Noite escura

Concessionária responde por dano causado por queda de energia

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24 de maio de 2006, 7h00

Concessionária tem de ressarcir consumidor quando há danos provocados por queda de energia. O entendimento, já pacificado nos tribunais estaduais, foi reafirmado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O colegiado afirmou que concessionária é uma prestadora de serviço público e, por isso, tem responsabilidade objetiva.

O caso envolve a Rio Grande Energia e a Matrizes Sadel. Segundo os autos, no ano de 2000, funcionários da empresa trabalhavam no horário noturno quando houve queda de energia. No dia seguinte, os equipamentos estavam danificados. Laudos técnicos confirmaram que os estragos ocorreram devido a variações bruscas na corrente elétrica.

Como a concessionária negou o pedido de ressarcimento na esfera administrativa, a Matrizes Sedel recorreu à Justiça. Comprovou os fatos por laudos, testemunhas e notas fiscais todos. A Rio Grande Energia, por sua vez, disse que não houve falha na rede elétrica na data mencionada.

A primeira instância não acolheu os argumentos da concessionária, que recorreu ao Tribunal de Justiça. A relatora do processo, desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira, esclareceu que a ré só poderia se eximir da responsabilidade do dever de indenizar caso conseguisse comprovar que inexistiu má qualidade no serviço prestado ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Processo: 70012758140

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE VARIAÇÃO BRUSCA NA TENSÃO DA REDE ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA. RGE. ART. 37, § 6°, DA CF. CDC.

– A ré, na condição de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de fornecimento de energia elétrica, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da CF. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano.

– Em que pese fato de a requerida ser concessionária de serviço público, isso não afasta, de modo algum, a aplicabilidade da legislação consumerista ao caso.

– Ao passo que a autora comprovou, por meio de laudos técnicos, prova testemunhal e notas fiscais, que sofreu danos materiais em seus equipamentos, e que tal se deu em razão da variação na tensão da rede elétrica, bem como demonstrou o valor do prejuízo, a ré não logrou comprovar a regularidade na prestação do serviço. Art. 333, I e II, do CPC.

– Dever de indenizar configurado.

APELO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL: NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70012758140: COMARCA DE CAXIAS DO SUL

RIO GRANDE ENERGIA S A: APELANTE

MATRIZES SADEL LTDA: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI E DES. ODONE SANGUINÉ.

Porto Alegre, 05 de outubro de 2005.

DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,

Presidente e Relatora.

RELATÓRIO

DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E RELATORA)

Trata-se de apelo interposto por RGE – RIO GRANDE ENERGIA S.A. na ação de indenização por danos materiais que lhe moveu MATRIZES SADEL LTDA., contra sentença que julgou procedente em parte o pedido.

Relatou a autora, na inicial, que, em 12.08.2000, por volta das 22hs15min, quando trabalhava em horário noturno, houve variação de energia elétrica, que se manifestou pelo apagar e acender de luzes. Disse que, por volta das 23hs houve nova queda de energia. Retornando suas atividades na segunda-feira seguinte, verificou que seus equipamentos – computadores e maquinário – ficaram avariados. Sustentou ter providenciado o conserto dos equipamentos, e os laudos técnicos atestaram que os danos ocorreram em razão da variação brusca na tensão da rede elétrica, muito embora dispusesse de transformador para evitar tais variações.

Aduziu que, em 04.10.2000, buscou administrativamente, junto à requerida, ser ressarcida dos prejuízos, sendo seu pedido indeferido. Acionou, então, o seguro, sendo reembolsada de R$ 45.000,00, tendo de arcar, entretanto, com R$ 13.787,28, uma vez que o valor dos danos ultrapassou o da cobertura. Argumentou acerca do serviço defeituoso prestado pela ré, sustentando sua responsabilidade com base no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 927 do Código Civil de 2002. Discriminou os equipamentos avariados e seus valores. Postulou a condenação da requerida ao pagamento da diferença entre o que foi gasto com o conserto dos equipamentos e o valor reembolsado pela seguradora, o que perfaz o montante de R$ 13.787,28, mais correção monetária pelo IGP-M e juros desde as datas dos pagamentos. Juntou procuração (fl. 11) e documentos (fls. 12-35).


A requerida, em contestação (fls. 40-50), argüiu, preliminarmente, ilegitimidade ativa, uma vez que a seguradora HSBC, cobrindo os danos, sub-rogou-se nos direitos da segurada, sendo aquela e não esta, portanto, parte legítima ativa. No mérito, disse que, diante do pedido administrativo de ressarcimento formulado pela autora, investigou sua rede de distribuição, verificando a ausência de qualquer registro que impute à RGE responsabilidade pelos danos.

Admitiu que, como concessionária de serviço público, sua responsabilidade é objetiva, discorrendo acerca dos pressupostos de sua configuração. Apontou a ausência de nexo causal, em face da não comprovação da oscilação da rede. Ressaltou que inúmeras podem ser as causas dos defeitos nos aparelhos da autora, cabendo a ela demonstrar qual foi a determinante. Aduziu a ocorrência de acidente de consumo, bem como a ausência de prova dos danos. Quanto ao valor, sublinhou que a indenização deve equivaler exatamente ao dano sofrido, nem mais, nem menos. Pediu a improcedência. Acostou procuração (fl. 51) e documentos (fls. 52-96).

Houve réplica (fls. 98-101).

Saneado o feito (fl. 102), foi realizada audiência de instrução e julgamento (fl. 122), sendo tomado o depoimento pessoal do representante legal da autora (fls. 131-133) e do preposta da ré (fls. 134-137), bem como ouvidas quatro testemunhas (fls. 137-147).

As partes apresentaram memoriais (fls. 155-160 pela autora e fls. 161-165 pela requerida).

Sobreveio sentença (fls. 167-173) que, julgando procedente em parte o pedido, condenou a ré a indenizar a autora no valor de R$ 11.387,28, acrescido de correção monetária pelo IGP-M desde 27.09.2000, e juros de mora no percentual de 0,5% ao mês desde 27.09.2000 até 09.01.2003 e, a partir de tal data, no percentual de 1% ao mês. Onerada a requerida, ainda, com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 20% do valor – atualizado e acrescido de juros – da condenação.

Inconformada, a ré apelou (fls. 176-197). Reeditou a preliminar de ilegitimidade ativa e, no mérito, a não configuração dos pressupostos autorizadores do dever de indenizar. Enfatizou a não ocorrência de falha na rede elétrica na data de 12 de agosto de 2000, observando que, não havendo sobretensão ou subtensão, a simples queda de energia é incapaz de ocasionar a queima dos aparelhos. Sustentou a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, pelo fato de não restar configurada a relação de consumo. Sublinhou ser ônus da autora comprovar os danos e o nexo de causalidade. Objetivou a reforma da sentença, com a improcedência do pedido de indenização.

Com as contra-razões (fls. 203-210), subiram os autos a este Tribunal, e vieram a mim conclusos, para julgamento, em 02.09.2005 (fl. 212).

É o relatório.

VOTOS

DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E RELATORA)

Eminentes colegas.

O apelo da ré devolveu a esta Corte o exame de toda a questão de mérito discutida na lide, bem como reeditou a preliminar de ilegitimidade ativa, que agora aprecio.

Diz a requerida que, como a seguradora, ao arcar com os danos, sub-rogou-se nos direitos da segurada, não seria a autora parte legítima ativa para o pedido de ressarcimento. É descabida a preliminar.

Com efeito, o que a demandante busca com a presente ação é justamente a diferença entre o prejuízo que teve e o que não foi coberto pela seguradora. Desnecessárias, assim, maiores considerações acerca da legitimidade ativa.

Afastada a preliminar, passo ao exame do mérito, o que faço, já adianto, para confirmar a sentença.

A ré, na condição de empresa privada prestadora de serviço público de fornecimento de energia elétrica, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal, segundo o qual: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Daí tratar-se o caso de responsabilidade objetiva da ré perante a autora, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano.

Ainda, em que pese fato de a requerida ser concessionária de serviço público, isso não afasta, de modo algum, a aplicabilidade da legislação consumerista ao caso.

Dito isso, adoto como razão de decidir os fundamentos da sentença recorrida, que bem examinou os fatos e a prova dos autos, deslindando o feito com coerência e razoabilidade. Assim:

“Inicialmente, importante destacar, como já exposto em preliminar, que pretende a autora ver-se ressarcida de danos em maquinários de sua propriedade ocorridos no dia 12.08.2000 decorrentes de variação de tensão na rede elétrica. Pelos documentos de fls. 13 a 16 restou demonstrado que a autora protocolou junto a RGE solicitação administrativa para o ressarcimento dos danos ocorridos; todavia, obteve resposta negativa. Os documentos são contemporâneos à data em que refere a autora tenha ocorrido a variação de energia, pois o requerimento foi protocolado em 04.10.2000 e a resposta emitida pela demandada em 02.01.2001.


De outra banda, pela contestação ofertada pela demandada e documentos que a instruem, verifico que trata a ré de reclamação diversa, referentes à alegação de sinistro ocorrido em 16.10.2001, ou seja, data muito posterior ao fato alegado na inicial e que em nada se coaduna com o caso dos autos. Ademais, limitou-se a ré a negar a ocorrência de sinistro em 12.08.2000. No mesmo sentido o depoimento do preposto da ré, Valci Costa de Oliveira, informando que a primeira análise por parte da RGE se deu em torno da alegação de sinistro ocorrida em 16.2001.

Acrescentou o preposto que somente foi verificado pela demandada a ocorrência de possível falha na rede elétrica na data de 12.08.2000, após ser citada no processo. Cabível ressaltar que a citação ocorreu somente 02.10.2002. Tratando a contestação, documentos, preposto da ré e testemunha arrolada pela ré de reclamação administrativa diversa da referida na inicial, fundada dúvida resta sobre a efetiva análise de variação no fornecimento de energia no ano de 2000. nesse norte, tenho que merece amparo a alegação da autora em memoriais de que não teve o seu pedido administrativo analisado pela demandada, recebendo, tão somente, resposta formal por ocasião do indeferimento, sem a devida apuração de ocorrência de eventuais danos e atribuição de responsabilidades.

A autora trouxe aos autos laudos que apontam que os danos ocorridos nos equipamentos foram atinentes a problema na rede elétrica. Juntou ainda notas fiscais que comprovam o desembolso de valores para conserto dos equipamentos. O laudo de fl. 24 dos autos, firmado por Alexandre Gonçalves, referiu que a máquina Fanuc estava operando em condições normais e foi danificada devido a uma variação brusca de tensão na rede elétrica.

O técnico prestou depoimento em juízo ratificando que o problema foi ocasionado por variação de energia. Os demais laudos acostados apontam a mesma causa para o sinistro. O laudo de fl. 28 revela que houve picos na rede elétrica e o de fl. 30 que houve descarga acima dos níveis normais. Consta ainda nos autos os depoimentos das testemunhas André Junior Teixeira e Gilnei Enésio Cechet confirmando que houve variação na energia elétrica na data do fato e a ocorrência de danos nos equipamentos. Referiram as testemunhas que as máquinas funcionavam normalmente na noite de sexta-feira, dia da ocorrência do fato, e que, na segunda-feira seguinte, próximo dia de trabalho, não funcionavam.

Assim, analisando a inicial, os documentos que a instruem e depoimentos prestados, tenho que comprovada a alegação da autora de que efetivamente houve problema na rede elétrica que acarretou danos nos equipamentos do autor com conseqüentes gastos.

Considerando que a empresa demandada é fornecedora de energia elétrica e a empresa autora consumidora final do bem, a relação jurídica estabelecida entre as partes é abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual expões em seu artigo 14 que a responsabilidade pelo defeito do serviço é objetiva, bastando somente a demonstração do dano e o nexo de causalidade entre o fato e o defeito para a responsabilização. Importante também mencionar que, em se tratando de relação de serviço abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor, cabível a inversão do ônus da prova por ope judicis, ou seja, por obra do juiz.

No caso dos autos, presente tal hipótese, já que verossímil a alegação da empresa autora. Cabia, assim, à Rio Grande Energia S/A o ônus da prova quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, o que não foi feito. Vale mencionar que em momento algum a ré impugnou os documentos apresentados pela autora, trazendo aos autos, tão somente, documentos dissociados da situação fática que ensejou a presente ação de indenização.

Acrescento, ainda, que a ré só poderia eximir-se da responsabilidade do dever de indenizar caso lograsse comprovar que inexistiu má qualidade no serviço prestado ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (incisos I e II do § 3° do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor). Não se trata, portanto, no caso telado, de aplicação do inciso II do § 3° do artigo 12 do mesmo diploma legal, conforme alegado em contestação pela ré.

(…)

O autor requereu a condenação da RGE ao pagamento de R$ 13.787,28; todavia, compulsando os autos observo que restou somente comprovado pelo autor, através da documentação acostada com a inicial, a diferença de R$ 11.387,28 entre os danos realmente ocorridos e o valor reembolsado pelo seguro.

Assim, considerando, ainda, o estabelecido nos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro e notas fiscais apresentadas nos autos – as quais não sofreram impugnação específica por parte da ré, cabível a condenação da ré ao pagamento de indenização em favor da autora no valor de R$ 11.387,28. A verba deve ser corrigida pelo IGP-M (FGV) a contar do último desembolso feito pela autora para conserto dos equipamentos ocorrido em 27.09.2000. Sobre o valor incide ainda juros de 0,5% ao mês até 09.01.2003 (art. 1.062 do Código Civil de 1916), e a partir de 10.01.2003 os juros passarão ao percentual de 1% ao mês (art. 406 do Código Civil de 2002 e art. 161, parágrafo único do Código Tributário Nacional).

(fls. 169-172)”

Como bem ressaltado pelo juízo a quo, ao passo que a autora comprovou, por meio de laudos técnicos, prova testemunhal e notas fiscais, que sofreu danos materiais em seus equipamentos, e que tal se deu em razão da variação na tensão da rede elétrica, bem como demonstrou o valor do prejuízo, a ré não logrou comprovar a regularidade na prestação do serviço. Por óbvio, se a demandada negou sua responsabilidade pelos danos sob o fundamento de que, na data referida pela autora, não averiguou administrativamente qualquer irregularidade na rede, tal tese perde força quando, pelo documento de fl. 52, verifica-se que a data e horário objetos da investigação administrativa não coincidem com a dos fatos. Ou seja, tendo a autora reclamado pelos danos ocorridos na data de 12.08.2000, por volta das 22hs15min (fl. 13), a requerida, para não atender ao pedido, disse que não identificou qualquer oscilação na rede elétrica na data de 16.10.2001, entre 12 e 13hs.

Nesse diapasão, a demandante comprovou os fatos constitutivos de seu direito; a ré, por sua vez, não fez prova de qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, de tal modo que o pedido de indenização vai provido em parte, nos mesmos moldes do decisum a quo.

Sublinho, por derradeiro, que a ré, em sede recursal, não se insurgiu quanto ao valor da indenização, pelo que deixo de examinar tal ponto.

Por todo o exposto, nego provimento ao apelo, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.

É como voto.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (REVISORA) – De acordo.

DES. ODONE SANGUINÉ – De acordo.

Apelação Cível n° 70012758140 – Negaram provimento ao apelo. Unânime.

Julgador(a) de 1º Grau: CAMILA LUCE MADEIRA

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