Local do imposto

IPVA tem de ser pago onde dono do automóvel mora

Autor

  • Renato Bernardi

    é bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino doutor em Direito do Estado (sub-área Direito Tributário) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e procurador do estado de São Paulo desde 1994

28 de maio de 2006, 7h00

Questão que se tornou recorrente no estado de São Paulo é a que diz respeito ao domicílio tributário em se tratando do IPVA — Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores). Notícias veiculadas nos mais diversos meios de comunicação dão conta de que a referida unidade da federação iniciou trabalho fiscal tendente a apurar a conduta de proprietários que licenciam seus veículos automotores em outros estados na tentativa de se submeterem a uma alíquota mais baixa do que a praticada em São Paulo.

A partir de tal procedimento, várias opiniões surgiram a respeito do tema, sendo que a maioria inclina-se a entender como possível a eleição, pelo contribuinte, do estado em que quer ver licenciado seu veículo e, conseqüentemente, recolhido o IPVA. Todavia, uma análise mais cuidadosa das normas pertinentes aponta em sentido contrário.

Em primeiro lugar, lembre-se que o IPVA é um tributo da competência dos estados membros e do Distrito Federal (artigo 155, inciso III, da Constituição Federal) e, por tal motivo, a legislação pode variar em cada unidade federada. No presente trabalho, cuida-se da questão tendo-se em vista o disposto na legislação paulista, qual seja, a Lei 6.606, de 20 de dezembro de 1989, com a redação dada pelas leis subseqüentes.

Dispõe referida lei em seu artigo 2º:

“O imposto será devido no local onde o veículo deva ser registrado e licenciado, inscrito ou matriculado, perante as autoridades de trânsito, da marinha ou da aeronáutica”.

Assim, a regulação do IPVA paulista estabelece, naquilo que é objeto da presente análise, como domicílio tributário o local onde o veículo deve ser registrado e licenciado. No entanto, ainda paira a dúvida: onde o veículo deve ser registrado e licenciado? A lei paulista não responde.

Lançando-se mão da interpretação sistemática, a solução de tal questão é dada pela disposição contida no artigo 120 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503/97):

“Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito do estado ou do Distrito Federal, no município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei”.

Sendo assim, parte do problema encontra-se solucionada: o domicílio tributário do IPVA paulista é o local de domicílio ou residência de seu proprietário. Contudo, qual o sentido dos termos “domicílio” e “residência” estampados no artigo 120 do Código de Trânsito Brasileiro?

Para os menos avisados, podem parecer sinônimos, o que não pode ser admitido pelo intérprete, só pela máxima de que a lei não contém palavras inúteis. Como se não bastasse, há definições— léxicas e jurídicas — distintas para referidos termos.

Partindo-se do pressuposto de que “domicílio” e “residência” são palavras cujos significados não se confundem, há que se dar uma interpretação coerente ao dispositivo. A interpretação que mais se encaixa na ratio legis da norma é aquela que indica que, ao referir-se a “domicílio”, o Código de Trânsito faz menção à pessoa jurídica. Ao passo que, ao mencionar “residência”, dirige-se às pessoas físicas.

Outra interpretação levaria à absurda conclusão de que o artigo 120 do Código de Trânsito Brasileiro considera somente a pessoa física, esquecendo-se da pessoa jurídica, além de distanciar referida regra do disposto no artigo 127 do Código Tributário Nacional, regra específica do domicílio tributário. Sendo assim, na determinação do domicílio do IPVA paulista, segue-se a regra geral do artigo 127 do Código Tributário Nacional:

Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:

I — quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade;

II — quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento;

III — quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade tributante.

Na tentativa de justificar o registro e o licenciamento num determinado estado da Federação, contribuintes apresentam os mais diversos argumentos, entre os quais:

– Disposições dos artigos 70/78 do Código Civil — Tal argumentação não pode ser aceita, tendo em vista que referidas regras aplicam-se às obrigações civis, ao passo que, pelo princípio da especialidade, em se tratando de obrigações tributárias, é aplicável o Código Tributário Nacional, especificamente seu artigo 127.

– Existência de propriedade imóvel — O fato de ser proprietário de imóvel — urbano ou rural — por si só não confere ao proprietário de veículo automotor a possibilidade de registro do automóvel no estado onde se localiza o imóvel, haja vista que o critério determinador do domicílio tributário é a habitualidade da residência e não a titularidade do domínio sobre bem imóvel.

– Eleição do domicílio pelo contribuinte — Nos termos do caput do artigo 127 do Código Tributário Nacional, a eleição do domicílio pelo contribuinte somente é possível na forma da legislação aplicável. Considerando-se que inexiste referida regração em se tratando do IPVA paulista, não é dado ao contribuinte desse tributo o direito de eleger seu domicílio tributário.

– Exercício de profissão, pública ou privada, em outro estado da federação — O exercício de profissão em outra unidade federada, por si, não confere ao proprietário de veículo automotor a possibilidade de registro do automóvel no estado onde desempenha suas funções profissionais, haja vista que o critério determinador do domicílio tributário é a habitualidade da residência e não o exercício profissional. Pelo mesmo fundamento, o estudo próprio ou de dependentes em outro estado não determina que nesse estado seja o domicílio tributário do proprietário de veículo automotor.

– Pluralidade de domicílios — Nos termos do disposto no artigo 127 do Código Tributário Nacional, em se tratando de pessoas físicas, sendo conhecido o local da residência habitual, tal é o domicílio tributário em relação ao IPVA e, sendo desconhecido o local da residência habitual, considerar-se-á como domicílio o centro habitual de suas atividades. Considerada a expressa previsão legal, em se tratando de Direito Tributário, não existe, diversamente do que se dá no Direito Civil, possibilidade de pluralidade de domicílios da pessoa física.

Quanto à pessoa jurídica, em razão da mesma regra do Código Tributário Nacional, existe a possibilidade de pluralidade de domicílios tributários exclusivamente em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, considerando-se como domicílio tributário a base territorial de cada estabelecimento.

Em conclusão, o critério fixador do domicílio tributário em relação ao IPVA é o previsto no artigo 127 do Código Tributário Nacional, que determina às pessoas físicas que registrem seus veículos no estado da federação onde residam com habitualidade e às pessoas jurídicas de direito privado que registrem seus veículos onde tenham as respectivas sedes.

Autores

  • Brave

    é procurador do estado de São Paulo, mestre em Direito Constitucional, professor das Faculdades Integradas de Ourinhos, da Escola da Magistratura do estado do Paraná (núcleo de Jacarezinho) e do curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da Faculdade de Direito da Alta Paulista (Tupã/SP) -- nível de especialização.

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