Perito insuspeito

STJ rejeita recurso da Globo em ação de direitos autorais

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24 de maio de 2006, 11h13

A TV Globo não conseguiu provar que o perito responsável pela análise dos direitos autorais em uma ação de indenização pelo uso indevido de músicas é suspeito para trabalhar no caso. O Recurso Especial da emissora foi negado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A ação de indenização é movida pelas gêmeas Maria Cristina e Maria Cecília Fernandes Cardoso. Elas cobram R$ 200 milhões pelos direitos autorais de 62 músicas e 600 produções musicais em co-autoria.

Segundo os autos, são das irmãs os temas para os programas Os Trapalhões, A Festa é Nossa, além das aberturas de TV Pirata e Globo de Ouro. De acordo com as compositoras, elas trabalharam na TV Globo de 1984 a 1989 e, até hoje, a empresa estaria usando a titularidade intelectual da obras sem pagar os direitos autorais. As irmãs também processam a Som Livre, empresa responsável pelo setor fonográfico da Rede Globo.

O que se discute no STJ é a prova pericial. Foi aprovada a realização de perícia autoral e contábil e indicados dois peritos para trabalhar no caso. Em agosto de 2004, um dos profissionais apresentou pedido para homologar seus honorários no valor de R$ 300 mil. A Globo impugnou o valor. Além de alegar que o preço estava muito alto, disse que o perito já tinha sido funcionário da Som Livre e que participou de uma reunião secreta com as compositoras no qual foi discutido os detalhes do caso.

O perito negou as alegações. Na primeira instância, a Argüição de Impedimento foi afastada. O juiz entendeu que o pedido foi feito de forma incorreta e que o profissional, quando nomeado perito, já estava afastado da Som Livre há três anos.

A Globo recorreu. Sustentou que só em dezembro de 2004 soube que existia ação judicial contra a Som Livre e que, como o perito foi diretor jurídico da gravadora por mais de 20 anos, supervisionando os contratos jurídicos da empresa, seria suspeito para a ação.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não acolheu o recurso. Considerou que o pedido foi apresentado fora do prazo. A emissora propôs, então, Recurso Especial para o STJ, com o objetivo de ver reconhecida a suspeição do perito.

O recurso, no entanto, não foi admitido. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, como o recurso especial alega violação do artigo 305 do Código de Processo Civil e não do artigo 138, incide ao caso a Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, a qual não admite o recurso quando a deficiência na sua fundamentação não permite a exata compreensão da controvérsia.

Resp 802.081

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 802.081 – RJ (2005⁄0199870-0)

RECORRENTE: TV GLOBO LTDA

ADVOGADOS: JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTROS

TATI FERREIRA NETTO LONGO

RECORRIDO: MARIA CRISTINA FERNANDES CARDOSO E OUTRO

ADVOGADO: GILBERTO FERRAZ DE ARRUDA VEIGA E OUTROS

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recurso especial interposto por TV GLOBO LTDA, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Ação: de indenização, movida por MARIA CRISTINA FERNANDES CARDOSO E OUTRO em desfavor da ora recorrente.

Segundo consta da inicial, as recorridas são cantoras e compositoras, tendo trabalhado para a recorrente na composição e execução de obras musicais para novelas, seriados e programas televisivos diversos, no período que foi de 1.983 a 1.989.

Apesar de a titularidade intelectual das diversas obras pertencer às ora recorridas, de acordo com a inicial, a TV GLOBO LTDA. estaria usurpando esse direito desde 1.984, não só por meio de portaria que determinou a exclusão do direito de nominação individual do criador pelas obras sonoras que utiliza, mas também pelo não pagamento de direitos autorais em face das constantes reprises a que submete seus programas, no Brasil e no exterior. O pedido abarca, portanto, danos patrimoniais por utilização indevida do material fonográfico, em desrespeito aos direitos de autoria e co-autoria, assim como danos morais, em face da supressão dos créditos pela composição das obras executadas nos programas de televisão.

Existe, ainda, outra ação, movida igualmente pelas recorridas em face da empresa responsável pelo setor fonográfico da Rede Globo (‘Som Livre S⁄A’), na qual se pede danos materiais e morais pela utilização não autorizada de música composta pelas autoras em coletânea de antigos sucessos chamada “Hits Again”.

Contestado o pedido e deferida a realização de prova pericial autoral e contábil, foram nomeados dois peritos em 21.08.2002 (fls. 163) e oferecidos quesitos pelas partes, assim como indicados assistentes técnicos.

Contudo, em 24.08.2004, perito diverso daquele anteriormente nomeado para a análise relativa aos direitos autorais – cuja substituição não resta explicada nos autos – apresentou pedido de homologação de seus honorários, por ele arbitrados em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), em face da complexidade e do tempo demandado para a realização dos trabalhos (fls. 184).


Tal valor foi impugnado pela ora recorrente, por excessivo, em petição de 08.09.2004; nessa mesma ocasião, levantou-se questão relativa ao impedimento do perito, seja porque o valor extorsivo exigido já seria motivo para tanto, seja por ser ele ex-funcionário de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico da TV GLOBO LTDA., qual seja, a SIGLA – Sistema Globo de Gravações Audiovisuais LTDA, cujo nome fantasia é ‘Som Livre’ (fls. 188⁄195).

Da resposta do perito, consta que este havia sido nomeado no presente processo em 24.02.2003, e que a ora recorrente sempre soube do fato que indicou como causa de impedimento, qual seja, sua condição de ex-funcionário, apesar de só estar suscitando a questão muito tempo depois de sua nomeação (fls. 198⁄208).

Em 03.12.2004, a ora recorrente impugnou, novamente, as informações do perito, e voltou a argüir o impedimento deste, agora acrescentando o fato de que teria havido uma reunião secreta entre as recorridas e aquele para discutir detalhes do processo (fls. 211⁄223).

Decisão: o juiz afastou a argüição de impedimento em 09.12.2004, sob três fundamentos: a) porque não argüida na forma correta, qual seja, por exceção; b) porque desrespeitado o § 1º do art. 138 do CPC, à medida que a nomeação do perito se deu em 24.02.2003, a ré apresentou quesitos em 19.07.2004 e impugnou sua nomeação apenas em 08.09.2004; e c) porque o perito tinha sido empregado de empresa vinculada a outro ramo empresarial do grupo ao qual faz parte o ora recorrente e, de qualquer modo, o vínculo já se havia rompido há três anos (fls. 244).

Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados (fls. 249).

Novo pedido: em 17.12.2004, a ora recorrente interpôs ‘exceção’ de suspeição contra o mesmo perito, alegando, desta feita, que apenas em 02.12.2004 veio a saber da existência daquela outra ação já citada, proposta na comarca de São Paulo igualmente pelas recorridas em desfavor da gravadora Som Livre. Como o atual perito havia sido, segundo alega, diretor jurídico daquela gravadora por mais de vinte anos, e nessa condição supervisionou todos os contratos firmados pela empresa, seria ele suspeito para exercer a peritagem na presente ação.

Decisão do juiz: determinou a devolução da petição ao signatário, por falta de interesse de agir, à medida que “(…) a matéria deduzida na presente exceção já foi objeto de questionamento pelo excipiente através de petição nos autos e inclusive já apreciada e decidida” (fls. 15).

Decisão do relator: interposto agravo de instrumento, este não foi conhecido, em decisão unipessoal do relator, por ser intempestiva a exceção, uma vez que seu prazo não seria o de quinze dias do art. 305 do CPC, que é norma geral, mas o de cinco dias, em face da norma especial constante no art. 138 e parágrafos do mesmo Código.

Agravo: o colegiado manteve o entendimento do relator, negando provimento ao recurso por maioria, com a seguinte ementa:

“EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO ARGÜIDA CONTRA PERITO JUDICIAL. PRAZO PARA SEU OFERECIMENTO. QUESTÃO DISCIPLINADA POR NORMA ESPECIAL, CONTIDO NO ART. 138 E SEUS §§ DO CPC, QUE TRATA DOS MOTIVOS DE IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO DOS AUXILIARES DO JUÍZO, E QUE DEVE SER APLICADA AO CASO, EM PREJUÍZO DO PRECEITO CONTIDO NO ART. 305 DO MESMO CÓDIGO, ESPECÍFICO PARA AS EXCEÇÕES DESSA NATUREZA COM ARGÜIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO JUIZ. NÃO DISPONDO AQUELE PRECEITO, INICIALMENTE MENCIONADO, A RESPEITO DO PRAZO PARA TAL OFERECIMENTO, DEVE SER MANIFESTADA ALUDIDA EXCEÇÃO NOS CINCO DIAS SEGUINTES À PRIMEIRA OPORTUNIDADE DE QUE DISPUSER O EXCIPIENTE PARA FALAR NOS AUTOS, APÓS A REVELAÇÃO DO FATO JUSTIFICADOR DA ALUDIDA SUSPEIÇÃO. PREVALÊNCIA DA NORMA ESPECIAL SOBRE A GERAL, COMO PRINCÍPIO GERAL DE HERMENÊUTICA. ADOÇÃO, ADEMAIS, DE REGIMES PROCEDIMENTAIS DIVERSOS PREVISTOS PARA AS EXCEÇÕES OPOSTAS AOS AUXILIARES DO JUIZ, E A OFERECIDA RELATIVAMENTE A ESTE. Confirmação do decidido” (fls. 279⁄280).

Recurso especial: alega violação ao art. 305 do CPC, além de divergência jurisprudencial, porque o prazo para exceção de suspeição só pode ser o de quinze dias.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

A controvérsia cinge-se a um único ponto, relativo à definição do prazo aplicável à argüição de suspeição do perito.

A recorrente entende que deve ser aplicado o prazo de quinze dias contados a partir do descobrimento do motivo que leva à suspeição, nos termos do art. 305 do CPC, este teoricamente aplicável para todas as hipóteses de suspeição, e não apenas quando se tratar de exceção de suspeição do juiz.

O acórdão recorrido, contudo, afastou a aplicação do supra citado artigo, pois, na ausência de disposição temporal expressa pelo art. 138, § 1º, do CPC, que é norma especial sobre suspeição do perito, o prazo a ser aplicado é o genérico, de cinco dias, a partir do conhecimento do fato.


I – Do momento correto para alegação de suspeição.

Inicialmente, verifica-se que não há dissonância quanto ao fato de ter a suspeição, como marco, o efetivo conhecimento do fato que a ela dá origem. Tal conclusão, admitida como ponto de partida tanto pelo acórdão quanto pela recorrente, está em perfeita consonância com os pouquíssimos julgados do STJ que já analisaram a questão.

Dentre eles, cite-se o Resp nº 36.390⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 05.05.1.997, assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. ARGÜIÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL: CIÊNCIA DO FATO OCASIONADOR DA SUSPEIÇÃO. HIPÓTESES DE SUSPEIÇÃO. ENUMERAÇÃO TAXATIVA. RECURSO IMPROVIDO.

I- O PRAZO PARA A ARGÜIÇÃO DE EXCEÇÃO DE PERITO É CONTADO DO CONHECIMENTO DO FATO CAUSADOR DA SUSPEIÇÃO.

II- SÃO TAXATIVAS AS HIPÓTESES DE SUSPEIÇÃO PREVISTAS NO ART. 135 DO CPC.

III- RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO”

Nessas circunstâncias, admite-se como verdadeira a afirmação da recorrente, no sentido de que só tomou ciência do fato que entende causador da suspeição em 02.12.2004, tendo protocolizado a argüição em 17.02.2004. Tais dados serão reputados verdadeiros apenas para efeitos de se discutir o acerto ou erro da decisão do TJ⁄RJ que não conheceu da exceção por intempestividade.

II – Da norma aplicável à espécie.

A suspeição do perito é autorizada pelo art. 138, III, do CPC, e disciplinada pelo § 1º desse mesmo artigo, nos seguintes termos:

“Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição: (…) III – ao perito; (…)

§ 1º. A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de cinco (5) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido” (destaque nosso).

Temos, portanto, duas premissas inarredáveis: a) a alegação de suspeição do perito é possível a partir do momento em que o interessado toma conhecimento do fato; e b) deve ela ser feita ‘na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos’.

Nessa segunda premissa está o cerne da discórdia. Note-se que o § 1º do art. 138 do CPC não afirma que, a partir do conhecimento do fato, abre-se prazo para a parte alegar a suspeição do perito, seja em cinco ou em quinze dias; diz, apenas, que aquela deve ser argüida ‘na primeira oportunidade’. E esta pode se dar no dia seguinte ou um mês depois, de acordo com o andamento do processo; não se marca prazo para que uma ‘primeira oportunidade’ apareça, em face da evidente contradição entre tais conceitos.

Portanto, equivocam-se tanto o TJ⁄RJ quanto a recorrida quando pretendem fazer, da data de conhecimento do fato, o marco inicial de um prazo processual de cinco ou quinze dias para o oferecimento da petição de suspeição.

A Terceira Turma já teve oportunidade de se manifestar nesse sentido, considerando preclusa a argüição de suspeição de perito quando proposta depois de ter a parte depositado os valores pedidos a título de honorários, em voto relatado pelo i. Min. Castro Filho, assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PERITO. SUSPEIÇÃO. MATÉRIA PRECLUSA. REALIZAÇÃO. NOVA PERÍCIA. FACULDADE. VERIFICAÇÃO. NECESSIDADE. SÚMULA 7⁄STJ.

I – Se a parte considerava o perito suspeito, deveria ter impugnado sua indicação na primeira oportunidade que tivesse para falar nos autos (art. 138, § 1º, CPC). No caso, entretanto, assentiu tacitamente com a designação, tanto que depositou os honorários arbitrados. Precedentes.

II – A realização de nova perícia constitui, em regra, faculdade do juiz, que é o destinatário da prova, cuja conveniência não é passível de revisão nesta instância, em razão da Súmula nº 7 do STJ.

Agravo desprovido” (AgRg no Ag nº 500.602⁄MG; 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 06.12.2004).

No mesmo sentido, a doutrina de Celso Agrícola Barbi:

“A lei não fixou prazo para argüição do impedimento ou suspeição do órgão do Ministério Público e do auxiliar da justiça, limitando-se a dizer que seria na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos” (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 11ª Edição, pág. 436).

Para afastar a alegação de intempestividade, portanto, teria bastado à recorrente alegar violação ao § 1º do art. 138 do CPC, afirmando que peticionou ao juiz no primeiro momento possível. Assim, afastado o motivo para o não conhecimento do agravo, seria possível a devolução do processo ao TJ⁄RJ para que este analisasse se, efetivamente, a interessada-recorrente já não teria ciência do fato que alegou motivar a suspeição em data anterior, e se tal motivo representaria, realmente, uma causa de suspeição.


Mas a recorrente alegou, tão-somente, violação ao art. 305 do CPC, que estabelece o prazo de 15 dias para interposição da exceção de suspeição.

Tal artigo, repita-se, não é aplicável à questão, apesar de existirem opiniões divergentes; cite-se Nelson Nery Jr., nos seguintes termos: “A argüição de parcialidade do perito deve ser feita dentro do prazo de quinze dias, contados do fato que ocasionou a suspeição ou impedimento (CPC 305)”, muito embora o mesmo autor ressalve entendimentos no sentido que por ora se adota (Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 6ª Edição, nota 3 ao art. 138, pág. 498).

Ressalte-se que o art. 305 do CPC diz respeito, diretamente, à exceção de suspeição destinada ao juiz da causa e mantém conexão direta com o art. 297, assim redigido: “O réu poderá oferecer, no prazo de quinze (15) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção”. Tal exceção será processada em apenso aos autos principais (art. 299), e o seu recebimento causa a suspensão do processo (art. 306), até definitivo julgamento.

Disso já decorre a diferença de tratamento dado pelo CPC à questão da suspeição quando esta é argüida em relação ao juiz, se comparada à argüição que tem por objeto um auxiliar da justiça. Nestes casos, conforme determina o supra transcrito art. 138, § 1º, do CPC, a alegação se faz por simples petição e não suspende o curso do processo. Este é o entendimento da doutrina, ao tratar da suspeição do perito:

“Não há que se falar, em se cuidando de alegação de impedimento ou de suspeição, em exceção – pois este é meio de defesa processual resguardado às hipóteses em que o indigitado seja juiz. A regulamentação da exceção processual (arts. 304-311), bem examinada, não deixa dúvida quanto a esta conclusão. Somente quando a atuação do juiz estivesse em causa se poderia cogitar de suspensão do processo (art. 306); e somente ela explica as regras previstas pelos arts. 313 e 314.

O primeiro parágrafo do art. 138 oferece o modo como se há de expressar a alegação e quem competente para recebê-la, processá-la e julgá-la, sem a menor projeção no andamento da causa” (Antônio Dall’Agnol, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2.000, vol. II, pág. 177).

Portanto, a alegação de violação ao art. 305 do CPC, único artigo de Lei Federal que foi apontado como violado nas razões de recurso especial, apresenta-se deslocada do contexto jurídico em que se desenvolve a questão analisada.

No tocante à alínea “a” do permissivo constitucional, portanto, é de se reconhecer a incidência da Súmula nº 284⁄STF, porque as razões de recurso especial não mantém pertinência com a matéria de direito processual discutida.

III – Dos acórdãos supostamente divergentes.

A discussão, contudo, merece aprofundamento em face da alegada existência de dissídio jurisprudencial.

Com efeito, cita a recorrente dois julgados do STJ que teriam admitido a incidência do prazo de quinze dias para ajuizamento do pedido, a partir do conhecimento do fato que gera a suspeição do perito. São eles o Resp nº 328.767⁄RS, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 04.02.2002, e o já comentado Resp nº 36.390⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel.

A ementa do julgado da 4ª Turma está assim redigida:

“SUSPEIÇÃO. Perito. Prazo.

O direito de argüir a exceção pode surgir a qualquer tempo, mas deve ser exercido no prazo de quinze dias depois de a parte ter conhecimento do fato. Na espécie, o prazo deve ser contado da intimação da nomeação do perito. Art. 305 do CPC.

Recurso não conhecido”.

Em tal acórdão, ficou estabelecido ser impossível revolver matéria fática para redefinir a data da ciência do fato motivador da suspeição pelo interessado, em face da Súmula nº 7⁄STJ; e também que, uma vez ocorrido tal fato, e dele ciente a parte, haveria prazo certo para suscitar o incidente, porque a ‘primeira oportunidade’ a que se refere o § 1º do art. 138 do CPC é, justamente, aquela consubstanciada no prazo de quinze dias do art. 305 do CPC; nos termos do voto, “(…) não seria razoável aguardar-se a realização da perícia para, somente depois, quando tivesse de se manifestar sobre a perícia, vir suscitar a parcialidade do perito de cuja nomeação já tivera há muito conhecimento, e cujos fatos ensejadores da suspeição eram antigos”.

Contudo, conforme visto, entendo que o art. 305 do CPC tem aplicação em situação própria, não podendo ser conjugado com o § 1º do art. 138 do CPC, porque não há conjugação possível entre normas que estipulam sistemas de prazo totalmente diversos. Não há como conciliar a situação consubstanciada ‘na primeira oportunidade de se manifestar’ com um prazo certo de quinze dias; uma tentativa desse tipo significa, na verdade, aniquilar completamente a autoridade do primeiro comando, pois dizer-se que a suspeição deve ser argüida ‘na primeira oportunidade dentro de quinze dias’ é o mesmo que dizer, simplesmente: argúa-se em quinze dias. Afinal, no décimo-quinto dia, o interessado deverá, sob pena de preclusão, tê-la argüido obrigatoriamente, configurada ou não a ‘primeira oportunidade’.

É certo que a adoção do prazo de quinze dias afastaria, conforme bem analisado pelo i. Min. Ruy Rosado de Aguiar, a possibilidade de que a parte, já sabedora do motivo causador da suspeição, apenas a manifestasse muito tempo depois, quando intimada de algum outro ato processual, e tão-somente se o resultado da perícia lhe fosse desfavorável. Mas, acaso existente tal situação, seria de se invocar a responsabilidade da parte que, no curso do processo, age como litigante de má-fé, nos termos do art. 17, V, do CPC.

Em resumo, inviável o reconhecimento do alegado dissídio jurisprudencial, porque, conforme já afirmado, a questão aqui versada tem o seu cerne no art. 138, § 1º, do CPC, e não no art. 305 do mesmo Código.

Quanto ao segundo suposto paradigma, qual seja, o já citado Resp nº 36.390⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, é de se notar que, conforme demonstrado no item I deste voto, seu objeto foi outro, qual seja, afirmar que a suspeição deve ser argüida a partir do momento em que a parte toma conhecimento do fato relevante e não, necessariamente, quando da nomeação do perito.

Da leitura do acórdão, verifica-se que a aplicação do prazo de quinze dias à hipótese de suspeição do perito não foi tema de discussão, e consta do texto apenas acidentalmente, em transcrição de ementa de julgado do 2º Tac⁄SP; portanto, àquela ocasião, o STJ não afirmou, ao contrário do que entende a recorrente, que o art. 305 do CPC deveria ser conjugado com o art. 138 do mesmo Código. Não existe, portanto, como reconhecer interpretação diversa de lei federal entre o acórdão recorrido e este alegado paradigma.

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial.

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