Desacato ou abuso?

Para entidades, prisão de advogado na CPI foi arbitrária

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25 de maio de 2006, 16h49

Entidades de classe da advocacia consideraram arbitrária a prisão em flagrante do advogado Sérgio Weslei da Cunha enquanto depunha na CPI do Tráfico de Armas, nesta quinta-feira, em Brasília. O advogado, que defende um suposto integrante da facção criminoso Primeiro Comando da Capital, é acusado de pagar R$ 200 a um funcionário terceirizado da Câmara dos Deputados para obter gravação de sessão sigilosa da CPI.

Cunha não depunha como advogado. Por isso, as prerrogativas profissionais não estão em discussão. Ele participava de uma acareação com o técnico de som Artur Vinícius Pilastre Silva, que afirma ter-lhe vendido o CD com a gravação.

Cunha participava da acareação como um cidadão investigado. Recebeu voz de prisão do deputado Moroni Torgan (PFL-CE) depois de rebater a uma provocação do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). Respondeu como cidadão e, como cidadão, foi preso. Mas, na condição de cidadão, ele também goza de direitos como a presunção da inocência, e o direito de não se autoincriminar.

“Enquanto o advogado era acareado com educação, respondeu com educação. Mais tarde, ele reagiu contra uma provocação. E isso não é crime de desacato”, entende o advogado criminalista e conselheiro federal da OAB Alberto Zacharias Toron.

Para o presidente da OAB, Roberto Busato, o ato foi arbitrário e representa mais um capítulo da série de abusos da CPI. Esta série de abusos de que trata Busato tem sido alvo de repressão por parte do Supremo Tribunal Federal, que tem concedido Habeas Corpus preventivos para que depoentes possam garantir seu direito de não se auto-incriminar. Além disso, os HCs colocam em pé de igualdade congressistas e depoentes. Os primeiros, protegidos pela imunidade parlamentar. Os segundos, por Habeas Corpus.

Antônio Ruiz Filho, presidente da Aasp — Associação dos Advogados de São Paulo, questiona até se houve, de fato, crime de desacato. “Não acho que houve crime. Mas, mesmo que tenha havido, não é caso de prisão.” Ele explica que o crime de desacato é de competência dos Juizados Especiais Criminais e, portanto, regido pela Lei 9.099/95, que trata dos juizados.

O parágrafo único do artigo 69 da lei dispõe: “Ao autor do fato que, após a lavratura do termo [circunstanciado], for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança”.

Para Ruiz Filho, a prisão e o uso de algemas foi um exagero de força. Da mesma forma pensa Toron. “O emprego de algemas foi arbitrário e desnecessário. O advogado aceitou a prisão e não representava perigo.”

O presidente da Comissão de Prerrogativas da seccional paulista da OAB, Mário de Oliveira Filho, classificou a prisão como um espetáculo eleitoral, cujo objetivo é dar uma satisfação à opinião pública. “Já está pacificado pela jurisprudência dos tribunais que as algemas só devem ser usadas quando o preso oferecer resistência.”

O criminalista Ricardo Sayeg entende que não houve abuso. “Se o deputado entendeu que houve desacato, ele tem autoridade para dar a voz de prisão. Quanto ao uso das algemas, eu entendo que é um procedimento que fica a critério da autoridade policial.”

Em tempo

O advogado Sérgio Wesley da Cunha foi liberado pela Polícia Legislativa, na tarde desta quinta-feira (25/5), após assinar termo circunstanciado e se comprometer a comparecer em juízo durante instrução criminal de seu processo. Ficará a critério do juiz decidir se houve crime ou não. Para Cunha, o que houve foi abuso de autoridade por parte dos parlamentares. “Reagi a uma injusta provocação. Não ofendi a Câmara, nem o parlamentar.”

Leia o diálogo que provocou a prisão do advogado

Arnaldo Faria de Sá: Por que num momento você disse que não tinha e depois teve de admitir que tinha estado com o Marcola.

Sérgio Weslei da Cunha: Quero garantir meu direito de permanecer calado.

Arnaldo Faria de Sá: Você aprendeu rápido com a malandragem, hein.

Sérgio Weslei da Cunha: A gente aprende rápido aqui.

Arnaldo Faria de Sá: Malandragem lá, que você atende.

Leia o depoimento de Sérgio Weslei da Cunha à Polícia Legislativa

CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE POLÍCIA LEGISLATIVA

COORDENAÇÃO DE POLÍCIA LEGISLATIVA

TERMO CIRCUNSTANCIADO Nº 05/2006 – CD

TERMO DE DEPOIMENTO de Sérgio Weslei da Cunha, apresentou a CIRG ou carteira profissional nº 16683376 – SSP/SP.

Aos vinte e cinco (25) dias do mês de maio (05) do ano de dois mil e seis (2006), às 12:00h, neste Distrito Federal e na Sede do Coordenação de Polícia Judiciária do Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados (Edifício Anexo I, Térreo, sala T09), perante o Bel. Alber Vale de Paula, Diretor respectivo, comigo Escrivão “ad hoc”, ao final assinado, compareceu Sérgio Weslei da Cunha, brasileiro, divorciado, nascido aos 19.03.1968 em São Paulo – SP, filho de Roque da Cunha e de Nadir Turce da Cunha, residente e domiciliado na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, 651 – Bairro do Limão – São Paulo – SP, telefone (011) 3951-1408, sabendo ler e escrever, ciente dos seus direitos constitucionais, na presença do seu Advogado o Dr. Sérgio Montovani OAB/SP nº 47492, Av. Brasil, 367 – Jardim América – São Paulo – SP, Dr. Washington de Vasconcelos Silva, OAB/DF nº 16900 e Dr. Marcelo Martins da Cunha, OAB/DF nº 18889, representantes da Comissão de Prerrogativas da OAB/DF RESPONDEU QUE na data de hoje compareceu à Câmara dos Deputados por força de intimação da CPI do Tráfico de Armas na qualidade de acusado:

QUE a intimação visava a acareação entre o depoente e a Dra. Maria Cristina e Arthur Vinicius, também acusados; QUE iniciada a reunião o depoente foi colocado frente a frente com o Arthur e respondia todas as perguntas que lhe eram feitas pelos parlamentares dentro do respeito e da legalidade; QUE como se tratava de uma acareação não havia uma ordem de participação dos depoentes; QUE ora as perguntas eram dirigidas ao depoente, ora ao Arthur e ora havia também a intervenção dos parlamentares;

QUE várias vezes em resposta as perguntas feitas o depoente utilizou de seu direito constitucional de permanecer calado, sendo que em outras oportunidades respondia as perguntas; QUE após várias e injustas provocações por parte de vários parlamentares que lhe dirigiam palavras ofensivas fora do contexto do interrogatório, e após as perguntas que lhe foram dirigidas pelo Deputado Arnaldo Faria de Sá onde o mesmo fez uma injusta provocação e após a resposta do depoente o Deputado acreditou que o depoente havia ofendido a Comissão; QUE a injusta provocação consistia em palavras de baixo calão proferidas pelo Deputado Arnaldo Faria de Sá e outros parlamentares que o chamavam de “bandido” e outras palavras de baixo calão;

QUE em dado momento o Deputado Arnaldo Faria de Sá referiu-se ao depoente como tendo aprendido rápido no meio da bandidagem; QUE reagiu a injusta provocação dizendo: “Eu aprendo rápido sim aqui”; QUE quando proferiu a expressão referia-se ao Brasil como um todo e não à instituição Câmara dos Deputados ou qualquer pessoalmente a qualquer deputado; QUE apresentado ao depoente o extrato das notas taquigráficas da CPI que contém o dialogo entre o mesmo e o Deputado Arnaldo Faria de Sá no qual se lhe imputa a conduta criminosa, disse ser a expressão exata do ocorrido na CPI;

QUE após a voz de prisão o depoente foi intimado publicamente pelo Presidente da citada Comissão para retornar à CPI, logo após assinar o devido termo de compromisso de comparecimento a juízo quando convocado para responder ao presente procedimento. E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo a ser consignado, é encerrado o presente que, depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado.

Autoridade:

Depoente:

Advogado:

Escrivão “ad hoc

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