Privilégio de Suzane

Não existe lei que institua a prisão preventiva domiciliar

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30 de maio de 2006, 7h00

Na última sexta-feira (26/05), a 6ª Turma do STJ acolheu pedido em Habeas Corpus autorizando a saída do presídio de Suzane Louise von Richthofen, 22 anos, assassina confessa dos pais Manfred e Marísia von Richthofen, para que ela fique temporariamente em regime de prisão domiciliar.

A 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negara a concessão do benefício. A defesa também espera que, caso seja condenada, Suzane fique fora da prisão até o trânsito em julgado de todos os recursos.

Estudante universitária, mulher ambiciosa, Suzane ajudou a assassinar os pais para usufruir da herança com Daniel Cravinhos, o namorado marginal. Eles simularam um assalto para desviar o foco da Polícia.

Os irmãos Cravinhos irão a júri popular na próxima segunda-feira (5/06) e responderão por duplo homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, com a utilização de meio cruel e impossibilidade de defesa das vítimas.

Suzane esteve presa no Centro de Ressocialização de Rio Claro, no interior de São Paulo, e deixou a prisão no final da tarde de segunda-feira (29/05). Ao final de fevereiro último, procurou a Justiça pedindo para se tornar a gerente do patrimônio dos pais assassinados. O pedido ataca seu irmão, Andreas, duramente, dizendo que ele cuida dos bens com total descaso e desleixo, agindo com patente má-fé, tentando manipular o Judiciário.

Segundo o Ministério Público, Andreas corre risco de morrer, já que é inventariante, administrador dos bens dos pais e autor da ação de exclusão de herança, além de testemunha no processo-crime. Ou seja, ele se tornou um obstáculo vivo para que ela alcance seu objetivo, que é dinheiro.

Segundo consta, havia ameaças a Andreas. Aliás, a Promotoria de Justiça enfatizou que Suzane estaria prestes a fugir do país, visto que nos nove meses em que esteve em liberdade provisória tentou até conseguir cidadania na Alemanha.

Sob a repercussão do caso de Suzane, uma jovem manipulada por seus advogados — um dos quais membro da Comissão de Ética da OAB-SP — a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, cujo presidente é o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), elaborou projeto de lei que impede herança para assassinos dos pais.

Suzane teve a prisão preventiva decretada após quase um ano de liberdade. O mandado atendeu a pedido do MP e foi feito com base em reportagem publicada em 8 de abril, informando que ela queria “cuidar” do patrimônio da família.

No dia seguinte, 9 de abril, orientada expressamente pelos advogados, Suzane, entrevistada à Globo, simulou chorar 11 vezes e tentou parecer uma criança traumatizada. A OAB-SP poderá, inclusive, instaurar sindicância para avaliar a atuação dos advogados dela, flagrados orientando-a a chorar em frente às câmeras, na entrevista que ela deu ao Fantástico e à Veja, podendo, ambos, serem alcançados com penalidades do Código de Ética e Disciplina da OAB, além das sanções estatuídas na Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

A meu sentir, o STJ optou por uma medida incomum, excepcional, ao conceder a Suzane o benefício da prisão domiciliar, visto que somente é admissível o recolhimento do beneficiário de regime aberto, em residência particular, quando se tratar de réu já condenado (artigo 117 da Lei 7.210/84).

A concessão do benefício de prisão domiciliar institui situações subjetivas de vantagem, que apenas beneficiam réus já sentenciados cujas condições pessoais ali estejam expressamente previstas. Não existe autorização legal para o Judiciário conceder a prisão domiciliar fora das hipóteses contempladas em lei. A réu sentenciado não é dado escolher onde cumprir sua pena, eis que condenado, pouco importando sua qualificação.

A pena possui um caráter retributivo e a prisão domiciliar torna a sanção totalmente inócua, ensejando na população — além da sensação de impunidade — o sentimento de que somente pessoas pobres recebem pena privativa de liberdade. Além do mais, a concessão do benefício da prisão domiciliar por meio de Habeas Corpus não é a via adequada para examinar essa pretensão. Contra as decisões proferidas em sede de execução criminal, o recurso cabível é o de agravo (artigo 197, da Lei da Execução Penal).

Suzane Louise von Richthofen ainda não implementou o requisito objetivo para a concessão desse benefício. Ainda sequer foi a julgamento. Falta-lhe substrato jurídico para a pretendida prisão domiciliar.

Não existe no Código Penal Brasileiro a “prisão preventiva domiciliar”. Se Suzane obteve algo que a lei não prevê, indiscutível que obteve um privilégio.

Ademais, a concessão de tal benefício aumenta as chances de Suzane permanecer em liberdade mesmo que seja condenada. E se ela fugir?

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