A economia do crime

Crime organizado não fica nada a dever ao mundo dos negócios

Autor

  • Luiz Guilherme Piva

    é economista-chefe e diretor de finanças da BDO Trevisan e professor da Trevisan Escola de Negócios doutor em Ciência Política pela USP e autor do livro Ladrilhadores e semeadores

24 de maio de 2006, 13h37

O crime organizado é um enorme business. Atende fundamentalmente à demanda existente por drogas – nicho de mercado registrado em todas as culturas, regiões e épocas da humanidade. Organiza a oferta e propicia ao empreendedor acumular capital. Com a demanda tendo atingido grande escala, assumiu também escala produtiva de igual dimensão. Recruta, treina e mobiliza mão-de-obra – a qual vê no emprego a chance de manter-se e de subir na vida. Aciona recursos diretos (papelotes, sacolas, refinadoras, insumos químicos) e indiretos (carros, armas, celulares, bolsas, relógios) para produzir e distribuir seu produto. Estabelece focos territoriais de oferta e de procura. Cria imagens positivas para seu produto – valentia, desenvoltura, criatividade, diferenciação social. E, sem muito esforço, “fideliza” o consumidor.

É um oligopólio que se diria natural. A demanda está posta, o custo de entrar e de se consolidar no mercado é elevado e, dado o tipo de consumidor (que aceita pagar mais e consumir mais mesmo com a elevação do preço – este, aliás, é o espírito da coisa), trabalha com receitas marginais muito acima dos custos marginais. Em mais de uma acepção.

Com a globalização, ou mesmo integrando parte dela, o business do crime abriu ou oficializou rotas de longo alcance, antes inexistentes ou clandestinas. Também estendeu teias para negócios complementares, como entretenimento, comunicações, esportes, seqüestros, bingos, advocacia, transportes, fundos de investimento, etc. Sem contar as externalidades geradas. No campo mais próximo, injeta dinamismo na indústria, comércio e serviços de bens consumidos pelo exército direto e indireto que aufere emprego e renda do negócio principal. No mais distante, incentiva produtos e utilidades como segurança, blindagem, armas, funerárias, informação, mercado de capitais, fonografia, colírios, lenços de papel e algumas vertentes da antropologia e da crítica cultural.

Como qualquer outro business, o crime organizado também precisa de porta-vozes na política e na imprensa. Financia candidatos e eleitos, aproxima-se de autoridades (parecido com o que um antigo sociólogo denominou de “anéis burocráticos”), patrocina anúncios, anunciantes, notícias e noticiadores e influencia na elaboração e na aplicação de algumas leis. Não chega a substituir o Estado e suas instituições, mas questiona tacitamente o monopólio do uso da força – assim como outros negócios põem em dúvida o monopólio da emissão de moeda.

Também se preocupa com a responsabilidade social. Não são raros os apoios a entidades beneficentes, cooperativas, ONGs, escolas de samba e centros educativos. A ênfase é na comunidade em que o negócio mantém sua sede principal, mas não se restringe a ela. O objetivo é obter a adesão da futura mão-de-obra e dos futuros consumidores. Como se faz no mundo dos negócios mais modernos.

Há três problemas centrais nesse business. Um é que seu produto é ilegal, o que obriga a produção, a distribuição e a venda a aumentar suas despesas não-operacionais com propaganda, advogados, corrupção de autoridades, etc. Outro é que seu produto costuma matar o consumidor ou levá-lo à falência, o que torna perversamente crescente o investimento na conquista de novos consumidores e mercados. E, por fim, trata-se de um negócio que não paga impostos de nenhum tipo, o que eleva muito sua taxa de lucro, mas – paradoxalmente? – exige elevados gastos com a fiscalização. Os dois últimos não diferem, exceto pela dimensão, de muitos outros negócios. No que toca ao primeiro problema, pode-se argumentar, cinicamente, que, a depender da época, o rol de produtos legais e ilegais já sofreu e virá a sofrer mudanças.

Dessa leitura econômica não se deve depreender que o negócio das drogas deveria ser oficializado, nem que seja aceitável a complacência que hoje a ele é concedida. Só se quer mostrar, com a ironia possível, por que ele tem a força que tem. De mais a mais, ele talvez nunca vá deixar de existir, porque está assentado em dois instintos essenciais.

O primeiro é o instinto (ou necessidade ou ambição) do ganho econômico e da acumulação de riqueza. Esse é o princípio de qualquer atividade econômica. É por ele que produzimos o que há de útil e inútil, de saudável e de letal, que atenda à demanda humana por sustento, crescimento e prazer.

O segundo é exatamente este – o instinto do prazer. Que gera consumidores e demandantes para o que há de útil e inútil, de saudável e de letal. E que, de forma mais rápida ou mais lenta, leva o ser humano ao seu fim. Mas não ao seu cabo, porque o ser humano é uma faca só lâmina.

(Publicado no jornal Gazeta Mercantil em 24/05/2006

Luiz Guilherme Piva

é economista-chefe e diretor de finanças da BDO Trevisan e professor da Trevisan Escola de Negócios, doutor em Ciência Política pela USP e autor do livro Ladrilhadores e semeadores

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    é economista-chefe e diretor de finanças da BDO Trevisan e professor da Trevisan Escola de Negócios, doutor em Ciência Política pela USP e autor do livro Ladrilhadores e semeadores

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