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ItaúSeg Saúde tem de reembolsar valor de prótese de quadril

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22 de maio de 2006, 17h31

“Estando a prótese ligada de forma indissociável ao ato cirúrgico, que só ocorreu para que a mesma fosse implantada, a negativa de cobertura é abusiva.” O entendimento é do o juiz Clávio Kendi Adati, da 20ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, ao condenar a ItaúSeg Saúde a pagar R$ 17,8 mil de indenização a uma segurada que não teve o valor da prótese reembolsado.

Em 2005, Ana Saignur Neumann, cliente da ItaúSeg por mais de 20 anos, teve de se submeter a uma cirurgia para colocar uma prótese de quadril. Quando solicitou o reembolso do valor das despesas, a ItaúSeg devolveu apenas o valor da cirurgia, do tratamento e da internação. A prótese não teria cobertura, de acordo com a apólice de seguro, bem como a instrumentação da cirurgia, o tratamento fisioterápico, a última diária de internação e alguns materiais hospitalares.

A defesa de Ana, feita pela equipe do escritório Rosenbaum Advocacia, sustentou que o comportamento da ItaúSeg seria abusivo, contrariando normas do Código de Defesa do Consumidor e o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. A ação pleiteava o reembolso do montante do valor pago pelos procedimentos, além de indenização por danos morais.

Em sua defesa, a ItaúSeg Saúde alegou que não reembolsou os valores à autora da ação pois o contrato firmado entre as partes “é regido pelo Código Civil de 1916 e não pelas regras da Lei 9.656/98, época em que o CDC não estava em vigor”. Disse que a exclusão da cobertura foi feita de forma clara, sendo que a autora teve conhecimento prévio e o aceitou.

Ao julgar o mérito da ação, o juiz assegurou que a relação entre as partes do processo é de consumo e que a empresa não poderia se eximir de sua obrigação, baseando-se no fato “da não aplicabilidade das regras da Lei 9.656/98 aos contratos anteriores ao início de sua vigência”.

O juiz Clávio Kendi Adati entendeu que “não há que se falar em exclusão da cobertura pela utilização de prótese no procedimento, pois isso implicaria na existência de verdadeira armadilha contratual: cobre-se o procedimento, mas exclui-se o meio de sua realização, inviabilizando-o, portanto”.

No entanto, em relação ao pedido de indenização por danos morais, o juiz sustentou que não houve qualquer indício deste tipo de dano. “Tratou-se de caso onde ocorreu, única e exclusivamente, inadimplemento contratual”.

Processo: 000.05.211.484-1

Leia a íntegra da decisão

Vistos, etc.

ANA SAGINUR NEUMANN e NEUMANN PETER, devidamente qualificados nos autos, propõem ação pelo rito ordinário em face de ITAUSEG SAÚDE S/A, alegando que as despesas médico-hospitalares de tratamento realizado pela primeira co-autora não foram reembolsadas pela requerida. Sustentam que são titulares de seguro-saúde (Apólice no. 28.87.4119309) contratado com a empresa ré há mais de vinte anos, cujo plano prevê o reembolso de despesas de assistência médica e hospitalar.

Dizem que em 02.09.2005 a primeira requerente foi internada em hospital conveniado da requerida para submeter-se a uma cirurgia de Atrosplastia Total Coxo Femural, consistente na colocação de uma prótese total de quadril, passando, em seguida, por sessões de fisioterapia, recebendo alta em 09.09.2005.

Aduzem, porém, que ao requisitarem o reembolso decorrente da cirurgia, do tratamento e da internação o mesmo não foi integralmente concedido, sob o argumento de que as despesas com a prótese não estariam cobertas pelo seguro (item 3.1., “i” da apólice).

Além destas, a ré também teria deixado de reembolsar as despesas com a instrumentação da cirurgia, o tratamento fisioterápico, a última diária de internação e alguns materiais hospitalares. Afirmam que o comportamento da ré é abusivo, contrariando normas do Código de Defesa do Consumidor e o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Assim, pleiteiam: (i) a concessão de tutela antecipada para a obtenção imediata do reembolso das despesas; (ii) a inversão do ônus da prova; (iii) a condenação da ré ao pagamento da quantia devida, no montante de R$ 17.836,81 (dezessete mil, oitocentos e trinta e seis reais e oitenta e um centavos); e (iv) indenização por danos morais. Juntam documentos (fls. 14/60). À fl. 61 a antecipação de tutela deferida, e contra esta decisão foi interposto agravo de instrumento (fls. 94/105), tendo o mesmo sido recebido sem o efeito suspensivo (fl. 126).

Em contestação (fls. 111/123), sustenta a ré que deixou de indenizar apenas as despesas que não estavam cobertas pela apólice contratada, pautando-se sua conduta pelo exercício regular de direito. Afirma que o contrato firmado com as requerentes é regido pelo Código Civil de 1916 e não pelas regras da Lei 9656/98, pois celebrado em 1993, época em que o CDC não estava em vigor.

Salienta que a exclusão prevista no contrato foi expressa de forma clara e não é abusiva, na medida em que os autores tiveram prévio conhecimento de seus termos, aceitando-os. Assim, ressalta que se o limite dos riscos estipulados no contrato forem extrapolados, tornar-se-á inviável a instituição do seguro, pela quebra de sua base atuarial.

No que tange aos danos morais reclamados, afirma que os mesmos não são devidos, pois o reembolso foi negado com base em cláusula contratual e, portanto, não houve ato ilícito, e sim exercício de um direito.

Assim, requer a total improcedência da demanda. Houve réplica (fls. 128/131). Ordenada a especificação de provas pelas partes, os autores requereram o julgamento antecipado da lide e a ré reiterou os termos de sua contestação.

É o relatório.

DECIDO.

Prescinde o feito de dilação probatória, comportando o seu julgamento antecipado conforme o disposto no art. 330, I do Código de Processo Civil, por se tratar de matéria exclusivamente de direito, restando os fatos devidamente comprovados nos autos.

Não há questões preliminares a serem apreciadas, pelo que passo a analisar o mérito da demanda. A demanda é parcialmente procedente.

De início, consigna-se que a relação havida entre os litigantes é de consumo, já que tanto os segurados quanto a seguradora são, respectivamente, consumidor e fornecedora para os fins do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”). Quanto à não aplicabilidade das regras da Lei no. 9.656/98 aos contratos anteriores ao início de sua vigência, não pode a ré valer-se desta tese para eximir-se de sua obrigação. O contrato analisado no caso em tela é de adesão e impossibilita qualquer discussão acerca das cláusulas contratuais.

E se assim é, deve ser da ré a iniciativa de propor as devidas adaptações aos seus conveniados, não bastando a simples alegação de que o diploma “não se aplica”. Ademais, tratando-se de contrato de execução continuada, perfeitamente aplicáveis as regras do CDC.

A recusa da ré em cobrir os gastos pugnados fundou-se em cláusula contratual abusiva e ilegal. A previsão da cláusula 3.1., “i” das condições gerais do seguro não pode prevalecer sobre a Lei de regência, sob pena de privilegiar-se bem jurídico inferior em detrimento da vida e da saúde. Não há que se falar em exclusão da cobertura pela utilização de prótese no procedimento, pois isso implicaria na existência de verdadeira armadilha contratual: cobre-se o procedimento, mas exclui-se o meio de sua realização, inviabilizando-o, portanto.

Estando a prótese ligada de forma indissociável ao ato cirúrgico, que só ocorreu para que a mesma fosse implantada, a negativa de cobertura é abusiva. Pelos mesmos argumentos devem ser cobertas as despesas havidas com o tratamento fisioterápico, sendo abusiva cláusula que impeça sua cobertura. No presente caso, restou clara a necessidade do referido tratamento para que a prótese alcançasse os fins para os quais foi implantada, estando a fisioterapia inserida no contexto da recuperação cirúrgica.

Se houve cobertura, pela seguradora, da internação e da cirurgia de Artroplastia Coxo Femural, cobertura também deve haver para o tratamento necessário à recuperação do ato cirúrgico. Logo, deve a ré reembolsar os autores pelos valores despendidos com a compra da prótese total de quadril, implantada na primeira requerente, e com as sessões de fisioterapia realizadas no pós-operatório.

No tocante às demais despesas, relativas ao serviço de instrumentação, ao material cirúrgico e à diária de internação também há direito de reembolso, porquanto perfeitamente englobadas nas hipóteses previstas nas cláusulas 2.1. e 2.1.1. das condições gerais do plano (fl. 22).

Por outro lado, não há fundamento para a indenização pleiteada, já que não foi verificada a ocorrência de qualquer dano de ordem moral. Tratou-se de caso onde ocorreu, única e exclusivamente, inadimplemento contratual.

Assim, ante o acima exposto e o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação ordinária proposta por ANA SAGINUR NEUMANN e NEUMANN PETER em face de ITAUSEG SAÚDE S/A, condenando a ré a reembolsar os autores pelas despesas havidas com a compra da prótese total de quadril “biocontact sem cimento – aesculap”, os serviços de instrumentação, os materiais cirúrgicos e o tratamento de fisioterapia, no valor total de R$ 17.836,81 (dezessete mil, oitocentos e trinta e seis reais e oitenta e um centavos), que deverá ser corrigido pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça deste Estado desde o desembolso, acrescendo-se juros moratórios de 1% ao mês, estes contados da citação.

Em virtude da sucumbência, CONDENO a ré ao pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação. Dada a sucumbência mínima dos autores, deixo de condená-los nas respectivas verbas. No mais, JULGO EXTINTO o processo com a apreciação do mérito, nos termos do artigo 269, I do Código de Processo Civil. P.R.I.

São Paulo, 04 de abril de 2006.

CLÁVIO KENJI ADATI

Juiz de Direito

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