Crime comum

Homicídio movido por forte emoção afasta caráter hediondo

Autor

24 de maio de 2006, 7h00

Não é crime hediondo o homicídio movido por forte emoção. Com essa consideração, prevista no parágrafo 1º do artigo 121 do Código Penal, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reduziu em um sexto a pena de 14 anos de reclusão de um homem condenado por matar a ex-companheira, que não queria reatar o relacionamento.

O Ministério Público gaúcho denunciou o ré por ter matado a vítima com seis tiros, por motivo fútil, depois do fim da relação. O relator do processo no TJ, desembargador Newton Brasil de Leão, esclareceu que o crime só foi cometido em razão do ciúme que o réu nutria em relação à vítima, o que não justifica a ação que tomou, mas torna o fato particular.

“Dado o contexto criado pelos constantes desentendimentos que se verificam entre o réu e a vítima, não calha alegar que tenha ele sido surpreendido por alguma atitude dela, com gravidade tal que o levasse a descontrole em nível capaz de turvar-lhe por completo a razão”, explicou o relator em seu voto.

A 3ª Câmara Criminal afastou a característica de crime hediondo reconhecida pelo Júri e manteve o regime da sentença como inicial fechado. Acompanharam as conclusões o desembargador José Antônio Hirt Preiss e a desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos.

Processo 70010986677

Leia a íntegra da decisão

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. REGIME PRISIONAL. Afastada a hediondez do crime, face reconhecimento, pelo Júri, da privilegiadora do parágrafo 1º do artigo 121, do Código Penal, defeso se faz o estabelecer do regime integral fechado para o cumprimento da sanção imposta.

APELAÇÃO CRIME: TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70010986677: COMARCA DE TAPERA

MINISTÉRIO PÚBLICO: APELANTE/APELADO

ELPÍDIO BERVIAN: APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Acordam, os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em negar provimento ao apelo defensivo; e em dar provimento, em parte, ao recurso do Ministério Público, para aumentar a pena aplicada ao réu Elpídio Bervian, para onze anos e oito meses de reclusão.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os Desembargadores JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREIS, e ELBA APARECIDA NICOLLI BASTOS.

Porto Alegre, 07 de julho de 2005.

DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO,

Presidente – Relator.

RELATÓRIO

1. Conforme se depreende do contexto processual, Elpídio Bervian foi denunciado pelo Ministério Público como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos II (motivo fútil), IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), do Código Penal, por ter, no dia 10 de maio de 2004, em horário compreendido entre a 0 hora e 15 minutos e 07 horas e 15minutos, na cidade de Tapera, efetuando disparos com um revólver, não apreendido, matado Nádia Aparecida da Silva, atingindo-a na região peitoral direita, região peitoral esquerda, região do antebraço esquerdo, região do cotovelo direito, região do antebraço direito e região glútea direita, sendo que a morte ocorreu devido à hemorragia interna, consecutiva a ferimento transfixante em pulmões, por projétil de arma de fogo.

O delito foi praticado por motivo fútil, tendo o denunciado matado a vítima, por não mais querer, esta, com ele manter relacionamento amoroso. Praticado ainda mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, pois quatro dos disparos efetuados foram de trás para frente do corpo da vítima.

Denúncia feita em 27/05/2004, e recebida em 31/05/2004.

O feito foi instruído regularmente.

Sobreveio decisão condenatória, nos termos do art. 121, § 1º e § 2º, inciso IV, c/c o art. 66, ambos do CP, tendo sido a Elpídio aplicada pena de 10 anos e 10 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado.

Inconformado, o Ministério Público apelou, pleiteando a majoração da pena-base e alteração de cumprimento do regime, para o integral fechado, nos termos do art. 2º da Lei 8.072/90.

Por sua vez, a defesa também recorreu, pretendendo a diminuição da pena privativa de liberdade. Alternativamente, pleiteou a correção de erro material, para que a diminuição de 1/6 imposta incida sobre os 12 anos.

Os recursos foram contra-arrazoados.

O Dr. Procurador de Justiça opina pelo parcial provimento do recurso ministerial, e improvimento do apelo defensivo.

É o relatório.

VOTOS

DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO (RELATOR)

2. Ainda que os recursos veiculem irresignações apenas no que atine à fixação da pena, insta assentar que o fato em julgamento se apresenta como o infeliz, mas previsível desate, de uma relação amorosa severamente desgastada, para o que contribuiu tanto o comportamento pretérito do réu, quanto o da vítima. Os autos noticiam truculências de ambas as partes, com sucessivas separações e reencontros, nenhuma resolvida de modo pacífico.

O destaque foi, propositadamente, dado a isso, face a importância que tais informações assumem para uma correta avaliação do que pleiteiam os recorrentes, nos seus recursos.

Elas, por exemplo, exercem influência indiscutível quando do mirar das circunstâncias do artigo 59, do Código Penal, notadamente nas referentes à conduta social do réu, nos motivos do crime, no comportamento da vítima, nas circunstâncias, além de também implicar na avaliação da personalidade do réu, e também nos seus antecedentes. É intima e indissociável a ligação desses elementos, sendo isso o que torna o feito particular.

Veja-se que praticamente todos os fatos levados ao conhecimento da autoridade policial, e que em princípio poderiam ser tomados como maus antecedentes, ou foram diretamente praticados contra a vítima deste processo, ou contra aqueles que dela próximo se encontravam. Em todas as ocorrências o motivo foi um só, ou seja, o ciúme que ele nutria em relação a ela, e o seu desagrado com o fato de ela não pretender reatar a relação que até há pouco haviam mantido.

Diante disso, tenho que se está diante da hipótese em que melhor afastar, fim de avaliação dos antecedentes, o se saber que respondendo a outros processos o condenado.

Ainda, e por razões semelhantes, não recomendado falar ele apresentasse conduta social desregrada. É que as infrações supostamente por ele cometidas tinham o mesmo propósito, que outro não era que alcançar a reconciliação com Nádia. As ações concretas por ele praticadas, todas, se constituíram em desdobramento daquele desagrado. Não há notícias por outros motivos ele tenha se envolvido em algum ilícito. Há, sim, testemunhos que abonam sua conduta, prestados por pessoas da comunidade em que vive. É certo, não desconheço que também há os que apontam noutro sentido. Noto, porém, que estes vieram de pessoas que de algum modo se acharam, num momento ou noutro, envolvidos no que precedeu o cometimento do crime que deu origem a este feito.

Por isso, há que se ver neutra a circunstância.

E tudo o quanto até aqui ponderado, acaba por se refletir também no que diz com a personalidade do réu.

Tenho que por má ela não pode ser tomada.

O que suponho é que ele, enquanto perdendo o controle da situação envolvendo o relacionamento que mantinha com a vítima, empregava equivocadas estratégias para reconquistá-la, e o destempero o movia. Mas é sempre de lembrar o objetivo que visava.

Pode-se, sim, a partir disso, afirmar que de certo modo ele apresenta personalidade desviada, mas se pode também, e por conta do que os autos revelam, que tal desvio não era no sentido de cometer crimes, desinteressando-se por toda e qualquer regra de comportamento que a todos é imposta. E tanto, a meu sentir, retira o peso negativo da circunstância.

Para o avaliar das circunstâncias do crime, tenho que nenhuma surpresa causou, posto que o conjunto das ocorrências até ali verificadas, todas girando em torno dos desentendimentos entre o acusado e a vítima, já definiam os contornos do quadro que se desenharia, depois. Há informações de a truculência o que marcava praticamente todos os encontros que entre eles ocorriam. Vejo, então, que as circunstâncias favoreceram, sobremodo, o desate que acabou por se concretizar. Sem peso, portanto.

De outro norte, e tendo em vista que o destempero também marcava o comportamento da vítima, de certa forma alimentando o descontentamento do réu com a situação, força é tomar a circunstância em favor do réu-apelante.

Já quanto aos motivos do crime e às conseqüências dele, indesviável que apresentam peso negativo, na análise. O crime foi cometido em razão do desmedido ciúme que o réu nutria em relação à vítima, o que, modo algum, justificava a ação extrema que tomou, e à conta disso deixadas ao desamparo duas crianças.

E não convence, fim de neutralizar este peso, como alega a defesa nas razões, o fato de ao réu também terem resultado conseqüências, em face da condenação. Não é isso o que importa, nesta fase. Elas, por mais gravosas que sejam, inserem-se no custo a arcar por quem cometa crime de qualquer natureza.

Por fim, entendo que a avaliação da culpabilidade veio bastante com a sentença. Embora isso, acrescento que condições tinha o réu para melhor avaliar a situação, que se agravava a cada dia, deixando claro que evoluía para quadro mais grave, o que acabou se concretizando.

Tudo conduz, então, ao provimento do apelo ministerial, nessa parte, e, por conseqüência ao improvimento do defensivo, nesse mesmo ponto.

Estabeleço, como base, pena de 15 anos de reclusão, da qual reduzo 01 ano, por conta da atenuante inominada, então se situando, a provisória, em 14 anos de reclusão. Reconhecida a presença da causa especial de diminuição do parágrafo 1º, do artigo 121, do Código Penal, opero redução equivalente a 1/6, para então definitizá-la em 11 anos e 8 meses de reclusão.

Destaco que não era caso de, por conta da privilegiadora, operar-se redução de pena maior do que o mínimo previsto (1/6). É que, dado o contexto criado pelos constantes desentendimentos que se verificaram entre o réu e a vítima, onde por óbvio ele inserido, não calha alegar que tenha ele sido surpreendido por alguma atitude da vítima, com gravidade tal que o levasse a descontrole em nível capaz de turvar-lhe por completo a razão.

Por fim, alinho não ter destoado, a sentença, do pensar da Câmara, no que dispôs sobre o regime prisional a ser observado pelo condenado. Afasta a hediondez do crime o reconhecer, pelo Júri, da privilegiadora do parágrafo 1º do artigo 121, do Código Penal.

São essas as razões pelas quais dou parcial provimento ao apelo ministerial, e aumento a pena aplicada ao réu para 11 anos e 8 meses de reclusão, mantendo o regime da sentença, e improvejo o recurso defensivo.

É o voto.

DES. JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREIS (REVISOR) – de acordo.

DES.ª ELBA APARECIDA NICOLLI BASTOS – de acordo.

Julgador de 1º Grau: Dr. Rodrigo de Azevedo Bortoli.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!