Vale o código

Foro para reclamação de consumidor é o de seu domicílio

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24 de maio de 2006, 7h00

Uma ação pode ser proposta no domicílio do consumidor reclamante independentemente do foro eleito em contrato assinado pelas partes. O entendimento é da desembargadora Isabela Gama de Magalhães da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo que confirmou sentença da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente, em São Paulo. Cabe recurso.

A desembargadora manteve o entendimento da primeira instância de que deve ser aplicado o Código do Consumidor, em especial o artigo 101, inciso I, em ação que reclama pela responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços. Assim a ação pode ser proposta no domicílio do autor. Ressalvou que a cooperativa nada tem de cooperativa, já que é “um sistema de autofinanciamento de aquisição da casa, que induvidosamente caracteriza relação de consumo.”

Histórico

Rosa Maria Martins Lopes discordou dos valores cobrados pela Cooperação Cooperativa Habitacional em plano de aquisição de moradia. Por isso ingressou com uma ação de consignação em pagamento junto ao Fórum mais próximo de sua residência, em São Paulo. A entrada do processo naquele fórum foi feita com base em dispositivo previsto no Código de Defesa do Consumidor (artigo 101, inciso I). Rosa Maria é representada pelo advogado Aurélio Okada.

Descontente, a cooperativa ingressou com exceção de incompetência, alegando que os autos deveriam ser remetidos para a Comarca de Santo André ou de Barueri. A primeira onde a cooperativa está sediada e a segunda por se tratar do foro eleito pelas partes e onde se situa o imóvel adquirido. Em sua defesa insistiu veementemente não se aplicar, no caso, o Código de Defesa do Consumidor.

O argumento foi rejeitado pelo juiz, que considerou que “… para a hipótese dos autos aplicam-se as normas de defesa do consumidor. Assim é porque, não importa o modo como se apresenta, o fato é que o negócio que predomina entre as partes é a aquisição, pela autora, de casa própria, ou seja, compra e venda de um bem, afigurando-se a requerida como fornecedora e a requerente como adquirente”.

Leia a íntegra da decisão:

PODER JUDICIÁRIO – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÂTICA REGISTRADO(A) SOB N° ‘00986134*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO n° 34 6.211-4/1-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é agravante COOPERAÇÃO COOPERATIVA HABITACIONAL PLANALTO sendo agravada ROSA MARIA MARTINS LOPES:

ACORDAM, em Sexta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAGNO ARAÚJO (Presidente), VITO GUGLIELMI.

São Paulo, 27 de abril de 2006.

ISABELA GAMA DE MAGALHÃES: Relatora

AGRAVO DE INSTRUMENTO n°: 346 211 4/1

AGRAVANTE: Cooperação Cooperativa Habitacional Planalto

AGRAVADA: Rosa Maria Martins Lopes COMARCA: São Paulo

Voto n° 6.515

Agravo de instrumento – Exceção de incompetência – Ação de consignação em pagamento – Preliminares arguidas em contraiu inu ta rejeitadas, eis que as peças que formam o instrumento permitem o exame do inconformismo da agravante. Relação de consumo entre a promitente compradora e a cooperativa – Aplicação da norma do artigo 101, inciso I, da Lei n° 8.078/90, afastada a cláusula de eleição de foro -Recurso improvido.

Trata-se de agravo tirado dos autos de exceção de incompetência rejeitada e oposta por Cooperação Cooperativa Habitacional em apenso à ação de consignação em pagamento que lhe move Rosa Maria Martins Lopes o casal de Nelson Martins Magno.

A Cooperativa pede a reforma da decisão de fls. 52/53, do instrumento, alegando, em síntese, que a causa que envolve as partes deve ser processada perante as Comarcas de Santo André ou Barueri, porque nesta está sediada, e aquela foi eleita quando celebrado o contrato debatido nos autos, além de ser o local do imóvel objeto da avença, sendo impositiva a incidência, na espécie, dos artigos 94 e 100, do estatuto de rito, tudo como aduz na minuta de fls.

O recurso, tempestivo, foi bem processado, com informações do MM. Juízo – fls. 81, e resposta da parte contrária que argüiu preliminares de não conhecimento do agravo e, no mérito, pugna pelo seu improvimento – fls. 84/90.

Instada a se manifestar sobre os documentos juntados na resposta, a agravante quedou-se inerte, fls. 224,225 e 230.

É o relatório.

Rejeito as preliminares argüidas na contra-minuta de fls.

Ainda que omissa em alguns pontos a formação do instrumento, as peças que vieram a estes autos permitem o exame do inconformismo da agravante e não se mostram necessárias e indispensáveis para dirimir a matéria aqui debatida entre as partes.

E, no mérito, penso correto o entendimento do ilustre magistrado “a quo”, eis que indiscutível a relação de consumo na espécie, que implica na incidência das normas da Lei n° 8.078/90, em especial aquela do artigo 101, inciso I, do referido estatuto, segundo a qual a ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pode ser proposta no domicílio do autor.

Ao discorrerem sobre o dispositivo legal supra, Arruda Alvim “et al” advertem que nos casos em que se discute direito do consumidor, o autor, poderá, querendo, propor a ação no domicílio do fornecedor de produtos e serviços, embora a lei vede, nessas hipóteses, a eleição do foro, sendo por isso inaplicável a norma do artigo 111, segunda parte, do Código de Processo Civil – Código de Defesa do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, 2a edição, pág. 454.

De outro lado, e ao contrário do que pretende a agravante, a melhor orientação é mesmo aquela adotada pelo r. despacho em exame, quando reconhece que negócio entabulado entre as partes, não importa o modo como se apresenta, resume-se na aquisição de casa própria pela autora, em que a Cooperativa figura como fornecedora do bem, e a recorrida como adquirente do produto.

Nesse sentido, aliás, as várias decisões desta Corte – fls. 91, sobre as quais a agravante deixou de se manifestar, embora tivesse tido oportunidade para tanto, em que já se alertou que, em casos como o dos autos, a cooperativa nada tem de cooperativa, na acepção jurídico-legal do termo, mas consiste, em última análise, num sistema de autofinanciamento de aquisição da casa, que induvidosamente caracteriza relação de consumo.

Diante do exposto, pelo meu voto, rejeitadas as preliminares, nega-se provimento ao recurso.

ISABELA GAMA DE MAGALHÃES: Relatora

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