Estado-maior

Sem sala de Estado-Maior, advogado fica em prisão domiciliar

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25 de maio de 2006, 19h07

É prerrogativa profissional dos advogados o cumprimento de prisão cautelar em sala de Estado-Maior. No caso de não existir instalações com essa qualificação, é assegurado ao advogado recluso o direito à prisão domiciliar.

O entendimento é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que garantiu ao advogado Ezio Rahal Melillo o direito de ser transferido para o regime de prisão domiciliar até que se julgue o mérito do pedido de Habeas Corpus.

Melillo foi condenado em primeira instância, por fraude ao INSS, a três anos e quatro meses de reclusão em regime fechado. Em novembro de 2004, sua prisão preventiva foi decretada. Com isso, o advogado foi encaminhado para uma cela separada de presos comuns no presídio de Avaí, interior de São Paulo.

O advogado de Melilo em nome da seccional paulista da OAB, recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região com o argumento de que seu cliente passava por constrangimento ilegal. Isso porque o mandado de prisão não obedeceu ao inciso V, do artigo 7º, da Lei 8.906/94, segundo o qual “são direitos do advogado, não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e na sua falta, prisão domiciliar”.

O tribunal rejeitou o pedido e o advogado recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Segundo a defesa, a alteração do artigo 295 do Código de Processo Penal, que lista as autoridades que devem ser recolhidas “a quartéis ou prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeito a prisão antes de condenação definitiva”, não alterou a garantia à sala de Estado Maior para os advogados. O STJ, contudo, manteve a decisão de segunda instância.

Em novo recurso ao Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello concedeu a liminar para determinar a transferência do advogado. Como isso não ocorreu, um outro pedido de liminar em Habeas Corpus foi impetrado e o réu transferido para o regime de prisão domiciliar.

HC 88.702

Leia a íntegra da decisão

HABEAS CORPUS 88.702-3 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): EZIO RAHAL MELILLO

IMPETRANTE(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE SÃO PAULO E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): OTÁVIO AUGUSTO ROSSI VIEIRA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES : RELATOR DO HC Nº 47.665 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: ADVOGADO. PRISÃO ESPECIAL (“SALA DE ESTADO-MAIOR”). INEXISTÊNCIA, NO LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE QUALIFIQUE COMO “SALA DE ESTADO- -MAIOR”. PRISÃO DOMICILIAR. PRERROGATIVA DE ORDEM PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ART. 7º, INCISO V, “IN FINE”). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001. INAPLICABILIDADE DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS. EXISTÊNCIA, NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVEL. SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Ao pronunciar-me nesta sede processual, assinalei, em decisão por mim proferida (fls. 79/81), que, caso não existissem, no âmbito da 8ª Subseção Judiciária da Justiça Federal de São Paulo (Bauru/SP), dependências que se qualificassem como “sala de Estado- -Maior” (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V), asseguraria, ao ora paciente, que é Advogado sujeito a condenação penal ainda não transitada em julgado, a prerrogativa de ordem profissional – instituída pelo Estatuto da Advocacia – consistente em recolhimento a prisão domiciliar (art. 7º, V, “in fine”).

O ilustre magistrado federal de primeira instância, após diligências adotadas no âmbito de sua jurisdição, esclarece que se revela impossível a execução material da medida cautelar requerida pelos ora impetrantes (fls. 104), eis que constatada a “inexistência de instalações qualificadas como ‘sala de Estado-Maior’, sediadas nesta 8ª Subseção Judiciária” (fls. 104).

A referida situação de fato impõe que se garanta, ao ora paciente, a prerrogativa que lhe confere o ordenamento positivo nacional, que prevê, em favor do Advogado – e na ausência de “sala de Estado-Maior” -, o direito à prisão domiciliar, até que sobrevenha o trânsito em julgado de sentença condenatória (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in fine”).

Salientei, então, em minha decisão, que essa prerrogativa legalinclusive no que concerne ao recolhimento em prisão domiciliar – tem sido garantida pelo Supremo Tribunal Federal, quer antes do advento da Lei nº 10.258/2001 (RTJ 169/271-274, Rel. Min. CELSO DE MELLO), quer após a edição desse mesmo diploma legislativo (RTJ 184/640, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA). Cabe registrar, neste ponto, por extremamente relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento (17/05/2006), ao apreciar o mérito da ADI 1.127/DF, Rel. p/ o acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, entendeu subsistente a norma consubstanciada no inciso V do art. 7º da Lei nº 8.906/94 (ressalvada, unicamente, por inconstitucional, a expressãoassim reconhecidas pela OABinscrita em tal preceito normativo), enfatizando, então, em referido julgamento plenário, após rejeitar questão prejudicial nele suscitada, que é inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão especial, a Lei nº 10.258/2001.

Esta Suprema Corte, ao proceder ao exame comparativo entre a Lei nº 10.258/2001 e a Lei nº 8.906/94 (art. 7º, V), reconheceu, nesse cotejo, a existência de uma típica situação configuradora de antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, na espécie, do critério da especialidade (“lex specialis derogat generali”), cuja incidência, no caso, tem a virtude de viabilizar a preservação da essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Ao assim decidir, o Supremo Tribunal Federal teve presente, dentre outras lições expendidas por eminentes autores (HUGO DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”, p. 164/166 e 168, itens ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 67/69, item n. 4, e p. 72/75, item n. 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios de Resolução”, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência-TJDF/T, vol. 58/25-38, 32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antinomias do Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 15/216-240, 232-233, 2005, RT, v.g), o magistério – sempre lúcido e autorizado – de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 91/92 e 95/97, item n. 5, trad. Cláudio de Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem, na perspectiva do contexto em exame, e ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis, deve prevalecer, por efeito do critério da especialidade, o diploma estatal (o Estatuto da Advocacia, no caso) “que subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)…” (grifei).

Cumpre observar, de outro lado, neste ponto, que, mesmo que se tenha por configurada, na espécie, hipótese mais complexa (motivada pela existência de antinomia entre os critérios cronológico e de especialidade), reveladora, por tal razão, de uma clássica antinomia de segundo grau – decorrente, no caso, da incompatibilidade entre norma anterior especial (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V) e norma posterior geral (Lei nº 10.258/2001) -, ainda assim prevalecerá, por efeito da hierarquização do critério da especialidade (JUAREZ FREITAS, “A Interpretação Sistemática do Direito”, p. 94/98, item n. 3.4, e p. 106/107, item n. 4.2, 3ª ed., 2002, Malheiros), a norma fundada no Estatuto da Advocacia (“lex posterior generalis non derogat priori speciali”).

Sendo assim, pelas razões expostas, e considerando que concorre, na espécie, o pressuposto concernente ao “periculum in mora” – documentalmente comprovado nesta impetração (fls. 62/64 e 65/75) -, defiro, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o provimento cautelar requerido pelos ora impetrantes, em ordem a determinar a imediata transferência, para prisão domiciliar (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in fine”), do ora paciente, que deverá ser recolhido à sua própria casa residencial, localizada em São Manuel/SP (fls. 59), ficando sujeito às normas de vigilância e de conduta que lhe impuser o Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Bauru/SP (Processo nº 2000.61.08.008761/0), que fica igualmente autorizado a fazer cessar referido recolhimento domiciliar, se e quando se registrar eventual abuso por parte do paciente em referência.

Esta Suprema Corte deverá ser informada tão logo o paciente seja recolhido em prisão domiciliar.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Bauru/SP (fls. 83), bem assim à eminente Senhora Presidente do E. TRF/3ª Região (fls. 88)

2. Aguarde-se resposta ao ofício de fls. 88.

Publique-se.

Brasília, 24 de maio de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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