Fila da assinatura

Juizados Especiais de SP inovam para atender demandas em massa

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20 de maio de 2006, 7h00

No final de 2004, a notícia de que seria cancelada a assinatura básica de telefone e de que os usuários receberiam de volta tudo que haviam pago até então modificou a rotina dos Juizados Especiais Estaduais de São Paulo. Consumidores formaram filas na frente dos fóruns para entregar petições contra a mensalidade. Teve juizado que recebeu mais de 40 mil ações, mas com imaginação e boa vontade, a maioria deles venceu o desafio e deu uma resposta a quem procurou a Justiça.

Criatividade foi fundamental para derrubar a montanha de ações. A legislação também ajudou. A Lei 11.277 de 2006 estabeleceu que os juízes podem extinguir ações sem necessidade de citar a outra parte se tiverem decisões repetidas sobre o tema. Mesmo antes de a lei entrar em vigor (em maio deste ano), a juíza Mônica Rodrigues, coordenadora do Juizado Especial Cível Central da capital paulista, o mais atingido pela avalanche de ações, já aplicava a regra estabelecida pela legislação: despachava as ações sem citar a parte passiva, a Telefônica.

A visão da juíza permitiu que o juizado lidasse com as 40 mil ações questionando a assinatura básica que chegaram ao fórum em 45 dias. Outro mecanismo adotado por Mônica foi o julgamento em lotes. Até dezembro de 2005, todas ações haviam sido julgadas.

“Na época, formavam filas aqui no fórum. Pessoas idosas, mães com crianças de colo”, lembra. Para tentar resolver esse problema, ela também adotou outro mecanismo: ações contra a assinatura básica só eram recebidas pelos Correios. “A pauta não ficou prejudicada porque também criamos um banco de dados especialmente para esta questão.”

No Tatuapé, o juizado conseguiu, dispensando as audiências, dar conta das 4 mil ações que chegaram ao fórum. “Julgamos uma por uma. Mas a quantidade tumultuou o juizado sim”, conta Pedro Paulo Maillet Preuss, juiz titular do juizado.

Antes mesmo que a avalanche de ações desabasse na sua porta, o Juizado de Pinheiros recorreu à criatividade para desestimular a corrida de demandantes da Telefônica. “Colocamos cópia da sentença (contrária à suspensão da assinatura básica) no cartório para mostrar para a população qual era nosso entendimento”, explica o juiz Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva, diretor do juizado. Ninguém foi impedido de apresentar suas razões, mas sabendo de antemão a resposta, apenas 500 ações chegaram ao juizado. E todas já foram julgadas.

A situação mais caótica ocasionada pela febre da assinatura básica foi e é vivenciada no Juizado de Santo Amaro. Entraram cerca de 30 mil ações, da quais nem 20% foram julgadas, uma por uma. “No começo, citamos a Telefônica. Depois, deixamos de citar”, conta o juiz-coordenador Flávio Pinella Helaehil. Ele atribui a lentidão de julgamento à falta de estrutura do cartório. “O que demora não é a sentença, mas o trâmite do cartório até chegar na mesa do juiz.”

O juiz conta que a quantidade de ações prejudicou a rotina dos cartórios e o andamento das ações. “Atrapalhou muito e ainda atrapalha. As ações só não atravancaram a pauta de audiências porque não entraram nela.”

O Juizado da Lapa adotou o mesmo sistema do Foro Central para evitar que as quase 5 mil ações que chegaram nos últimos meses de 2004 prejudicassem o bom andamento da pauta. Nada de audiência conciliatória, nada de citação e todas as ações julgadas improcedentes. No entanto, ainda restam cerca de 100 processos para serem julgados.

A diretora do juizado, Cristiane Sampaio Alves Mascari Bonilha, credita a sobra ao impasse travado no Superior Tribunal de Justiça, que suspendeu o julgamento durante um tempo. Em um conflito de competência suscitado, o STJ entendeu que a Anatel deveria fazer parte das ações que questionam a assinatura básica e, por isso, a competência era da Justiça Federal. Determinou, também, que todas as ações fossem centralizadas em Brasília. Mais tarde, suspendeu a decisão.

O conflito prejudicou o julgamento das 10 mil ações sobre a mensalidade de telefone no Juizado de São Miguel Paulista, onde a pauta ficou bastante tumultuada. “Dos 20 mil processos que temos hoje, 10 mil questionam a assinatura básica. A maioria ainda não foi julgada porque ficou à espera da decisão do STJ. Só agora, a fila voltou a andar”, explica o juiz titular, José Rubens Queiroz Gomes.

A mesma situação ocorre no Juizado da Vila Prudente: das 1.500 ações que entraram contra a Telefônica, apenas 100 foram julgadas. O resto ficou à espera da decisão da corte superior. A lentidão no julgamento, no entanto, também pode ser atribuída à falta de criatividade do juizado, que preferiu seguir o rito burocrático da Justiça. As ações foram julgadas individualmente, tiveram audiência de conciliação e a Telefônica teve a oportunidade de apresentar sua defesa.

Em tempo

De um jeito ou de outro, os Juizados Especiais Estaduais conseguiram fazer com que a enxurrada de ações contra assinatura básica não atrasasse a solução de outros conflitos. Mesmos aqueles juizados que confirmaram o tumulto enfrentado não alteraram o tempo de espera para dar uma sentença (pelo menos, não nos casos diversos de assinatura básica).

Hoje, talvez pela consolidação do entendimento — todos os juizados consideram a mensalidade de telefonia legal —, quase já não se vê mais consumidor questionando a tarifa. Pode-se dizer que a rotina voltou ao normal. Ou, pelo menos, caminha para isso. “A quantidade de ações que ainda temos para julgar ainda atrapalha a rotina. Nossa estrutura é deficitária. Mas, com a aprovação da lei que permite a não citação, a perspectiva é de que o julgamento ocorra mais rápido”, aposta Flávio Helaehil, de Santo Amaro.

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