Preço de generalizar

CBN é condenada a indenizar delegados por declarações de Cony

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29 de maio de 2006, 21h04

A rádio CBN, das organizações Globo, foi condenada a pagar indenização para delegados da Polícia Federal por declarações do jornalista Carlos Heitor Cony consideradas ofensivas. Cony disse, no programa Liberdade de Expressão, em fevereiro de 2005, que a PF ou é ineficiente ou é corrupta.

Foram duas condenações impostas à rádio. Em uma delas, o juiz Maury Ângelo Bottesini determinou que a CBN pague R$ 100 para cada um dos cinco delegados que entraram com a ação. Já o juiz Guilherme Madeira Dezem fixou em R$ 5 mil a indenização para o único membro da PF autor do pedido.

A diferença do valor das indenizações é explicável já que cabe a cada juiz fixar o montante. Para o juiz Bottesini, os R$ 100 para cada um dos autores da ação é suficiente por dois motivos. Primeiro, porque eles não procuram enriquecimento, mas inibir a repetição da conduta. Segundo, porque, no seu entendimento, todos os milhares de servidores da Polícia Federal teriam direito à indenização, já que todos foram ofendidos. Por isso, o valor, se somado, alcançaria proporções enormes e, consequentemente, seu objetivo de inibir condutas semelhantes à de Cony.

O juiz negou o pedido dos delegados para que a rádio fosse obrigada a divulgar a sentença de condenação. Segundo ele, isso só relembraria as ofensas à PF e despertaria o interesse de outros servidores, que não se sentiram ofendidos, a buscar a indenização.

Ambas as ações foram motivadas por declarações de Cony ao comentar a morte da missionária norte-americana Dorothy Stang. “A verdade é essa, não é? O que a gente sabe da Polícia Federal é que, quando não é ineficiente, ela é corrupta. Então, realmente, não dá nenhum garantia”, disse Cony à rádio. Para os juízes, as frases foram ofensivas e agrediram a honra da corporação e, consequentemente, dos seus integrantes.

Marcelo Habis, advogado da Globo, afirmou que já são 48 ações contra a rádio CBN por conta das declarações de Cony. Segundo ele, mais de 30 já foram sentenciadas e apenas estas duas no sentido de condenar a ré. Ele afirmou que já apresentou recurso contra uma das condenações, que beneficia um servidor só, e deve entrar, nesta terça-feira (30/5), com embargos de declaração contra a outra decisão. Isso porque esta exige depósito prévio para que a rádio possa recorrer.

Leia a sentença

Processo n°583.00.2005.049961-7

31° Vara Cível – Foro Central

SENTENÇA

I – Conciso, o RELATÓRIO. Parte requerente: MARCO ANTONIO VERONEZZI, RODNEY LOUREIRO DOS SANTOS, ANTONIO PRIETO, MOACIR MOLITERNO DIAS E NIVALDO BERNARDI. Parte requerida: RADIO EXCELSIOR LTDA.

É ação pretendendo reparação por danos morais a ser arbitrada pelo juízo, sugerindo o valor de R$ 20.000,00. Imputa culpa e responsabilidade à requerida e aos seus prepostos por ofensas proferidas no programa Liberdade de Expressão transmitido no dia 15.02.2005, no qual foi feita a afirmação de que a Policia Federal é ineficiente, um cancro na vida nacional, que quando não é eficiente ela é corrupta, o que ofende a instituição que pertencem todos os 5 autores, delegados de Policia Federal. Alegam que o fato é uma agressão contra a comunidade dos policiais federais à qual pertencem os autores, ofendeu todos os policiais federais generalizando e incluindo todos na categoria de ineficientes e corruptos, sem fazer exceção, juntaram cópia de suas fichas funcionais, que houve ofensa aos direitos da personalidade o que justifica a condenação. Invocam doutrina e jurisprudência para mostrar configurado o dano extrapatrimonial e para fundamentar o pedido de reparação. Citada a requerida ofereceu resposta contestando. Alega ilegitimidade ativa, que os comentaristas teceram criticas e emitiram opiniões democráticas sobre o fato que foi a morte de uma missionária norte-americana chamada Dorothy Stang, que se mantiveram nos limites da liberdade de manifestação de opinião e critica, que houve mesmo a inércia da Policia Federal, discorre a respeito do programa, que o diretor da Policia Federal afirmou que há policiais corruptos na instituição, reafirma outras noticia s de corrupção nela, impugna os valores pretendidos que afirma devidos na forma dos artigos 51 e 52 da lei de imprensa, impugna a pretendida publicação da sentença, terminado com o pedido de improcedência. Houve réplica. Encerrou-se a instrução e vieram os memoriais.

II – A FUNDAMENTAÇÃO

1. Os fatos invocados como fundamentos jurídicos do pedido de indenização, envolvem pessoas respeitáveis, sem dúvida. Os delegados integrantes da Policia Federal brasileira se indignam com o ataque à instituição a que pertencem e têm razão. Autoridades públicas e seus agentes, contudo, devem estar preparados para as criticas que as demais Instituições lhes fazem, para conviver com a realidade que mostra integrantes manifesta e comprovadamente corruptos, indignos da instituição a que pertencem juntamente com os autores, que honram e defendem, como fazem aqui e por certo fizeram no exercício de suas funções. O indispensável preparo para o exercício das funções públicas é a contrapartida lógica aos Direito de Critica e ao Dever de informar que são invocados pela requerida em sua defesa e de seus prepostos.


2. O programa Liberdade de Expressão tem como formatação alguns diálogos entre o citado âncora Heródoto Barbeiro com dois os comentaristas Carlos Heitor Cony e Artur Xexéo. O assunto comentado tem base em fatos de interesse público e, ordinariamente, de repercussão nacional, como é a atuação da Policia Federal em episódios nos quais a presença policial poderia evitar as conseqüências sobrevindas, sempre na opinião dos comentadores. Ao afirmar que a Policia Federal é ineficiente, que é um cancro na vida nacional, que quando a Policia Federal não é ineficiente ela é corrupta, o comentarista Carlos Heitor Cony se excedeu, sem dúvida, não informando adequadamente e com as ressalvas necessárias, que naquele episódio da morte da missionária norte-americana, objeto do comentário daquele dia 15.02.2005, houve omissão da direção da Policia Federal. Não consta que o jornalista e comentarista Carlos Heitor Cony tenha feito ressalva de que entre os policiais federais há corruptos e há aqueles que fazem vista grossa para os atos de corrupção de seus colegas delegados e agentes federais, que existiram em percentuais que variam de 10% a 80% segundo o próprio delegado diretor geral da instituição, Paulo Lacerda, f.58, ou de 40%, segundo noticiou o jornal o Estado de São Paulo, com base em informações obtidas na Corregedoria da Policia Federal. O fato de existirem delegados e agentes federais honrados, os autores entre eles, por certo , não elimina a existência dos corruptos, ineficientes, omissos, prevaricadores, prepotentes que utilizam o cargo e a função para obter vantagens pessoais ilegais, desde o uso de viaturas funcionais em vias públicas até a proteção a delinqüentes de variada extração, de associação para a prática de crimes, entre outros delitos conhecidos e desconhecidos do público e da imprensa, que só não são denunciadas porque seus responsáveis se especializam em não deixar vestígios de seus atos. Como o conhecido e reconhecido escritor e jornalista Carlos Heitor Cony foi indenizado pela lei de Anistia dos perseguidos políticos, é provável que a experiência em enfrentar as reações e dificuldades com as autoridades lhe tenha dado o ânimo necessário para mais um enfrentamento, adjetivando a instituição da Policia Federal com os epítetos listados.

3. Em nenhum momento os delegados federais autores negam o direito do escritor e jornalista Carlos Heitor Cony de criticar e de informar seus ouvintes e leitores de que a instituição Policia Federal está inçada de agentes e delegados indignos, corruptos e que fazem vista grossa para as omissões , indignidades e corrupção. Segundo a lógica de que a ofensa perpetrada pelos prepostos da requerida Radio Excelsior Ltda; das organizações Globo, decore exatamente da critica generalizada à instituição a que pertencem os autores, evidencia-se que se tivesse sido feita a ressalva de que na Policia Federal há agentes e delegados dignos, aí sim a critica teria sido ofensiva ao extremo. Afirmar que uma instituição policial estatal tem integrantes dignos, honestos, que não fazem vista grossa para as omissões, indignidades e corrupção dos outros, é a pior critica que se pode fazer a ela. Assim é porque a honestidade e dignidade de todos os integrantes de instituições policiais do Estado são pressupostos essenciais da legalidade e da legitimidade dessas instituições, que devem obediência a todos os Princípios da Administração Publica, entre eles o da legalidade e o da Moralidade. A conclusão é de que se nas criticas do jornalista Carlos Heitor Cony tivesse vindo a ressalva de que há integrantes da Policia Federal, agente e delegados,dignos, honestos e que não são omissos, a indenização devida seria bem maior, porque o reparo deve ser proporcional à ofensa e ao agravo.

4. Não há noticia nos autos de quantos seriam os servidores em exercício na Policia federal, mas é certo que somam milhares, contando de contínuos até seu diretor. Cada um deles foi ofendido pelas palavras ásperas do jornalista Carlos Heitor Cony, de modo que a todos pode ser devida indenização, tal qual aos autores que tomaram a iniciativa de demandar a empresa proprietária do veiculo de divulgação pública das ofensas. A equação que preside a reparação do dano extrapatrimonial, segundo a qual “não pode servir de enriquecimento infundado da vitima, deve guardar equilíbrio entre os cabedais de quem paga e de quem recebe deve servir de desestimulo à reiteração da conduta culpável, e não provocar a incapacitação do agente para a atividade produtiva”, estará atendida se arbitrada a reparação em R$ 100,00 aproximadamente uma terça parte do salário mínimo vigente na data do fato. Não é pequeno o valor de R$ 100,00 para cada autor, porque multiplicado pelos milhares de servidores da Policia Federal, todos ofendidos pelo jornalista empregado a serviço da ré, formará um volume bastante significativo, mesmo para a reconhecida riqueza da ré, integrante da rede Globo de comunicações. Acresce que os autores agem com manifesto ânimo de damno vitando e não de lucro capiendo, sendo facilmente identificada sua motivação apenas pelo intento de inibir a repetição da conduta danosa da ré e de seus prepostos e não de locupletamento à custa da indenização.


5. O pedido de que a requerida seja “…condenada a publicar a sentença, na sua integra, em meio de comunicação que e for indicado pelos autores”, f. 11, não pode ser acolhido. A publicação da sentença em jornal de grande circulação somente teria o efeito perverso de relembrar as pessoas que tomaram contato com o injusto ataque à instituição e levar seus termos aquela que não tomaram conhecimento do ataque, aumentando o universo dos que sabem da ofensa. Embora prevista no artigo 75 da lei de imprensa e tenha caráter profilático, a providencia não contribui para a efetiva reparação do dano. No caso dos autos, a publicação da sentença teria um certo caráter de retaliação, e teria o efeito de despertar os servidores da Policia Federal que poderiam ser motivados pelo sentimento de lucro capiendo, mesmo não tendo se sentido ofendidos. Como os autores, pelas palavras do jornalista,ou até concordado com elas. Ao julgar os pedidos de indenização é preciso levar em conta a advertência do Ministro Oscar Correa: “A esses elementos de ordem moral e social- porque suporta a própria estrutura social – não deve estar alheio o juízo, ponderando-os serena e convictamente e valorizando-os com prudente arbítrio do bom varão.” (RTJ 108/294). Ressalvando que nem sempre o juiz é capaz de mostrar-se um bom varão no julgamento que profere, dada a condição de humano e falível como tal, não há como impedir a extensão do conhecimento da ofensa perpetrada pelos prepostos da ré, negando a publicação da sentença.

6. Com a Constituição Federal de 1988, a indenização tarifada da lei 5.250, de 1967, ficou derrogada. O valor da reparação passou a ser fixado segundo prudente arbítrio do julgador. De outro lado, o depósito do valor da indenização, previsto na art.57,§ 6°, da lei nº de imprensa,como pressuposto de admissibilidade do recurso contra a sentença condenatória não deixou de viger, sempre com augusto respeito aos Entendimentos em,sentido contrario. A vigência desse dispositivo da lei de imprensa, exigindo o deposito do valor da condenação para a admissão do processamento do recurso foi reforçada com a reforma empreendida em 1994 pela lei 8.952, 13.12.94 que deu nova redação ao artigo 461 do CPC. O § 3° desse dispositivo autoriza o juiz conceder a tutela liminarmente, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final” quando se trate de ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, como são a indenização reparatória de danos morais e a publicação da sentença quando contemplada no Julgado, para assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento. Para assegurar os efeitos reparatórios, é indispensável que eventual recurso da parte requerida seja processado com a prova do depósito do valor da condenação. Sem isto, o provimento judicial cairá no olvido e seus efeitos serão subvertidos, porque então se tratará apensa de enriquecimento dos ofendidos. Além disto, não há prejuízo irreparável no deposito, à Ordem do Juízo, do valor da condenação, retido até o julgamento de que não caiba recurso.

7. O art. 1553 do C. Civil de 1916 e o art. 953, § Único, do C.Civil de 2002, afirmam que o valor que o valor da reparação deve ser arbitrado e que toca ao juiz da causa fazê-lo. Se nem o legislador se abalizou para fixar o valor da indenização devida nos casos de danos extrapatrimoniais, ditos danos morais, não se pode pretender atribuir a parte atribuir à parte ou aos seus patronos aquela estimativa nem a fixação. De tudo se conclui que não há sucumbência parcial pelo desatendimento do valor de R$ 20.000,00 sugerido na petição inicial, sem especificar se para cada um dos autores ou para todos, em globo, f. 12. II O DISPOSITIVO PROCEDENTES é como julgo os pedidos e condeno a ré a pagar a cada um dos requerentes R$ 100,00 pela ofensa proferida contra a instituição Policia Federal pelo preposto dela. Carlos Heitor Cony, no programa Liberdade de Expressão irradiado no dia 15.02.2005. IMPROCEDENTE é como julgo o pedido de publicar a sentença em jornal da escolha dos autores. Vencida, a ré pagará as despesas com as custas processuais e os honorários aos patronos dos requerentes que fixo em R$ 3.500,00, equivalente a 10 vezes o salário mínimo vigente na data da sentença, CPC, art. 20. § 4°, para impedir o aviltamento da função do advogado, indispensável à entrega da prestação de serviço jurisdicional estatal, o que ocorreria se fossem arbitrados os honorários sobre o valor da causa, que passa a ser o valor da condenação nos casos em que ela é produto do arbitramento judicial, tal qual já julgou o STJ: “Pequeno que seja o valor da causa, os tribunais não podem aviltar os honorários de advogados, que devem corresponder à justa remuneração do trabalho profissional, nada importa que o vulto da demanda não justifique a despesa, máxima se o processo foi trabalhoso, obrigando o advogado acompanhá-lo até o STJ” (STJ, AI 325.270-SP-AgRg, rel Min Nancy Andrighi. j. 20.03.201, DJU 28.05.2001, p. 199) Eventual recurso de apelação será processado com a prova do deposito do valor da condenação à Ordem do Juízo, como aqui se ordena. Art. 52. § 6°, da lei 5.250/67 c.c artigo 461 e § 3°, do CPC. Transitada, cumpra-se o artigo 604 do CPC. P.R.I São Paulo, 17 de maio de 2006. MAURY ANGELO BOTTESINI Juiz de Direito.

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