CPI dos Bingos

STF suspende quebra de sigilos de Kurzweil pela CPI dos Bingos

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18 de maio de 2006, 15h50

O ministro Cezar Peluso concedeu liminar nesta quarta-feira (17/5) ao empresário Roberto Carlos da Silva Kurzweil, apontado como dono do carro que teria transportado a suposta doação de US$ 3 milhões de Cuba para a campanha petista de 2002. A ordem suspende a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do empresário, determinada pela CPI dos Bingos.

O ministro explicou que a quebra de sigilos é medida de caráter excepcional, que só pode ser autorizada se presentes, simultaneamente, os quatro requisitos essenciais: motivação, pertinência temática com o que se investiga, necessidade absoluta da medida e limitação temporal do objeto da medida. No caso do requerimento de quebra, faltou o último requisito.

Cezar Peluso lembrou que, pela mesma razão, o STF já impediu, por duas vezes em menos de três meses, quebras de sigilos aprovadas pela CPI dos Bingos, “com igual teor e mareados pelos mesmos vícios”. O ministro advertiu que a CPI tem reiteradamente cometido o mesmo erro.

“A menos que as informações provem outra coisa, admira, pois, que, ciente e advertida de tão clara exigência de ordem constitucional, não cuidasse a Comissão de, nos novos atos, objeto deste mandado de segurança, sanar tão grave e irremissível defeito, que compromete a legitimidade da transferência [de sigilos] pretendida, sem que sobre pretexto para afetar que esta Corte embarace ou impeça investigações lícitas da CPI.”

Leia a decisão

MANDADO DE SEGURANÇA N. 25.966-3

PROCED.: DISTRITO FEDERAL

RELATOR ORIGINÁRIO: MIN. CEZAR PELUSO

IMPTE.(S): ROBERTO CARLOS DA SILVA KURZWEIL

ADV.(A/S): MIGUEL PEREIRA NETO E OUTRO(A/S)

ADV.(A/S): MARIA EMÍLIA LOPES EVANGELISTA

IMPDO.(A/S): PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI DOS BINGOS

DECISÃO: 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por Roberto Carlos da Silva Kurzweil, contra ato do Presidente da CPI dos Bingos que, aprovando o Requerimento 17/2006, determinou a transferência de seus sigilos bancário, fiscal e telefônico.

Alega o impetrante, em resumo, que o requerimento em questão apenas reproduz as alegações constantes de dois requerimentos anteriores (nº 310/2005 e nº 10/2006), ambos objeto de outro mandado de segurança, em que, por falta de fundamentação do ato impugnado, lhe foi deferida liminar, ao depois estendida pelo Min. NELSON JOBIM, o qual determinou sustação da ordem de quebra expedida pela Comissão Parlamentar (cf. MS nº 25.762, DJ de 02 e 08 de fevereiro de 2006). Os argumentos do impetrantes podem sintetizados, para efeito deste breve relatório, em ausência de motivação do novo ato e falta de definição do período temporal que seria alcançado pela quebra dos sigilos.

2. É caso de liminar.

A jurisprudência firmada pela Corte, ao propósito do alcance da norma prevista no art. 58, § 3º, da Constituição Federal, já reconheceu a qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito o poder de decretar quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, desde que o faça em ato devidamente fundamentado, relativo a fatos que, servindo de indício de atividade ilícita ou irregular, revelem a existência de causa provável, apta a legitimar a medida, que guarda manifestíssimo caráter excepcional (MS nº 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO; MS nº 23.466-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; MS nº 23.619-DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI; MS nº 23.639-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO; etc.).

Não é lícito, pois, a nenhuma delas, como o não é sequer aos juízes mesmos (CF, art. 93, IX), afastar-se dos requisitos constitucionais que resguardam o direito humano fundamental de se opor ao arbítrio do Estado, o qual a ordem jurídica civilizada não autoriza a, sem graves razões, cuja declaração as torne suscetíveis de controle jurisdicional, devassar registros sigilosos alheios, inerentes à esfera da vida privada e da intimidade pessoal.

Como já afirmei noutro caso, em que se impugnava ato da mesma Comissão (MS nº 25.812, DJ de 232/02/06), quatro são os requisitos que devem estar presentes, de forma concomitante, para que se autorize a medida excepcional, quais sejam: (a) motivação do ato impugnado; (b) pertinência temática com o que se investiga; (c) necessidade absoluta da medida, no sentido de que o resultado por apurar não possa advir de nenhum outro meio ou fonte lícita de prova, e (d) limitação temporal do objeto da medida. A respeito deste requisito específico (d), ponderei na decisão liminar do mesmo caso:

“O outro requisito é a existência de limitação temporal do objeto da medida (d), enquanto predeterminação formal do período que, constituindo a referência do tempo provável em que teria ocorrido o fato investigado, seja suficiente para lhe esclarecer a ocorrência por via tão excepcional e extrema. E é não menos cristalina a racionalidade desta condição decisiva, pois nada legitimaria devassa ilimitada da vida bancária, fiscal e comunicativa do cidadão, debaixo do pretexto de que Comissão Parlamentar de Inquérito precise investigar fato ou fatos específicos, que são sempre situados no tempo, ainda quando de modo só aproximado. Ou seja – para que se não invoque nenhuma dúvida ao propósito -, a Constituição da República não tolera devassa ampla de dados da intimidade do cidadão, quando, para atender a necessidade legítima de investigação de ato ou atos ilícitos que lhe seriam imputáveis, basta seja a quebra de sigilos limitada ao período de tempo em que se teriam passado esses mesmos supostos atos. Que interesse jurídico pode enxergar-se na revelação de dados íntimos de outros períodos?”

(…)

“A terceira observação é que, em se tratando da acusação de fatos determinados, com datas certas, era mister que a Comissão fixasse o período de tempo dos dados cujo sigilo deveria ser levantado ou transferido É que, sem tal delimitação temporal, a quebra abrangeria toda a vida bancária e fiscal – e, até, telefônica, cuja pertinência com o objeto da investigação não parece muito nítida -, transformando-se numa devassa ampla, inútil, impertinente e inconcebível!”

Noutro velho caso, a Corte já lembrara, em liminar concedida pelo Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

“Instrumento de exercício das funções constitucionais do Congresso, CPI não é devassa” (MS nº 23.466-DF, DJ de 22.06.1999).

Ora, neste juízo prévio e sumário, observo desde logo, segundo o que consta dos autos, a falta absoluta daquele último requisito essencial (d), assim ao Requerimento nº 017/06 (fls. 50-53), como ao ato de sua aprovação (fls. 54), os quais nada dizem a respeito do período dos dados cujo sigilo deveria quebrado, o que basta, nesta sede, ao reconhecimento da razoabilidade jurídica do pedido, ao lado do risco evidentíssimo de dano irreparável, ou de difícil reparação, enquanto supostos da tutela de urgência. Escusa, destarte, por ora, considerar os demais fundamentos da pretensão.

Esse foi um dos motivos por que esta Corte, em duas oportunidades, faz menos de três meses, impediu produzissem efeito requerimentos anteriores, aprovados, pela mesma Comissão, com igual teor e mareados do mesmo vício. Aliás, no mandado de segurança anterior, ajuizado pelo mesmo ora impetrante, contra ato da mesmíssima Comissão, em decisão datada de 21 de dezembro do ano transato, a Min. ELLEN GRACIE, atendendo a uma das causas de pedir, determinara, ao requisitar as informações, que se certificasse “o período pretendido para a transferência dos dados bancários, fiscal e telefônico do impetrante” (MS nº 25.762, DJ de 01/02/2006).

A menos que as informações provem outra coisa, admira, pois, que, ciente e advertida de tão clara exigência de ordem constitucional, não cuidasse a Comissão de, nos novos atos, objeto deste mandado de segurança, sanar tão grave e irremissível defeito, que compromete a legitimidade da transferência pretendida, sem que sobre pretexto para afetar que esta Corte embarace ou impeça investigações lícitas da CPI.

3. Do exposto, defiro a liminar, para suspender os efeitos da aprovação do Requerimento nº 17/2006, da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos, que autorizou a transferência dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do impetrante, sem que possa usar desses dados, se eventualmente já obtidos, tudo até julgamento final deste mandado de segurança.

Solicitem-se informações. Após, vista à PGR.

Publique-se.

Brasília, 17 de maio de 2006.

Ministro CEZAR PELUSO

Relator

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