Ordem de fala

Advogado deve ter o direito de falar depois do voto do relator

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23 de maio de 2006, 15h36

Uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o dispositivo de lei que conferia aos advogados o direito de, nos tribunais, nos órgãos colegiados de julgamento, falar e sustentar suas razões depois do voto do relator.

Explica-se aos leigos: nos tribunais, onde existe três ou mais julgadores apreciando a causa, um deles é sorteado relator. A este cabe um exame mais profundo do caso, preparando-o para o julgamento. Algum tempo antes do julgamento, ele passa o processo a outro, que é o revisor, encarregado de também apreciar o caso, geralmente, com menos tempo para fazê-lo, no que resulta, em regra, num exame menos profundo, como é natural. Enfim, o terceiro julgador e os demais, se mais forem os membros do colegiado, só conhecem o caso no dia e na hora do julgamento.

Resulta desse sistema a importância essencial do voto do relator, o que mais deve conhecer o caso. Em todos os tribunais do país, consigna-se a regra de procedimento interno de que o relator expõe o caso, sem votar, os advogados das partes então falam por certo tempo, para os julgadores ouvirem suas razões e só então o relator vota.

Todos, mas todos os advogados militantes no Brasil sabem o quanto essas razões ditas antes do voto do relator são pouquíssimo consideradas no julgamento, pois o relator em quase 100% dos casos já traz o voto pronto. E, claro, como é conseqüente à tal estrutura de julgamento, na grande maioria dos casos, os demais acompanham esse voto, incontestado, mais facilmente acolhido.

Na prática, isto significa que o tal julgamento plural, essencialmente estruturado para que a pluralidade de visões proporcione uma maior aproximação com a verdade, fica um tanto pervertido. Na verdade, quase sempre o destino da causa e dos direitos ali envolvidos ficam dependendo da palavra absoluta do relator.

Os magistrados do STF argúem que a Constituição atual reserva ao Poder Judiciário a competência privativa para ditar as normas sobre seus regimentos internos. E, como é de se acreditar, todos, mas todos os tribunais do país só admitem que os advogados falem antes do relator votar. Admite-se que os magistrados não queiram, por certo comodismo e por certo “complexo talar”, que seus votos fiquem sujeitos a críticas jurídicas dos advogados.

Isso, contudo, é inaceitável. Ninguém é infalível e, se a grande maioria dos votos carrega uma fundamentação correta e séria, existem vários exemplos de superficialidade, de pouca atenção a fatos essenciais da causa, que só poderiam ser apontados pelos interessados no processo. Se acaso não tiverem razões os advogados, os demais julgadores, conhecendo tudo agora, as versões diversas, vão decidir corretamente.

O argumento de que só os tribunais têm competência para ditar regras nos seus julgamentos não convence — como não convenceu aos ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio. A competência dos tribunais nesses assuntos é limitada pelas leis do país. E a lei em tela garantia a palavra dos advogados depois do relator votar. Ou será que uma lei, votada pela maioria da Câmara dos Deputados e pela maioria do Senado Federal, centenas de representantes do povo em eleição direta, deve valer menos do que regras ditadas por magistrados, homens dignos, juristas, mas sem representação popular, não eleitos que são?

Diante da decisão pouco feliz do STF, espera-se que a OAB federal apresente proposta de emenda constitucional para que esses mesmos representantes do povo, que daquele jeito anterior já votaram, ratifiquem tal intento aditando a Constituição. Dessa forma, deixa-se claro que esse poder de votar regimentos internos deve sempre obedecer ao direito dos advogados de falarem nos juízos superiores depois do voto do relator da matéria.

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