Prova lícita

Conversa gravada por um dos interlocutores é prova lícita

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25 de maio de 2006, 15h47

Empregado que grava conversa com o patrão não comete ato ilícito e a fita do diálogo serve como prova judicial. O entendimento é da 5ª Câmara Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP). Os juízes mantiveram a condenação do Hospital Sociedade Portuguesa de Beneficência, que discriminou o empregado por ser deficiente físico.

O trabalhador entrou com ação na 3ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, pedindo indenização por danos morais. Alegou que foi discriminado por seu empregador por ter deficiência física em uma das mãos e comprovou o fato gravando uma conversa entre ele e representantes do hospital.

Para se defender, o hospital disse que gravação de conversa é prova ilícita e, por isso, não poderia ser levada em consideração. A primeira instância não acolheu o argumento e condenou o hospital a pagar indenização equivalente a 500 salários mínimos.

A instituição recorreu e a relatora do caso, juíza Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, manteve a sentença. “Não há qualquer ilegalidade ou clandestinidade na prova apresentada pelo empregado. Trata-se de reprodução de conversa mantida entre ele e representantes do hospital, que poderia ter sido registrada por qualquer um deles, com ou sem a anuência dos demais”, fundamentou a relatora.

De acordo com a juíza, após seis meses da admissão dos empregados, todos, menos o autor da ação, receberam aumento salarial de R$ 100, o que teria acontecido em virtude da produtividade de cada trabalhador. Como o autor tinha paralisia na mão direita, o patrão não poderia esperar dele o mesmo desempenho dos demais funcionários.

“A limitação do trabalhador era de conhecimento do hospital, desde a admissão, não servindo de argumento para discriminá-lo em relação aos demais empregados”, disse Helena Rosa. A relatora manteve a indenização por danos morais imposta pela primeira instância, mas reduziu o valor para R$ 50 mil, por entender que a indenização de 500 salários mínimos (R$ 175 mil) resultaria em enriquecimento ilícito.

Processo 00900-2004-082-15-00-8 RO

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO Nº 00900-2004-082-15-00-8 RO

5ª CÂMARA / 3ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

3ª VARA DO TRABALHO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Recorrente: Sociedade Portuguesa de Beneficência

Recorrido: Vanderlei Ribeiro

Juiz Sentenciante: Alexandre Vieira dos Anjos

GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES. DESNECESSIDADE DE CONHECIMENTO DO REGISTRO PELOS DEMAIS. PROVA LÍCITA. Possui respaldo no artigo 332 do Código de Processo Civil a apresentação, por um dos interlocutores, da transcrição de conversa mantida por ele com outra ou outras pessoas, sendo irrelevantes a ciência e a anuência. O respectivo registro não enseja violação a qualquer dispositivo legal em vigência em nosso ordenamento, sendo inaplicável, por analogia, o disposto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal de 1988.

Insurge-se a reclamada (fls. 251/272) contra a r. sentença de fls. 243/248, aduzindo, preliminarmente, sua nulidade por julgamento “extra petita”. Sustenta, ainda, a utilização de prova ilícita, qual seja, a transcrição de gravação de conversa em fita magnética. No mérito, rebela-se em relação à indenização deferida por danos morais e materiais causados quando da demissão do reclamante. Afirma a inexistência de prova sobre suposto dano material causado ao autor, assim como o excesso do valor arbitrado a título de reparação moral. Aduz, também, serem indevidos os honorários advocatícios e o equívoco na fixação do termo inicial para a incidência da correção monetária em outubro de 2003.

Depósito recursal e custas processuais às fls. 273/275.

Contra-arrazoado o recurso pelo demandante às fls. 280/321.

Os autos não foram encaminhados à D. Procuradoria Regional do Trabalho, em atendimento ao disposto no art. 111, inciso II, do Regimento Interno desse Eg. Tribunal.

É o RELATÓRIO.

VOTO

Conheço do recurso ordinário, eis que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

Preliminar

Do julgamento “extra petita”

Aduz a recorrente a preliminar em apreço, afirmando a inexistência de pedido expresso de diferenças salariais de R$ 100,00 (cem reais) a partir do sexto mês do vínculo empregatício e respectivos reflexos, inclusive nas verbas rescisórias.

Registre-se, em primeiro plano, que as decisões proferidas extra ou ultra petita não ensejam nulidade, porquanto, passíveis de reforma pela instância revisora, com a extirpação dos eventuais excessos e adequação aos limites da lide.

Sob esse prisma, procede a argüição. De fato, não há no rol de pedidos, às fls. 16/17, as diferenças salariais deferidas pelo MM. Juízo originário (ítens “b” e “c”, fl. 248), tendo constado apenas os pertinentes aos danos morais e materiais que o recorrido alega haver sofrido quando da ruptura do vínculo empregatício.


Não se pode confundir eventual prejuízo material causado ao trabalhador em decorrência da dispensa – o que foi pleiteado, mas indeferido na r. sentença – com parcelas salariais que supostamente deixaram de ser adimplidas na vigência contratual.

Acolho, portanto, a preliminar de julgamento“extra petita, expungindo do r. decreto condenatório as mencionadas diferenças.

Da prova produzida pelo autor

A licitude da prova apresentada pelo demandante será apreciada quando da análise do mérito do recurso, não sendo assunto discutível em sede de preliminar.

Mérito

Da indenização por danos morais

Sustenta a ilegalidade da prova produzida pelo autor, configurada na transcrição de conversa estabelecida entre este e três pessoas ligadas à reclamada, apresentando inúmeras manifestações da jurisprudência, assim como ensinamentos doutrinários. Afirma, desta forma, não ter o autor se desincumbido do ônus que lhe competia de comprovar atitude discriminatória em razão de sua deficiência física.

Não procedem, no entanto, seus argumentos. Inversamente ao alegado, não há qualquer ilicitude ou clandestinidade na prova apresentada pelo demandante. Trata-se de reprodução de conversa mantida entre o recorrido e representantes da ré, a qual poderia ter sido registrada por qualquer deles, com ou sem a anuência dos demais.

Impertinente a transcrição, pela recorrente, de pronunciamentos judiciais a respeito da ilegalidade da gravação não autorizada de conversas telefônicas, pois não se coadunam com a hipótese ora apresentada.

Trata-se, aliás, de situação já analisada no âmbito do E. Supremo Tribunal Federal, que não vislumbrou qualquer ilegalidade no procedimento. Exemplificativamente:

“CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. – A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. – Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. – A questão relativa às provas ilícitas por derivação – “the fruits of the poisonous tree” – não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. – A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. – Agravo não provido.” Processo STF AI 503617 AgR / PR – PARANÁ. DJ 04/03/2005. Relator Ministro Carlos Velloso.

Contrariamente ao sustentado pela ré, nada há de ilegal ou imoral na prova apresentada pelo demandante, sendo que o mesmo não pode se dizer quanto à sua atitude discriminatória em relação ao deficiente físico. Como já consignado, o registro da conversa por um dos interlocutores não configura qualquer ilicitude, sendo desnecessária, evidentemente, a prévia comunicação aos demais.

Note-se, no presente caso, que a transcrição para a forma escrita foi procedida por peritos ligados à Superintendência da Polícia Técnico-Científica, da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, consoante documento de fls. 204/219, sendo, portanto, robusto elemento de convicção.

A respectiva leitura demonstra que eventuais imperfeições na gravação decorreram das características próprias do gravador e da fita utilizados, o que é perfeitamente aceitável, considerando-se o método adotado pelo trabalhador para o registro, provavelmente o único ao seu alcance. Afigura-se, no entanto, que não prejudicaram, na essência, a confecção do laudo, sendo que alguns trechos ininteligíveis são supridos pela riqueza de informações contidas nos demais períodos.

A perícia é conclusiva e demonstra de forma satisfatória que o demandante foi discriminado por ser portador de deficiência física.

A recorrente não impugnou a alegação inicial de que após 6 (seis) meses da admissão seus empregados recebiam um aumento salarial no importe de R$ 100,00 (cem reais), considerando-se tal fato como incontroverso, consoante dispõe o artigo 302, caput, do Código de Processo Civil.

Também não apresentou qualquer prova de que o acréscimo salarial guardasse vinculação com a produtividade do trabalhador.

A admissão de portador de deficiência física,seja ela por determinação legal ou até mesmo por filantropia, deve atentar a princípios maiores previstos na Constituição da República. Note-se que a dignidade da pessoa humana é fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, consoante prontamente estabelecido no artigo 1º da Carta Política.


Não bastasse, atitudes discriminatórias ao deficiente afrontam também ao artigo 5º do mesmo diploma, especialmente seus incisos I, X e XLI, assim como o artigo 7º, inciso XXXI.

Ora, o reclamante possui paralisia em sua mão direita, decorrente de acidente ocorrido em sua infância, fato este incontroverso. Evidentemente, não se pode esperar dele que desempenhe, com a mesma desenvoltura de pessoas não acometidas da mesma deficiência, grande parte das funções exigidas de um recepcionista, cargo para o qual foi contratado.

A limitação do autor era de conhecimento da recorrente desde sua admissão, não servindo de argumento, dessa forma, para discriminá-lo em relação aos demais empregados.

Cumpre salientar, também, as avaliações de desempenho do demandante, trazidas aos autos pela própria recorrente às fls. 111/112, que demonstram uma conclusão no mínimo satisfatória, constando resultado negativo em pouquíssimos ítens.

Não há, dessa forma, que se falar em reforma da r. sentença originária no tocante ao reconhecimento da ofensa moral e à condenação da ré ao pagamento de indenização compensatória, prevalecendo nos seus exatos termos.

No concernente ao valor arbitrado, merece parcial provimento o apelo. O montante fixado na origem (500 (quinhentos) salários-mínimos) afigura-se excessivo, tendo em vista a gravidade da ofensa, levando-se em conta a situação econômica de ambas as partes.

Assim sendo, reduzo a indenização para o valor de R$50.000,00 (cinqüenta) mil reais.

Dos honorários advocatícios

Insurge-se a reclamada contra a condenação na verba honorária, afirmando não estar o demandante assistido pela respectiva entidade de classe.

Correta a intervenção, pois estão ausentes os requisitos preconizados pelo artigo 14 da Lei nº 5.584/70 e pelas Súmulas nºs 219 e 329 do Eg. Tribunal Superior do Trabalho.

Os artigos 133 da Constituição Federal e 22 da Lei nº 8.906/94 não revogaram o direito das partes postularem pessoalmente perante a Justiça do Trabalho.

O “jus postulandi” permanece em situações específicas, particularmente na esfera trabalhista, onde visa tornar efetiva a proteção que a lei dispensa ao trabalhador, autorizando a condenação nos honorários advocatícios apenas na hipótese de assistência judiciária regulada pela Lei nº 5.584/70.

Na Justiça do Trabalho, para o deferimento dos honorários advocatícios, em decorrência da sucumbência, são necessários dois requisitos: a parte deve estar assistida pelo sindicato da categoria e comprovar a situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família, a teor da Orientação Jurisprudencial nº 305 da SDI-1 do C. TST, a seguir transcrita:

“Honorários advocatícios. Requisitos. Justiça do Trabalho. Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários advocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato.”

Procede, portanto, a irresignação no particular.

Da correção monetária

Rebela-se a demandada quanto à fixação do marco inicial para a incidência da correção monetária na rescisão contratual, salientando que a condenação está vinculada ao salário-mínimo, que anualmente sofre majoração, configurando, dessa forma, bis in idem.

Improcede, no entanto, a intervenção. O MM. Juízo a quo fixou a ruptura do liame como critério para a correção da importância devida a título de indenização por danos morais, atraindo a conclusão, dessa forma, que o valor base a ser considerado é aquele vigente em outubro de 2003, pertinente ao momento da ofensa.

Isso porque a sentença, ainda que ilíquida, deve ser certa, não podendo se pautar em situações futuras e, portanto, imprevisíveis.

Mantenho intacto o julgado no particular.

Do exposto, decido conhecer do recurso, acolher a preliminar de julgamento “extra petita” argüida para expungir da condenação as diferenças salariais e reflexos deferidas nos ítens “b” e “c”, e, no mérito, a ele dar provimento parcial para excluir os honorários advocatícios e reduzir o valor da indenização para R$50.000,00 (cinqüenta) mil reais, consoante fundamentação.

Rearbitro o valor condenatório em R$ 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil reais) para os efeitos da Instrução Normativa 03/93 do Colendo TST – item II, letra “c”.

Custas na forma da lei, no importe de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais).

Helena Rosa Mônaco S.L. Coelho

Juíza Relatora

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