Estatuto da Advocacia

Resultado do julgamento sobre Estatuto divide advogados

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19 de maio de 2006, 18h11

A definição dos limites das prerrogativas dos advogados, invariavelmente, gera discussões acaloradas e opiniões diametralmente opostas. Mesmo entre os próprios advogados, a questão está longe de ser pacífica.

Exemplo claro disso é que enquanto o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, considerou uma vitória o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre diversos dispositivos do Estatuto da Advocacia, muitos advogados taxaram o resultado da sessão como decepcionante.

O Supremo definiu na quarta-feira (17/5) a validade de diversos dispositivos do Estatuto da OAB — Lei 8.906/94. Os ministros julgaram inconstitucionais algumas regras consideradas importantes por diversos advogados, como a que previa o direito de sustentação oral após o voto do relator nos julgamentos. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros há quase 12 anos — logo após a aprovação do Estatuto da Ordem.

Voz do advogado

A maior parte dos criminalistas acredita que uma das maiores derrotas dos advogados se deu no caso do direito à sustentação oral depois do voto do relator. Apenas os ministros Marco Aurélio, relator da ação, e Sepúlveda Pertence votaram pela manutenção da prerrogativa. Para os demais oito ministros, a regra — que já estava suspensa liminarmente — fere a Constituição.

O advogado Alberto Zacharias Toron afirmou que a questão ligada à cronologia da fala do advogado, isto é, após o voto do relator, mostrou como a maioria do STF ainda está aferrada à sistemática.

“Se o advogado pudesse falar após o relator, isso obrigaria que ele estudasse mais o processo e, ao contrário de fazer uma sustentação muitas vezes retórica, o obrigaria a fazer uma sustentação oral bem fundamentada em cima do voto do relator”, afirmou. Para Toron, “se o inciso IX do parágrafo 7º do estatuto não tivesse sido julgado inconstitucional, ganharia qualitativamente a Justiça”.

Para Luís Guilherme Vieira, também reconhecido advogado criminalista, o único ponto positivo é que o Supremo julgou uma questão que espera a análise do mérito por mais de 10 anos. No entanto, para ele, “proibir a sustentação depois do voto do relator é um grande retrocesso e uma grande perda para o Estado Democrático. Se você permitir que após o relatório haja um contraponto, certamente o julgamento vai ser mais justo porque força o contraditório e a ampla defesa.”

Segundo o criminalista Jair Jaloreto Júnior, a sustentação oral posterior ao relatório é importante porque o advogado “expõe com maior clareza as idéias que o papel não sustenta”.

Garantias profissionais

Para o presidente da OAB, Roberto Busato, houve avanço no reconhecimento de que o advogado pode representar seu cliente em todos os órgãos do Judiciário e no direito do advogado de ter, em caso de eventual prisão, garantida a presença de um representante da OAB.

Os ministros julgaram constitucional também a norma que estabelece que no exercício da profissão o advogado é inviolável por seus atos e manifestações. O plenário do STF também manteve a obrigação de se comunicar à OAB sobre determinações de busca e apreensão em escritórios de advocacia e de a operação ser acompanhada por um representante da Ordem.

O STF ressalvou que o juiz poderá comunicar a OAB para que seja designado representante para acompanhar o cumprimento de mandado de busca e apreensão em caráter confidencial para ser garantida a eficácia das diligências.

A prisão em flagrante de advogado por motivo relacionado à profissão também deve ser acompanhada de representante da OAB e só pode ser feita nos casos de crime inafiançável. Neste ponto, foram mantidos intactos os dispositivos do Estatuto da Advocacia. Por essas razões, o presidente da OAB considerou que houve vitória no julgamento.

Lá e cá

Mas se foram mantidas importantes prerrogativas, foram retiradas outras. Os ministros também derrubaram a expressão “ou desacato” no parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto. O parágrafo prevê que o advogado tem “imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo e fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”.

Com a decisão, o desacato passa a ser punido. Um juiz, por exemplo, poderá dar voz de prisão ao advogado por desacato. Sobre esse quesito, Toron acredita que a decisão “mostra uma mentalidade ainda muito calcada na repressão, como forma de exaltar ou preservar a autoridade do juiz”.

Quanto à questão do desacato, Guilherme Vieira considerou a decisão acertada. “O advogado não tem liberdade plena ou absoluta. A advocacia não é um exercício que autoriza o desacato.”


Poder da OAB

Em relação ao inciso V, artigo 7º, que trata da prerrogativa de prisão em sala de Estado Maior para os advogados, o plenário julgou inconstitucional a expressão “assim reconhecida pela OAB”. Assim, os advogados mantêm o direito à prisão especial, mas não cabe mais à OAB reconhecer se as instalações condizem com as de sala de Estado Maior.

Nesse ponto, Toron considerou que a OAB foi desprestigiada e que o fato de a entidade não ter de atestar quando a sala que se destinou para o encarceramento do advogado é condigna ou não dá margem para que se burle a regra.

Para o advogado Jair Jaloreto Júnior, a decisão “não é uma grande aberração jurídica, porque entende-se que o espírito dela é evitar o corporativismo”. Mas, no saldo geral, ele acredita que a advocacia mais perdeu do que ganhou com o julgamento de seu estatuto.

Repercussão

O advogado Mario de Oliveira Filho, presidente da Comissão de Prerrogativas da seccional paulista da OAB, considerou que a decisão do Supremo Tribunal Federal “para quem é advogado militante” não foi nada boa. “No caso de punir o desacato, por exemplo, a decisão coloca o advogado a mercê da sensibilidade da autoridade e restringe sua atuação. Essa é mais uma forma de cerceamento de defesa”.

Já para o constitucionalista José Levi Mello do Amaral Jr. “a decisão foi boa e não tem de surpreender ninguém. O Estatuto vai continuar sendo interpretado como já era desde a liminar concedida pelo ministro Paulo Brossard. A sustentação oral, por exemplo, já tinha sido proibida. Então, não mudou nada. O julgamento do Supremo não prejudicou em nada os advogados do país”.

*Veja o resultado do julgamento de cada dispositivo do Estatuto da OAB contestado pela AMB

1 — Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais

O STF, por unanimidade, julgou prejudicada a alegação de inconstitucionalidade da expressão “aos juizados especiais” em razão da superveniência de norma posterior que regulamentou a matéria. Entretanto, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “qualquer” contida no inciso I, vencidos os ministros Marco Aurélio, relator, e o ministro Carlos Ayres Britto.

O ministro Marco Aurélio julgava improcedente o pedido com relação à expressão “qualquer” por entender que o artigo 133 da Constituição Federal não contempla exceção à indispensabilidade do advogado. A divergência, quanto a esse ponto, foi aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski, que ressalvou apenas que não é possível proibir a presença do advogado. Lewandowski julgou procedente o pedido formulado quanto à expressão “qualquer” e foi acompanhado pelos ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence.

Pertence ainda afirmou que não é absoluta a vedação ao legislador de dispensar a participação do advogado em determinadas causas, sujeita essa dispensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

2 — Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça. § 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei

O ministro Marco Aurélio declarou a constitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 2º do Estatuto da OAB. O ministro afirmou que, como regra, a inviolabilidade por atos e manifestações no exercício da profissão é prerrogativa do advogado e está respaldada pelo artigo 133 da Constituição Federal. A exceção, segundo o relator, corre à conta da lei, no que o texto constitucional contém a cláusula “nos limites da lei”. Para ele, a lei já prevê sanções disciplinares por excessos. Ele foi acompanhado por unanimidade.

3 — Art. 7º São direitos do advogado: § 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer

No julgamento do parágrafo 2º do artigo 7º, o Plenário declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou desacato”, contida no dispositivo. Neste ponto, ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, já que ambos mantinham a integralidade do dispositivo.

4 — Art. 7º São direitos do advogado: II – ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB


Os ministros do Supremo julgaram, por unanimidade, a constitucionalidade da expressão “e acompanhada do representante da OAB”, contida no inciso II do artigo 7º, do Estatuto da OAB. Os ministros ressalvaram que o juiz poderá comunicar a OAB para que seja designado representante para acompanhar o cumprimento de mandado de busca e apreensão em caráter confidencial para ser garantida a eficácia das diligências.

5 — Art. 7º São direitos do advogado: IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB

O Plenário julgou constitucional o dispositivo acima, mantendo a necessidade de representante da OAB para a prisão em flagrante de advogado por motivo relacionado ao exercício da advocacia.

O ministro Marco Aurélio, relator da ADI, ressalvou que se a OAB não enviar um representante em tempo hábil mantém-se a validade da prisão em flagrante. Todos os ministros acompanharam Marco Aurélio.

6 — Art. 7º São direitos do advogado: V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar

Por maioria, foi declarada a inconstitucionalidade da expressão “assim reconhecidas pela OAB”. Vencidos os ministros Marco Aurélio, Eros Grau e Carlos Ayres Britto que julgavam improcedente o pedido formulado na ação.

7 — Art. 7º São direitos do advogado: IX – sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido

Este inciso foi julgado inconstitucional pela maioria do Plenário. Ou seja, foi afastada a possibilidade de o advogado fazer sustentação oral após o voto do relator. Ficaram vencidos, neste ponto, os ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence.

8 — Art. 7º São direitos do advogado: § 3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo

O relator, ministro Marco Aurélio, julgou improcedente o pedido formulado nesse ponto e foi acompanhado à unanimidade pelo Plenário. Para o ministro, “a prisão temporã revela exceção, encerrando a Carta da República o princípio da não-culpabilidade até ter-se decreto condenatório precluso na via recursal”. Ele acrescenta que o dispositivo atacado é compatível com as normas em vigor, no que restringe a prisão em flagrante em caso de crime inafiançável e determina que, então, deve haver a comunicação prevista no inciso IV do artigo 7º à OAB e a lavratura do auto, presente representante da classe.

9 — Art. 7º São direitos do advogado: § 4º O Poder Judiciário e o Poder Executivo devem instalar, em todos os juizados, fóruns, tribunais, delegacias de polícia e presídios, salas especiais permanentes para os advogados, com uso e controle assegurados à OAB

Nesse ponto, o Plenário votou, por maioria, pela procedência parcial do pedido formulado na ADI 1.127 no que diz respeito à exclusão da expressão “e controle” do dispositivo impugnado. Assim, os ministros entenderam que a OAB não deve controlar as salas especiais destinadas a advogados nos órgãos públicos. Vencidos no ponto, os ministros Marco Aurélio, relator, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Sepúlveda Pertence que julgavam improcedente o pedido.

10 — Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: II – membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta

Nesse aspecto, os ministros entenderam que a possibilidade de membros do poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais e Conselhos de contas, dos Juizados Especiais e da Justiça de paz advogarem é inconstitucional. Já os juízes eleitoriais e seus suplentes podem advogar. A decisão foi por maioria.

11 — Art. 50. Para os fins desta lei, os Presidentes dos Conselhos da OAB e das Subseções podem requisitar cópias de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão da Administração Pública direta, indireta e fundacional

Esse dispositivo permite que os presidentes dos Conselhos da OAB e das Subseções possam requisitar cópias de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão da Administração Pública direta, indireta e fundacional.

O Plenário julgou parcialmente procedente a ADI neste ponto, para dar interpretação conforme a Constituição. Eles afirmaram que o advogado, ao ‘requisitar’ cópias de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, deve motivar o pedido, desde que seja compatível com as finalidades da lei, além de se responsabilizar pelos custos da requisição, ressalvados os documentos cobertos por sigilo.

*Fonte: site do STF

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