém refuta que os estabelecimentos bancários devem garantir a segurança de seus clientes enquanto esses estiverem em suas agências. Mas, seria possível ao legislador editar lei que estabeleça que os estabelecimentos bancários devem evitar o cometimento de crimes em suas agências? Seria possível ao legislador antever que, em determinado dia, um cliente apresentará inúmeros documentos para depósito, ou pretenderá pagar determinada conta com a utilização de inúmeras moedas? Seria possível ao legislador disciplinar que, a partir do momento que o cliente adentra na agência, se dirigirá imediatamente à fila do caixa, sem, antes, formular alguma consulta ao gerente? Até mesmo questões de ordem psicológicas podem retardar o andamento da fila, como, por exemplo, o cliente aposentado e sozinho que espera um pouco mais de atenção as suas opiniões sobre o cotidiano.

Sobre esse enfoque, o parecer do Prof. José Afonso da Silva parece pertinente: … não seria possível imaginar que o Direito tivesse a capacidade de tornar possível o impossível e, ainda, impor punições para aqueles que não se adequarem à nova ordem fática definida por ele. Como se quis demonstrar, o fato de a clientela ser aquilo que se chamou de sistema aberto, e de o cliente ser aquilo que se denominou de objeto dinâmico, impossibilita qualquer forma de previsão acerca do desenvolvimento e da velocidade de um sistema de espera, seja ele baseado em filas ou em distribuição de senhas.

Como as necessidades de cada cliente são impossíveis de serem previstas, pouco ou nada se pode fazer para prever também o tempo que decorrerá até que uma fila de 3 ou de 30 pessoas seja atendida. Com isso, qualquer forma jurídica de domar algo que nem ao mesmo especialistas em simulação conseguem fazer com precisão seria no mínimo temerário. A partir daí se concluiu que a impossibilidade empírica levaria, necessariamente, a uma impossibilidade também jurídica de regulação do tempo de espera em filas de banco.

4. Ao que parece, então, ao considerar essas ponderações, os estabelecimentos bancários somente teriam ingerência sobre o número de funcionários das respectivas agências, não sendo possível ao Banco antever as inúmeras variáveis que poderiam ocorrer ao longo de um dia de atendimento ao público (número de pessoas a serem atendidas em determinado período do dia; número de operações bancárias que cada cliente realiza em uma única ida ao Banco; tempo para a conclusão das operações solicitadas pelos clientes; problemas relacionados à forma de pagamento; além de acontecimentos esporádicos como greve do serviço de transportes; falta de energia elétrica; queda da rede de comunicação; etc.).

Nessa linha de entendimento, pondera o Prof. Marco Aurélio Greco: … pretender impor uma exigência voltada a apenas uma das variáveis relevantes, sem que se regulem as demais e quando algumas destas são fruto do exercício de direitos individuais, é veicular uma previsão, quando menos, funcionalmente irrazoável, pois não há um nexo de causalidade direta e exclusiva (ou, pelo menos, predominante) entre o número de funcionários e o tempo para o público ser atendido. Seria, talvez, razoável que a lei estabelece, de acordo com o número de clientes que possui determinada agência, ou em razão do local estabelecido, por exemplo, o número de funcionários dedicados ao atendimento ao público.

5. Razoável, ainda, a tese de ofensa ao princípio da isonomia, na medida em que a lei somente afeta um determinado seguimento comercial, sem que se tenha justificativa concreta que convença que somente os estabelecimentos bancários mereçam ser afetados, com exclusão de outros estabelecimentos comerciais, como supermercados, aeroportos, espetáculos, e também com exclusão dos estabelecimentos públicos municipais, como postos de saúde e hospitais municipais, por exemplo, e dos serviços públicos municipais, como os serviços de transporte.

6. O periculum in mora é justificável, em razão de os associados, se autuados, ficarão sujeitos ao solve et repete – infindável, sobretudo quando o devedor é a Municipalidade de São Paulo – ou ficarão sujeitos às conseqüências da inadimplência, com possibilidade de restrições determinadas pelo BACEN. Com esses fundamentos, concedo a liminar, para suspender a aplicação da Lei Municipal nº 13.948/2005 e do Decreto nº 45.939/2005, ficando suspensos também os efeitos das infrações autuadas até 120 (cento e vinte) dias da data da impetração.

Tendo em vista o número elevado de autoridades administrativas, o que poderá gerar dificuldades para o regular andamento do feito, determino à Impetrante que promova a citação da Municipalidade de São Paulo, para integrar o pólo passivo da impetração e para apresentar a defesa ao ato impugnado, dispensando as autoridades apontadas como coatoras da prestação de informações, até porque, segundo a doutrina, Lucia Figueiredo e Sergio Ferraz, por exemplo, parte no mandado de segurança é o ente público a que pertence a autoridade coatora.

De todo modo, deverão as autoridades indicadas na inicial ser notificadas para cumprimento da decisão, devendo a Impetrante providenciar cópias suficientes da inicial e da presente decisão para instrução dos ofícios e do mandado de citação. Apresentada a defesa pela Municipalidade, ao Ministério Público.

Intimem-se.

São Paulo, 9 de maio de 2006 (18:00 horas).

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