Papel da Justiça

Cortes deveriam se dedicar à formulação de doutrina, diz Gandra

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30 de maio de 2006, 18h33

Em matéria tributária, as alterações de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça não podem ter aplicação imediata. A opinião é de Ives Gandra Martins, um dos maiores tributarista brasileiros, durante o painel O papel da Justiça e as dificuldades no combate à concorrência desleal no seminário do Etco — Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, na segunda-feira (29/5), em São Paulo.

Para o especialista, a dificuldade de formular doutrinas faz do Poder Judiciário um instrumento de insegurança jurídica. Por esse motivo, Gandra defende que as cortes superiores brasileiras só se pronunciem sobre grandes questões, o que traria mais estabilidade nas decisões. O ministro teria tempo para analisar de forma mais profunda as questões e para decidir com mais precisão, esclareceu o especialista.

De acordo com Ives Gandra, as decisões são tomadas pelos assessores dos ministros e não por eles mesmos, já que não têm como julgar tamanha demanda. “O Supremo Tribunal Federal deveria harmonizar as jurisprudências e não agir como 3ª instância”, criticou o tributarista, e acrescentou que “uma corte constitucional traria estabilidade jurídica”.

Ives Gandra Martins criticou a falta de definição para práticas que, segundo ele, permitem toda espécie de concorrência desleal e dificulta soluções como o caso da regionalização do ICMS, do Crédito Prêmio do IPI e a Guerra Fiscal, travada entre União e estados.

Em relação à guerra fiscal, o tributarista afirmou que “os estados têm plena consciência de que estão violentando a Constituição”, mas fazem isso porque a União não desenvolve políticas regionais, como antigamente fazia. “Sem políticas regionais, eles não tem como atrair investimentos, que são necessários para gerar empregos. Então, preferem sacrificar a receita tributária, trazendo empresas de outros estados para gerar desenvolvimento”, concluiu.

Em sua opinião, o grande problema da questão tributária é a complexidade. Por isso, defendeu medidas como o lucro presumido, com um teto superior, o que reduziria a sonegação de forma relevante.

Hamilton Dias de Souza, membro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da Fiesp, compartilha da mesma opinião. Para ele, “a evasão tributária afeta a livre concorrência”.

Em sua apresentação no painel, Souza citou o sistema tributário adotado pelo estado de São Paulo, em que as empresas têm de escolher entre dois: o sistema Simples e o do Lucro Presumido. Segundo ele, “esse sistema foi bem-sucedido e mudou de forma dramática a forma de pensar dos empresários”, mas acredita que o ideal seria um meio termo entre os dois sistemas.

O conselheiro da Fiesp — Federação das Indústrias do Estado de São Paulo recriminou o abuso na concessão de liminares às empresas sonegadoras que, segundo Hamilton Dias de Souza, criam profundos reflexos na concorrência. E sugeriu alteração na Lei 8.437/92 para que esteja prevista a suspensão da liminar em casos de graves desvios de tributos, que interferem na livre concorrência. Em relação a Guerra Fiscal, ele acredita que o Supremo Tribunal Federal deveria dar prioridade nos julgamentos.

Seguindo outra linha, Ary Oswaldo Mattos Filho, diretor do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas, acredita que decisões sobre questões tributárias deveriam ser tomadas apenas na esfera administrativa. Dessa forma, segundo ele, o julgamento das matérias seria mais rápido e a demanda ao Judiciário seria menor.

No entanto, essa medida dependeria de que os tribunais administrativos não sofressem mais influência do Poder Executivo e de uma mudança constitucional. Segundo Ary Oswaldo, essa mudança só não interessaria “aos que jogam na demora da solução para ter um proveito econômico”, questão que também foi muito criticada durante todo os painéis do seminário.

Ao final, quando questionado sobre o entupimento no Tribunal de Justiça de São Paulo, disse que a corte “está falida” por não ter estrutura para atender toda a demanda que recebe. Segundo Ary, a grande demanda é decorrente de um aumento da população, que saiu da zona rural para urbana e aderiu ao consumo de massa. Entretanto, criticou o comodismo da população brasileira, pois segundo ele, depende dela a resolução do problema.

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