Celular na cadeia

Advogado não defende o crime, mas direito de criminoso

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  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é ex-presidente da OAB-SP (por três gestões 2004/2012) membro honorário vitalício da OAB-SP presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP.

19 de maio de 2006, 13h40

Nesse momento de ofensiva da criminalidade e de sensação generalizada de insegurança, a seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil empenha solidariedade às famílias que tiveram seus entes queridos vitimados neste período e reafirma a necessidade de se manter a serenidade na avaliação de todo o episódio e na definição de caminhos, evitando soluções enviesadas e medidas açodadas que possam fragilizar as instituições, contrariando a lei e atingindo os direitos, o Estado Democrático de Direito e a democracia.

É fundamental ressaltar que o papel do advogado na administração da Justiça é tão importante quanto o dos juízes e dos promotores, porque buscam um julgamento justo, a partir do devido processo legal. A advocacia é um serviço público essencial, sendo o direito à defesa, independente do delito imputado, um dos fundamentos do Estado de Direito. O advogado, em nenhum momento, defende o crime, mas atua para que o acusado tenha seus direitos assegurados.

Torna-se igualmente importante repudiar a tentativa de desvirtuar os reais motivos dessa onda de violência que atingiu São Paulo, buscando imputar à classe dos advogados parcela da responsabilidade pelo grave episódio. Eventualmente, caso seja comprovado que um profissional se desviou do caminho e cometeu crime, deve ser submetido à lei. A OAB-SP não compactua com desvios de conduta e, por meio do seu Tribunal de Ética e Disciplina, vem julgando e punindo aqueles que infringem a disciplina e a ética da advocacia, tendo aplicado, no último ano, 1.861 punições, num universo de 250 mil profissionais, o que demonstra tratar-se de exceções.

A OAB-SP não vai transigir na defesa das prerrogativas profissionais do advogados. Considera inadmissível e ilegal a proposta para gravar conversas entre o advogado e seu cliente, quebrando o sigilo profissional, um dos pilares da advocacia. Não se pode romper os mecanismos do Estado Democrático de Direito sob qualquer justificativa, inclusive invocando crise emergencial. Esse mesmo mecanismo já foi tentado anteriormente, quando das invasões de escritórios de advocacia, recebendo também nosso repúdio e resistência.

Não se pode atribuir aos advogados criminais a introdução de celulares os presídios por falhas do sistema. Isso é um erro de percepção. Além dos advogados, os presos também têm contato com familiares, visitas, agentes penitenciários, religiosos, etc.. Os advogados não se furtam a passar pelos detectores de metais nas prisões e considera que essa medida preventiva deveria incluir todos — juízes, promotores e servidores do sistema prisional. Se isso não bastasse, as entrevistas dos advogados com clientes nas unidades prisionais de segurança máxima acontecem através de vidros e telas, sem qualquer contato físico entre advogado e cliente.

Neste momento de comoção generalizada, a OAB-SP retoma essa importante reflexão sobre as prerrogativas profissionais dos advogados porque estas garantem, em última instância, a defesa dos direitos dos cidadãos. É preciso manter a serenidade para fazer valer o império da lei, garantindo os direitos individuais e coletivos e as liberdades democráticas. O combate ao crime organizado só será possível com a observância das leis, o bom funcionamento da Justiça e o fortalecimento das instituições democráticas.

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